O acordo entre os Poderes para disciplinar as emendas parlamentares, anunciado em 20 de agosto, pode trazer mais benefícios ao governo Lula do que parece à primeira vista. Entre os termos acertados entre Supremo, Congresso e governo, está a imposição de um limite para o crescimento anual das emendas. Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, essa regra exigirá a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), muito provavelmente ainda em 2024.
Pois bem: ao aprovar um limite constitucional para as emendas, o Congresso abrirá uma pequena porta para um controle maior de outras despesas obrigatórias. Pode ser uma chance única para garantir uma sobrevida maior ao arcabouço fiscal aprovado em 2023, e dar a Lula um pouco mais de tranquilidade na relação com o mercado financeiro.
A questão fiscal ainda é o grande calcanhar-de-Aquiles do Brasil, que afasta investidores e ajuda a manter os juros altos no País. Por mais que o governo se esforce para aumentar as receitas e mostrar compromisso com as metas fiscais, o arcabouço aprovado em 2023 tem um grave defeito de fábrica: ele impôs um limite para as despesas como um todo, mas não mudou as regras para o crescimento de vários programas de governo – que continuam com caráter obrigatório e, em vários casos, têm suas despesas vinculadas diretamente ao crescimento das receitas. Isso torna o arcabouço insustentável: quanto mais sucesso o governo tiver em elevar as receitas, mais rápido crescerão as despesas obrigatórias, e menor a capacidade do governo cortar outros gastos. Se nada for feito, é questão de pouco tempo até que o arcabouço vire letra morta.
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Limitar as emendas parlamentares, por si só, não resolve o problema, ainda que dê algum conforto ao governo. O desafio de verdade é controlar as despesas em programas sociais – Previdência, saúde e educação – que, além de serem temas caros eleitoralmente para Lula, fazem parte do contrato social em vigor desde a Constituição de 1988.
É nesse sentido que a PEC das Emendas pode ser muito útil ao governo. É difícil controlar o crescimento das despesas obrigatórias com saúde e educação sem mudar a Constituição; mas, em vez de tomar a iniciativa de propor uma PEC sobre o tema, algo bastante difícil de imaginar com um presidente de esquerda, o governo poderia pegar carona na discussão atual e propor um ajuste mais amplo nas despesas vinculadas, compatibilizando-as com o arcabouço. É do interesse dos parlamentares aprovar rapidamente essa PEC, o que pode ajudar a proteger o governo de críticas da oposição. No mais, para tranquilizar a base, será possível dizer que não se trata de reduzir os gastos com saúde e educação – mas sim de garantir que cresçam todo ano, ao contrário da regra atual, que depende totalmente de receitas que sobem e caem a cada ciclo.
Não há sinais vísiveis de que este debate esteja ocorrendo, e o cenário mais provável ainda é de ajustes apenas nas emendas. Até por isso, no entanto, uma negociação mais ampla poderia ter um efeito bastante positivo sobre as expectativas de mercado. Resta saber por quanto tempo essa fresta continuará aberta e se o governo poderá aproveitar essa chance.