Comenta-se muito sobre o novo perfil do Congresso, muito mais assertivo e autônomo em relação ao Executivo do que no primeiro mandato de Lula. Fala-se até em uma espécie de semipresidencialismo – não só como uma possibilidade de mudança futura, mas como a melhor descrição do quadro atual.
Mas há outra mudança em curso no quadro institucional, que ocupa menos espaço nas análises mas também é muito importante: a crescente centralização do poder legislativo em torno da figura do presidente das Casas. Isso tem ocorrido, em particular, na Câmara dos Deputados, e precede a presidência atual. É por causa dessa centralização que Arthur Lira continua muito influente, mesmo após a restrição imposta pelo STF às emendas de relator. O sucessor de Lira, quem quer que seja, também deve ser muito poderoso, muito mais do que os presidentes da Câmara que Lula encontrou em seu primeiro mandato.
Ao longo de mais de uma década, houve mudanças regimentais e procedimentais que tem diminuído o poder das lideranças partidárias sobre os deputados e sobre a agenda de votação. Também tem havido um gradual esvaziamento das comissões legislativas, especialmente as comissões permanentes. Projetos importantes são encaminhados com mais frequência ao plenário, com regime de urgência, garantindo mais influência ao presidente da Câmara na indicação do relator e na condução das negociações.
Essas mudanças, muitas vezes baseadas apenas em mudanças de interpretação sobre o regimento interno, se aceleraram durante a pandemia, e continuaram a ocorrer neste ano. As reuniões de líderes, que antigamente concentravam as negociações e decisões sobre a agenda legislativa, ocorrem com menor frequência neste ano.
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A presidência das casas legislativas sempre foi um cargo importante, com grande poder de agenda, mas a tendência de centralização traz repercussões sérias para o cenário político e institucional. A centralização pode aumentar a produção legislativa, permitindo que reformas sejam aprovadas mais rapidamente. Mas há menos transparência, o que, por definição, torna a agenda legislativa mais imprevisível, decidida a portas fechadas. Há também menos pluralidade, prejudicando o debate democrático e reduzindo a capacidade da oposição – à esquerda ou à direita – de cumprir com seus mandatos.
O novo equilíbrio entre Legislativo e Executivo, com um Congresso mais altivo, pode ser benéfico para a democracia. Mas isso presume que a qualidade do debate dentro do Legislativo não se deteriore, e que diferentes partidos e grupos tenham poder de fato nas comissões e nas reuniões de liderança. Se a mudança formal para um semipresidencialismo de fato entrar na agenda política dos próximos anos, será preciso muita atenção à dinâmica interna do Parlamento.