STF dá fôlego curto a Lula e não anula desejo de autonomia do Congresso; leia análise


Decisão do STF sobre orçamento secreto traz três significados importantes com diferentes consequências para o governo federal

Por José Álvaro Moisés
Atualização:

A decisão do STF declarando inconstitucional a emenda de relator, chamada orçamento secreto, tem pelo menos três significados importantes com diferentes consequências para o governo que está chegando ao poder.

O primeiro, essencial para a qualidade da democracia, se refere ao que a literatura da ciência política designa como accountability social, um mecanismo de fiscalização e controle de funcionamento dos regimes democráticos e republicanos que está além das instituições.

Nesse caso, não se trata apenas do controle de ações do Legislativo pelo Poder Judiciário, algo muito importante, mas do fato de que o abuso que desde 2020 vinha sendo perpetrado pelo Congresso Nacional, com anuência do presidente da República, foi denunciado pelo Estadão, um órgão da sociedade civil, mostrando a quebra dos princípios de legalidade, moralidade, transparência, impessoalidade, publicidade e eficiência.

continua após a publicidade
O plenário do STF durante a sessão de encerramento do Ano Judiciário de 2022 na segunda-feira, 19, quando decidiu sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A denúncia sinalizou como a mídia é fundamental na democracia, e mostrou como é inapropriada qualquer tentativa de controle dos meios de comunicação, às vezes defendida pelo PT.

O segundo deriva da mudança de humor do deputado Arthur Lira, que sinalizara ao presidente eleito, Lula da Silva, a possibilidade de apoio à PEC da Transição se apoio tiver à sua reeleição para a presidência da Câmara. Lira estranhou a mudança repentina de posição de Ricardo Lewandowski sobre o orçamento secreto e respondeu com a sua mudança repentina quanto à votação da PEC de interesse do novo governo, confirmando a natureza da relação que o Centrão mantém com qualquer governo.

continua após a publicidade

Coalizão, alheia ao programa de governo, ocorre se houver a captura de espaços de poder, e a questão é se isso compromete os objetivos de governo. O presidente tem de se haver com isso e decidir até onde quer ir.

O terceiro significado é menos prosaico. A emenda de relator, embora por linhas tortas, é parte de um movimento do Legislativo de conquistar poder de decisão sobre o orçamento no contexto do chamado presidencialismo de coalizão. Os parlamentares não querem apenas autorizar o Executivo a agir, querem influir nos rumos do gasto público. Tivesse transparência e critérios públicos de decisão, a iniciativa poderia melhorar a qualidade da democracia, com maior equilíbrio entre as funções do presidente e dos parlamentares quanto aos gastos públicos. Tudo começou com o chamado orçamento impositivo, mas ganhou um rumo antirepublicano nos últimos anos sob Bolsonaro. O STF tentou corrigir o movimento, deu algum fôlego a Lula, mas ele não vai amortecer nos próximos anos, vai ter novos desdobramentos.

continua após a publicidade

José Álvaro Moisés é cientista político e professor da USP

A decisão do STF declarando inconstitucional a emenda de relator, chamada orçamento secreto, tem pelo menos três significados importantes com diferentes consequências para o governo que está chegando ao poder.

O primeiro, essencial para a qualidade da democracia, se refere ao que a literatura da ciência política designa como accountability social, um mecanismo de fiscalização e controle de funcionamento dos regimes democráticos e republicanos que está além das instituições.

Nesse caso, não se trata apenas do controle de ações do Legislativo pelo Poder Judiciário, algo muito importante, mas do fato de que o abuso que desde 2020 vinha sendo perpetrado pelo Congresso Nacional, com anuência do presidente da República, foi denunciado pelo Estadão, um órgão da sociedade civil, mostrando a quebra dos princípios de legalidade, moralidade, transparência, impessoalidade, publicidade e eficiência.

O plenário do STF durante a sessão de encerramento do Ano Judiciário de 2022 na segunda-feira, 19, quando decidiu sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A denúncia sinalizou como a mídia é fundamental na democracia, e mostrou como é inapropriada qualquer tentativa de controle dos meios de comunicação, às vezes defendida pelo PT.

O segundo deriva da mudança de humor do deputado Arthur Lira, que sinalizara ao presidente eleito, Lula da Silva, a possibilidade de apoio à PEC da Transição se apoio tiver à sua reeleição para a presidência da Câmara. Lira estranhou a mudança repentina de posição de Ricardo Lewandowski sobre o orçamento secreto e respondeu com a sua mudança repentina quanto à votação da PEC de interesse do novo governo, confirmando a natureza da relação que o Centrão mantém com qualquer governo.

Coalizão, alheia ao programa de governo, ocorre se houver a captura de espaços de poder, e a questão é se isso compromete os objetivos de governo. O presidente tem de se haver com isso e decidir até onde quer ir.

O terceiro significado é menos prosaico. A emenda de relator, embora por linhas tortas, é parte de um movimento do Legislativo de conquistar poder de decisão sobre o orçamento no contexto do chamado presidencialismo de coalizão. Os parlamentares não querem apenas autorizar o Executivo a agir, querem influir nos rumos do gasto público. Tivesse transparência e critérios públicos de decisão, a iniciativa poderia melhorar a qualidade da democracia, com maior equilíbrio entre as funções do presidente e dos parlamentares quanto aos gastos públicos. Tudo começou com o chamado orçamento impositivo, mas ganhou um rumo antirepublicano nos últimos anos sob Bolsonaro. O STF tentou corrigir o movimento, deu algum fôlego a Lula, mas ele não vai amortecer nos próximos anos, vai ter novos desdobramentos.

José Álvaro Moisés é cientista político e professor da USP

A decisão do STF declarando inconstitucional a emenda de relator, chamada orçamento secreto, tem pelo menos três significados importantes com diferentes consequências para o governo que está chegando ao poder.

O primeiro, essencial para a qualidade da democracia, se refere ao que a literatura da ciência política designa como accountability social, um mecanismo de fiscalização e controle de funcionamento dos regimes democráticos e republicanos que está além das instituições.

Nesse caso, não se trata apenas do controle de ações do Legislativo pelo Poder Judiciário, algo muito importante, mas do fato de que o abuso que desde 2020 vinha sendo perpetrado pelo Congresso Nacional, com anuência do presidente da República, foi denunciado pelo Estadão, um órgão da sociedade civil, mostrando a quebra dos princípios de legalidade, moralidade, transparência, impessoalidade, publicidade e eficiência.

O plenário do STF durante a sessão de encerramento do Ano Judiciário de 2022 na segunda-feira, 19, quando decidiu sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A denúncia sinalizou como a mídia é fundamental na democracia, e mostrou como é inapropriada qualquer tentativa de controle dos meios de comunicação, às vezes defendida pelo PT.

O segundo deriva da mudança de humor do deputado Arthur Lira, que sinalizara ao presidente eleito, Lula da Silva, a possibilidade de apoio à PEC da Transição se apoio tiver à sua reeleição para a presidência da Câmara. Lira estranhou a mudança repentina de posição de Ricardo Lewandowski sobre o orçamento secreto e respondeu com a sua mudança repentina quanto à votação da PEC de interesse do novo governo, confirmando a natureza da relação que o Centrão mantém com qualquer governo.

Coalizão, alheia ao programa de governo, ocorre se houver a captura de espaços de poder, e a questão é se isso compromete os objetivos de governo. O presidente tem de se haver com isso e decidir até onde quer ir.

O terceiro significado é menos prosaico. A emenda de relator, embora por linhas tortas, é parte de um movimento do Legislativo de conquistar poder de decisão sobre o orçamento no contexto do chamado presidencialismo de coalizão. Os parlamentares não querem apenas autorizar o Executivo a agir, querem influir nos rumos do gasto público. Tivesse transparência e critérios públicos de decisão, a iniciativa poderia melhorar a qualidade da democracia, com maior equilíbrio entre as funções do presidente e dos parlamentares quanto aos gastos públicos. Tudo começou com o chamado orçamento impositivo, mas ganhou um rumo antirepublicano nos últimos anos sob Bolsonaro. O STF tentou corrigir o movimento, deu algum fôlego a Lula, mas ele não vai amortecer nos próximos anos, vai ter novos desdobramentos.

José Álvaro Moisés é cientista político e professor da USP

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.