BRASÍLIA - O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, emplacou o sócio do haras onde cria seus cavalos como funcionário fantasma na liderança do PDT no Senado. No local onde deveria trabalhar, ninguém conhece Gustavo Gaspar, embora ele tenha salário de R$ 17,2 mil, um dos maiores do gabinete. No haras, Gaspar é sócio da irmã do ministro, a prefeita de Vitorino Freire (MA), Luanna Rezende.
Juscelino vai se reunir hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que condicionou a permanência dele no cargo a uma justificativa plausível sobre o uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e de diárias pagas com recursos públicos para ir a compromissos privados, como leilões de cavalos
O Estadão esteve na liderança do PDT no Senado na última semana. Servidores disseram que não conheciam o suposto funcionário. Diante do constrangimento, o responsável pelo gabinete, Silvio Saraiva, admitiu que ele não trabalhava no local onde está lotado e deveria dar expediente. Gaspar foi realocado dois dias após a reportagem procurá-lo.
Homem de confiança do ministro na política e nos negócios, o funcionário fantasma é irmão de Tatiana Gaspar, contratada por Juscelino como assessora especial do Ministério das Comunicações, com salário de R$ 13,2 mil. Quando deputado, ele já havia empregado o pai de Gaspar, de 80 anos, com salário de R$ 15,7 mil.
Gaspar foi nomeado como assistente parlamentar sênior na liderança do PDT pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), à época líder da bancada. Compadre do ministro, o senador é um dos fiadores de sua indicação para a pasta das Comunicações, ao lado do colega Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Em fevereiro de 2021, a liderança do PDT passou a ser comandada pelo senador Cid Gomes (CE). Gaspar continuou empregado na mesma função.
A situação só mudou após o Estadão procurar o funcionário e buscar explicações sobre qual trabalho ele desempenhava. No último dia 2, Gaspar foi retirado oficialmente da liderança do PDT e transferido para a Segunda Secretaria do Senado, comandada desde fevereiro por Weverton.
“O exercício dele continuou aqui por falha mesmo. Deveria ter sido requisitado o exercício dele para o gabinete do senador Weverton. Não foi. Provavelmente, ele (Gaspar) está trabalhando na Segunda Secretaria, que é onde o senador Weverton está agora. Não deve estar nem no gabinete dele”, justificou o chefe de gabinete do PDT ao Estadão, admitindo não fazer ideia do paradeiro do funcionário. Ele não explicou como a “falha” só foi percebida dois anos depois, quando houve o questionamento da reportagem.
Pelos registros do Senado, Gaspar está dispensado de assinar o ponto. Nesses casos, a chefia imediata atesta que ele trabalha. Ou seja, mesmo sem dar expediente no local, a liderança do PDT abonava a frequência do funcionário.
Na Segunda Secretaria, onde agora está formalmente lotado, Gaspar também não foi localizado. O Estadão esteve no local, em horário de expediente, na última semana. Ele não estava lá e duas servidoras que receberam a reportagem não sabiam de quem se tratava.
Um outro servidor, ligado politicamente ao senador Weverton, tomou a frente da conversa e disse conhecer Gaspar. Tentou explicar às duas mulheres quem era a pessoa, mas elas continuaram sem saber. “É um de óculos, que fica ali no final”, disse o homem. Como resposta, teve o silêncio das funcionárias, que trabalham na entrada do gabinete e podem ver quem entra e sai.
Ao ser perguntado pelo Estadão se Gaspar está trabalhando na Segunda Secretaria, o servidor respondeu: “Ele está lotado aqui”. Não soube informar, porém, em quais dias e horários o funcionário comparece e permanece no local. “O Gustavo... Que dia ele ‘tá’ aqui normalmente?”, perguntou à colega, antes de ficar mais uma vez sem resposta.
Haras
No papel, Gustavo Gaspar é um dos sócios do Parque & Haras Luanna, onde Juscelino Filho cria cavalos da raça Quarto de Milha. O ministro é quem lidera o negócio, mas não aparece formalmente nos registros. A outra sócia é Luanna Rezende, irmã de Juscelino e prefeita de Vitorino Freire (MA), cidade controlada pela família e onde está localizado o haras. O Estadão telefonou para o empreendimento e quem atendeu não soube informar quem era Gustavo Gaspar. O funcionário pediu para a reportagem falar com o ministro das Comunicações para saber quem administra o haras.
Em 2007, Juscelino Filho vendeu 165 mil metros quadrados da área do haras para Gaspar por R$ 50 mil (R$ 124 mil atuais). Em 2018, o então deputado readquiriu o terreno por R$ 167 mil (R$ 215 mil).
Como mostrou o Estadão, o estabelecimento guarda parte dos mais de R$ 2 milhões em cavalos que pertencem ao ministro e não foram declarados à Justiça Eleitoral.
O jornal mostrou, ainda, que o ministro usou um voo da FAB e diárias do governo para ir a reuniões relacionadas a cavalos em São Paulo, inclusive leilões. Em um desses eventos, um cavalo de Juscelino foi apresentado para impulsionar a venda de uma égua, que teve os direitos de 50% sobre ela arrematados por R$ 1 milhão. Nenhum dos compromissos constava da agenda oficial de Juscelino. Após o Estadão revelar o caso, o ministro devolveu o dinheiro ao governo.
Equipe
Weverton Rocha afirmou que Gaspar atua na Segunda Secretaria. “Ele trabalha efetivamente comigo desde que fui líder do PDT no Senado. Assim como a maioria dos assessores, ele transita pelo Senado, não permanecendo necessariamente na sala”, disse. O senador não explicou, no entanto, por que a lotação oficial do funcionário é o gabinete da liderança do PDT.
Rocha minimizou o fato de outros servidores desconhecerem Gaspar. “Muitos funcionários eram da Quarta Secretaria; então, há quem não o conheça ainda. Como você mesmo citou, o funcionário que trabalha há mais tempo comigo no gabinete o conhece”, disse o senador. O desconhecido Gaspar, contudo, está na folha de pagamento do Senado desde 2019.
Questionado sobre quais garantias se tem de que Gaspar dá expediente como deveria, Rocha respondeu: “Posso lhe garantir que toda a minha equipe trabalha de fato, porque há muito o que fazer. Sou um senador atuante, tenho uma rotina bastante ativa e demando muito minha equipe”. Gaspar não foi localizado por telefone, nem respondeu aos questionamentos enviados por e-mail. O Senado e o ministro das Comunicações não se manifestaram.