As reuniões de Luciane Barbosa Farias, esposa de um dos líderes do Comando Vermelho (CV) no Amazonas, com membros do Ministério da Justiça de Flávio Dino repercutiram entre políticos e autoridades desde esta segunda-feira, 13. Ela é casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, líder do tráfico de drogas no Estado. Por causa da prisão do marido, Luciane é apontada pelo Ministério Público como sucessora dos negócios dele. Ela recorre em liberdade de uma condenação criminal de dez anos.
O Estadão revelou que houve pelo menos dois encontros de Luciane no Ministério da Justiça. No dia 19 de março, Luciane esteve com Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos. Depois, no dia 2 de maio, ela esteve com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). As agendas foram marcadas pela Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA) – ONG representada por Luciane e que atua na defesa dos direitos das pessoas presas. Segundo a polícia amazonense, a organização é financiada pelo tráfico.
Neste ano, Luciane esteve também nos corredores do Congresso Nacional, no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), locais em que pôde transitar sem empecilhos.
Da parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não houve qualquer manifestação. No Ministério da Justiça, Dino foi blindado. Ele próprio disse que nunca recebeu qualquer membro de facção criminosa e que não tinha conhecimento das visitas feitas por Luciane.
“Nunca recebi, em audiência no Ministério da Justiça, líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho”, escreveu Flávio Dino no X (antigo Twitter). “De modo absurdo, simplesmente inventam a minha presença em uma audiência que não se realizou em meu gabinete.” Além de pedir que as pessoas leiam a “história verdadeira” nas redes do secretário Elias Vaz, o ministro disse que a sua associação ao episódio é “vil politicagem”.
Vaz confirmou a reunião de março, que foi realizada, segundo ele, a pedido da ex-deputada estadual e advogada Janira Rocha (PSOL-RJ). Ele diz que não sabia da presença de Luciane e nem do histórico dela. Até o momento, Brandani não se manifestou.
O caso se tornou o assunto mais comentado nas redes sociais do País nesta segunda. Por volta das 13h, os termos “Comando Vermelho”, “Ministério da Justiça” e “Flávio Dino” apareciam em quase 160 mil publicações. A hashtag (símbolo #, usado para reunir postagens que tratam de um mesmo assunto) “ForaDino” tem 77,1 mil menções nesta terça-feira, 14.
Veja a seguir as principais repercussões do episódio:
Parlamentares pedem demissão de Flávio Dino
Os deputados federais Amom Mandel (Cidadania-AM), Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Paulo Bilynskyj (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentaram pedidos para que o ministro Flávio Dino seja convocado a depor no Congresso e seja demitido da pasta. Eles ingressaram com medidas separadas, que vão desde queixa-crime a pedido de investigação do ministro pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Bolsonaro compartilhou notícia do ‘Estadão’
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) compartilhou uma notícia do Estadão que mostra recibos de pagamentos que a advogada e ex-deputada estadual Janira Rocha recebeu da ONG de Luciane, a Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA). As provas contrariam a versão do Ministério da Justiça de que não era possível saber que Rocha é ligada ao grupo amazonense: os recibos de pagamentos foram apreendidos pela Polícia Civil.
“Culpem o Bozo (Jair Bolsonaro) que o sistema faz a parte dele!”, ironizou o ex-presidente no X (antigo Twitter), nesta terça-feira, 14.
Gilmar Mendes disse que o crime organizado ‘encontrou meios de se situar’
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, evitou comentar especificamente o caso, mas disse nesta segunda que o crime organizado “encontrou meios e formas de se situar na sociedade brasileira”.
“Não tenho dados para emitir juízo sobre isso (encontro no Ministério da Justiça). Temos que nos preocupar com a questão do crime organizado como tal. De alguma forma, ele encontrou meios e formas de se situar na sociedade brasileira. Tem se falado muito, por exemplo, da mistura que há entre o crime organizado e a política”, afirmou o ministro durante evento jurídico do Estadão em parceria com a Mackenzie, em São Paulo.
Moro apontou ‘vulnerabilidade’ e comparou gestão de Dino à sua
O ex-juiz federal que liderou a força-tarefa da operação Lava Jato, senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), disse que o episódio “gera preocupação” e “não é usual”. “O Ministério da Justiça do governo do PT acaba ficando vulnerável a esse tipo de visitação, pois há uma expectativa de que os pleitos sejam atendidos. Isso é bastante ruim, por isso é importante que as pautas das reuniões sejam reveladas e se foi realizado algo de concreto a partir dos encontros”, disse o parlamentar ao Estadão.
Nas redes sociais, ele ironizou o caso e comparou a gestão de Dino à sua. “Na minha época do Ministério da Justiça, até recebíamos criminosos em Brasília, mas eles iam direto para o presídio federal.”