Senadora em primeiro mandato e última candidata entre os maiores partidos do País a se apresentar para a disputa presidencial, Soraya Thronicke reconhece que foi escolhida para ajudar no cumprimento da cota de financiamento de candidaturas femininas, diz que não se arrepende de ter votado e apoiado o presidente Jair Bolsonaro no início de seu mandato, mas afirma que, se eleita, iria rever toda a legislação criada por ele em relação a armas.
Soraya, no entanto, não fecha a porta para uma reaproximação com o presidente. “Eu sou apegada aos princípios. Se ele errar hoje e assumir tudo, a gente volta a conversar, não tem problema. Eu sou fiel às pautas”, disse. Sobre o assédio do PT a seu partido, o União Brasil, a candidata trata como uma iniciativa natural: “Somos a noiva rica”. Acompanhe a entrevista exclusiva concedida por Soraya sob a observação atenta de seu vice, Marcos Cintra:
Até o dia 31 de julho o candidato do União Brasil era o deputado Luciano Bivar. Como a senhora virou candidata e de que forma a obrigatoriedade de os partidos destinarem 30% seu financiamento eleitoral a mulheres colaborou para essa escolha?
O partido iria anunciar meu nome como vice, então, eu já estava numa situação de ser uma sucessora natural. Naquele momento, Pernambuco pediu a presença do Bivar e eu estou no meio do mandato, o que considero ser uma posição confortável. E o fato de ser mulher também é importante para o partido, principalmente quando a gente precisa ter todo o cuidado para utilizar esse recurso destinado às mulheres.
Quando Bivar desistiu houve uma tentativa do PT e do ex-presidente Lula de ter o apoio do União Brasil. Isso a incomodou?
Mas nós éramos e somos a noiva rica. Não foi só Lula, não foi só o PT que conversou conosco, que se aproximou, foram todos os partidos. Acontece que o PT vazou isso, mas a conversa foi feita com todos, é natural. Mas como não quiseram a nossa proposta (de construir uma candidatura única), o União Brasil, que é o maior partido do Brasil, não poderia se omitir neste momento. Nós não somos fisiológicos e, por isso, decidimos disputar para dar uma opção ao para o povo brasileiro. Somos ficha limpa, estamos de cabeça erguida e, sim, ser mulher ajuda. Eu fico muito feliz, porque a gente está fazendo a legislação valer. Coibir candidaturas laranjas, essa é a minha missão principal.
Soraya Thronicke
Mas apesar de o União Brasil ter aprovado seu nome de forma unânime, há candidatos do partido que apoiam adversários da senhora na disputa. É o caso do candidato ao governo Gean Loureiro, de Santa Catarina, que apoia o presidente Jair Bolsonaro. O PL chegou a entrar na Justiça pedindo que ele não utilizasse as imagens do presidente na campanha. Como a senhora reage a isso?
Eu sou tratada, analisada, muito tranquila e não sou ciumenta. Nós respeitamos alguns acordos feitos antes mesmo de o Bivar se lançar, porém, não é um palanque único. Não tem palanque único para Bolsonaro, não. O palanque é duplo. Então, onde nós chegarmos, nas 27 unidades da Federação, nós teremos de ser recebidos. O palanque é compartilhado. Nós estamos sendo generosos e, acima de tudo, flexíveis.
Agora, essa proximidade com bolsonarismo ajuda ou atrapalha?
Olha, sinceramente, eu não estou nem prestando atenção nisso. Eu entendo que o Bolsonaro não transfere o número de votos que as pessoas pensam que ele transfere. Eu vejo muita rejeição do nome dele e o Brasil está em outro momento. Hoje, nossa candidatura é um alívio para quem não tem que decidir entre um lado.
É um alívio para os bolsonaristas arrependidos, como a senhora?
É, é saber que tem alguém com a coragem de dizer: Sim, eu acreditei. Você se arrepende? Não, eu acreditei, eu tive esperança. Eu tenho é decepção, muita decepção. Mas era um momento em que nós precisávamos de um novo nome para romper a era, a dinastia PT. Se ele (Bolsonaro) honrou ou não é outra história. Mas que nós conseguimos romper, conseguimos. E eu não sou apegada a um homem, que pode errar. Eu sou apegada aos princípios. Se ele errar hoje e assumir tudo, a gente volta a conversar. Não tem problema. Eu sou fiel às pautas.
Isso vale para um segundo turno?
Não. Nós é que vamos para o segundo turno. Se ele quiser (nos apoiar), a gente aceita, né, professor (Marcos Cintra, candidato a vice)?
A senhora foi eleita senadora depois de participar de atos anticorrupção, defender a Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro. Qual a sua relação atual com ele? Foi ele quem fez seu programa de governo na área da segurança e combate à corrupção, certo? E como vê a disputa que Moro trava hoje com seu padrinho político, Álvaro Dias (Podemos), no Paraná?
Ele colaborou sim no plano de governo. Vejo o Moro como uma pessoa de boas intenções, muito boas intenções, mas que para entrar no mundo político, de repente, não foi tão habilidoso assim, né? Aqui, no União Brasil, o jogo foi muito aberto. O que aconteceu no Podemos, o que acontece na vida privada do Moro, sinceramente, eu não converso com ele sobre isso. A gente tentou trazer o Podemos conosco, temos uma boa relação.
Candidata, uma reportagem recente do Estadão mostrou que a senhora recebeu emendas do chamado orçamento secreto. Foram mais de R$ 90 milhões. Não acha que apoiar o orçamento secreto não atrapalha o discurso de combate à corrupção?
Eu não apoio o orçamento secreto. Jamais apoiarei qualquer coisa que seja secreta e que não seja transparente. Eu presido a Frente Parlamentar da Transparência da Gestão dos Gastos Públicos. O orçamento secreto eu nunca recebi.
Mas a senhora indicou R$ 95,2 milhões.
Indiquei, de uma rubrica de uma emenda. Dentro da pizza orçamentária, nós temos inúmeras rubricas de emendas, certo? Emenda individual de execução obrigatória, emenda de bancada, emenda de comissão, emenda de relator, que é essa. A emenda de relator, que já existia, foi mal versada. Eu disse que a culpa não é da emenda, a culpa é do gestor, é de quem executa a emenda. Tem gente que faz cashback com emenda de comissão, por exemplo.
O que estamos tratando aqui é do mecanismo do orçamento secreto. A senhora pode ter dado publicidade a suas emendas, mas o mecanismo não permite isso, não tem qualquer tipo de transparência. E o volume de recursos envolvido aumentou de forma significativa, a ponto de o presidente não controlar mais o Orçamento.
Mas o meu não é secreto. Eu indico vários tipos de emenda e indiquei da RP-9, isso não tem problema nenhum. Eu jamais imaginei antes que alguns parlamentares fariam das suas indicações algo secreto. Jamais. Eu nunca imaginei.
O caso chegou ao Supremo, que ordenou a publicidade das emendas.
Sim, e eu fui a primeira senadora a enviar toda a lista à ministra Rosa Weber. Se alguém fez uma utilização errônea, criminosa, é problema desse alguém. Tudo que eu faço, eu dou transparência. Eu não posso levar culpa disso. Jamais poderia imaginar que não seria dado publicidade, essa inovação foi uma surpresa para mim. Agora, se eles fizeram uma malversação dessa rubrica, eu não farei isso como presidente. Mas o RP-9 existiu sempre como uma emenda de relator, como uma flexibilidade para o relator fazer ajustes necessários no orçamento, sem as amarras de um processo legislativo longo.
Soraya Thronicke
Se a senhora não for eleita presidente e continuar no senado, vai continuar se utilizando desse tipo de emenda?
Eu me utilizarei de todas as maneiras que eu tiver ao meu alcance.
Então a resposta é sim?
Não, espera aí, cuidado. Eu me utilizarei de tudo o que eu puder levar para o Mato Grosso do Sul e eu cumprirei a minha obrigação. Eu darei transparência e publicidade. Eu, Soraya, dou. Se o outro senador está recebendo R$ 20 milhões, R$ 30 milhões, e eu não sei, o que que eu tenho a ver com isso? Nada. Eu sou contra o orçamento secreto, eu sou contra a falta de transparência em absolutamente tudo. Ponto. Comigo não é assim, o meu orçamento, aquilo que eu indico, não é secreto.
A senhora tem dito que é a favor do armamento em área rural, de fronteira. Se eleita, iria manter a atual legislação relacionada à compra e porte de armas ou mudar alguma coisa na política de Jair Bolsonaro em relação a isso?
A gente tem de fazer uma revisão nisso, sim, com responsabilidade. Tenho um projeto de lei que visa permitir armas não letais para defesa pessoal e outro que obriga cidades acima de 50 mil habitantes a oferecer curso de defesa pessoal, especialmente para mulheres. Sabe aquela procuradora que foi agredida por um colega em um município de São Paulo? Ela não teria apanhado tanto e sofrido tanto se ela soubesse, no mínimo, um ou outro golpe. Foi o que disse uma faixa marrom de jiu-jitsu lá do meu gabinete, tá? Agora, quando eu entrei com esse projeto para liberar spray de pimenta, jato de espuma, armas de eletrochoque, por exemplo, os armamentistas me criticaram de uma forma muito severa. Para eles, arma é só para matar.
No seu plano de governo a senhora não especifica o que faria com o Auxílio Brasil a partir de 2023. Iria manter o benefício e o valor atual, de R$ 600?
A situação do Brasil não vai mudar no primeiro dia de 2023, não tem varinha mágica. É um compromisso nosso, que somos oriundos do Partido Social Liberal, entender que o cidadão brasileiro deve estar no centro das atenções. Muita gente diz que o liberalismo não tem nada a ver com a parte social, mas tem tudo a ver. Não temos como negar que a situação de fome, miséria e desemprego é muito grande, então a gente continua sim com o auxílio. Eu já assumi esse compromisso, depois os economistas vão se virar para apertar os cintos (diz, em referência a seu vice, Marcos Cintra).
Cintra será seu Paulo Guedes, é isso? Economia é com ele?
Esse homem (Cintra) é brilhante. Ele vai ser o que ele quiser dentro do governo, com carta branca. É uma pessoa brilhante, um estudioso, alguém que tem, acima de tudo, caráter e competência para ajudar e para tocar.
Sua proposta principal, desenvolvida por Marcos Cintra, aliás, é o imposto único. Serão 11 impostos substituídos por um apenas, certo? Pode dizer quais são eles e como funcionaria?
Temos aí contribuições e tudo mais. Pega a lista ali (diz a assessores). São 11 tributos que nós substituiremos por um imposto só. Ali tem as contribuições, inclusive previdenciárias, Cofins, Cide, tá tudo ali dentro. A primeira ideia do professor, lá atrás, era criar um imposto universal, que abrangeria tributos estaduais e federais, mas iremos dar um passo de cada vez. Primeiro, a ideia é resolver a questão federal. Excluindo o Imposto de Renda e impostos de exportação e importação, substituiremos os demais por um imposto com alíquota de 1.26% sobre transações financeiras.
Qual será o efeito prático para a população?
Não haverá aumento de arrecadação nem mudanças em relação às transferências que Estados e municípios têm da União. O que diferencia é que a base arrecadatória será maior. Hoje, a carga tributária federal recai sobre os ombros de 70% da população. Os outros 30% sonegam ou estão na informalidade. Quando a gente põe essa cobrança automática pelo depósito e o saque - pagamento e recebimento - a gente consegue aumentar a base arrecadatória com 100% da população, podendo assim desonerar trabalhadores e patrões da contribuição previdenciária, por exemplo. Além disso, quem ganha até cinco salários mínimos vai ficar isento de imposto de renda. Isso dá cerca de 70% da população. Seria uma revolução.
Acredita que essa mudança pode ajudar na geração de empregos?
Sim, porque a carga tributária patronal vai cair. Mas nós temos outra proposta: fazer uma espécie de compensação com empresas que estão na dívida ativa da União. Elas terão seus tributos federais compensados com a geração de novos postos de trabalho. Em vez de entrar no Refis (sistema de financiamento de dívidas), poderá pagar gerando empregos.
Em 2019, em entrevista ao Estadão, a senhora disse que o extremismo bolsonarista prejudicou políticos de direita no Brasil. Mudou alguma coisa no que a senhora pensa a esse respeito? A sua candidatura é uma candidatura de direita ou a senhora caminha hoje para o centro?
Nós estamos vivendo um momento de dificuldades em relação à definição de conceitos no Brasil. Quem geralmente é de esquerda não é liberal na economia e quem é de direita seria mais seria liberal na economia. Aí, chega o Bolsonaro, que se diz de direita, e não é liberal na economia. Ele apenas carregou um crachá, não fez nada de diferente. Mas eu carreguei genuinamente essa bandeira da economia liberal. Então, essa questão conceitual está muito difícil. Eu entendo que o Estado tem de ser o necessário, defendo propostas de privatização, mas não somos extremistas em nada. Mas, se ser liberal é ser de direita, de centro-direita, então eu sou.
Soraya Thronicke
Como a senhora pretende reduzir o déficit de aprendizado proporcionado pela pandemia de covid-19?
Antes da pandemia nós tínhamos 90 mil crianças fora da escola; depois, são 240 mil. Em primeiro lugar, temos de resolver isso. Neste ponto, acho que a iniciativa privada pode ajudar.
Mas a questão não é de falta de vagas, necessariamente. Muitos jovens que estavam matriculados não voltaram para o Ensino Médio, por exemplo. Ou estão defasados em relação aos conhecimentos que deveriam já ter adquirido.
Para tratar da defasagem temos, em primeiro lugar, que devolver as crianças para as escolas e reestruturá-las. Tem escola que nem banheiro ou água tem. Podemos também usar a EBC (TV Brasil), que é a nossa televisão. Muita gente fala de conectividade. Tá bom, mas daí essa criança ganha um tablet e quando chega na favela vão tirar aquilo da mão dela para vender ou lá não tem internet. Qual é o meio de comunicação que chega em todas as casas brasileiras? A televisão aberta e o rádio. Não precisa inventar a roda. Lembra do Telecurso? Teríamos de ter programas que levassem informações e cultura alinhadas à política do MEC. Depois de assistir, todos teriam de fazer uma prova. Sabe que o presidente de Portugal foi para a televisão dar aulas na pandemia? Eu poderia dar aulas de inglês, o professor Cintra de graduação. Poderíamos ainda contratar aulas-show, que conseguissem atrair o aluno.
A senhora se saiu muito bem no debate da Band ao falar de temas femininos. O que defende para as mulheres alcançarem mais espaço em cargos de poder, por exemplo?
Sou absolutamente a favor da equiparação salarial e da paridade em cargos de chefia e indicações, por exemplo. Tenho um projeto a respeito. Sabe que na OAB somos maioria, mas ocupamos apenas 10% dos cargos de desembargadoras, promotoras. Também votei a favor da reserva de cadeiras no Legislativo, começando com 30%, mas o projeto parou na Câmara. Em 2018, meu Estado, o Mato Grosso do Sul, não elegeu nenhuma mulher para as 24 cadeiras para a Assembleia Legislativa. É um absurdo.
A senhora é liberal nos costumes como é na economia? É a favor do aborto?
Falei já em uma entrevista que sou uma liberal customizada à la brasileira. A legislação já permite que se faça aborto nos casos de estupro, feto anencefálico e risco de morte da mãe. São três exceções na legislação que já abrangem toda uma possibilidade de a pessoa até seguir direto sem burocracia. Eu acho que precisamos é investir na prevenção.