BRASÍLIA – Acusado de ativismo judicial pelo Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) entrou em cena para “socorrer” o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O movimento ocorreu, nos bastidores, quando o ministro do STF Dias Toffoli encaminhou para julgamento, até junho, a ação que prevê punição das plataformas pela circulação de conteúdos falsos e discursos de ódio.
A decisão de Toffoli foi anunciada na terça-feira, 9, no mesmo dia em que Lira engavetou o projeto de lei sobre regulação das redes sociais, batizado de PL das Fake News, e houve até quem a interpretasse como um novo confronto à vista.
Ao menos por enquanto, porém, a estratégia tem lances que interessam às duas partes. Além de ser deflagrada quando o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), desafia o ministro do STF Alexandre de Moraes, evita que Lira seja associado a uma nova derrota em plenário.
No fim de seu mandato, o presidente da Câmara tem demonstrado irritação com comentários de que vem perdendo força nas articulações políticas. Nesta quinta-feira, 11, por exemplo, chamou de “incompetente” o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem culpou por rumores de que interferiu para soltar o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ).
Com influência no Rio, mas do baixo clero em Brasília, Brazão foi acusado pela Polícia Federal de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. A Câmara decidiu, na quarta-feira, 10, manter a prisão de Brazão por um placar de 277 votos a favor, 129 contra e 28 abstenções.
Foi uma derrota para os bolsonaristas, que, apesar de publicarem várias mensagens nas redes sociais, não conseguiram emplacar a tese de que aquela votação representaria um recado a Alexandre de Moraes.
Lira precisa, porém, do apoio de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro – contrários ao PL das Fake News – para eleger o seu sucessor ao comando da Câmara, em fevereiro de 2025. O nome preferido por ele é o de Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil, mas a campanha enfrenta dificuldades.
Diante desse cenário e sem os votos necessários para aprovar o PL das Fake News, como desejava o governo Lula, Lira não quis comprar a briga para não ser vinculado a um fracasso em plenário.
“Esse projeto ganhou uma narrativa falsa de defesa da censura. Quando isso acontece, simplesmente não tem apoio”, disse ele ao Estadão. Além disso, surgiu outro problema: a proposta passou pelo crivo do Senado, hoje em rota de colisão com Lira, sofreu mudanças na Câmara e ficou carimbada como sendo de esquerda.
Presidente da Câmara afirma que ‘grupo de trabalho resolve’
Questionado se a estratégia de barrar a tramitação do projeto e constituir grupo de trabalho para refazer o texto não significava deixar o STF legislar – uma contradição, na prática, já que o Congresso critica o ativismo judicial –, o presidente da Câmara defendeu a Corte.
“O ministro Toffoli, assim como os outros magistrados, decidem sobre matérias que estão postas lá. Há muito tempo pedimos a regulação do artigo 19 e não é por causa da polêmica atual que eles vão mudar ou não de posicionamento”, argumentou Lira. Mas e se houver uma surpresa? “O grupo de trabalho resolve”, respondeu ele.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet, sob análise do STF, isenta as plataformas digitais de responsabilidade por danos causados por conteúdo de terceiros e tem sido usado pelas big techs como justificativa para não remover postagens nocivas e ilegais. Atualmente, as empresas são passíveis de multa e indenizações apenas quando descumprem decisões judiciais sobre o assunto.
A tendência é que o julgamento do STF aperte o cerco e decida agora pela punição das plataformas, como prevê o PL das Fake News, por divulgação de conteúdos falsos ou que incitem crimes.
A análise do assunto ocorre justamente no momento em que Elon Musk ameaça descumprir as leis do Brasil e liberar contas bloqueadas pelo STF. Chamado de “ditador brutal” por Musk, o ministro Alexandre de Moraes determinou a abertura de inquérito para apurar a conduta do dono do X por obstrução de Justiça, “inclusive em organização criminosa e em incitação ao crime”.
O julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet estava previsto para o ano passado, mas acabou adiado por solicitação do próprio Lira. Foi ele quem pediu que a Corte aguardasse a votação do PL das Fake News, agora enterrado.
Lira não pode e nem tem interesse em enfrentar o STF. O presidente da Câmara é devedor da Corte, principalmente do ministro Gilmar Mendes, que barrou investigações contra ele sobre desvios de recursos públicos em contratos de kit de robótica para escolas de Alagoas.
Ao mesmo tempo, como precisa do apoio de bolsonaristas para fazer seu sucessor, Lira tenta ganhar tempo na polêmica referente às redes sociais.