STF vira ‘balcão de reclamações’ contra decisões da Justiça do Trabalho e 54% das ações são da área


Ações reclamam de desobediência à reforma trabalhista; Anamatra diz que número elevado de casos no STF se deve ao alargamento dos critérios de aplicação desse tipo de ação pelos ministros

Por Weslley Galzo e Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA – Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.

De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.

continua após a publicidade

Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.

Fachada do Tribunal Superior do Trabalho Foto: Divulgação/CNJ

“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.

continua após a publicidade

As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, criticou decisões da Justiça trabalhista Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, tem contribuído para a explosão de reclamações no STF.

continua após a publicidade

“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, disse.

O CEO do Bradesco e presidente do conselho diretor da Febraban, Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, comentou. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no Bradesco. “O cível é outro grande desafio”, disse. “A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”

O Estadão procurou o TST, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

continua após a publicidade

O que mudou com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovada na esteira do mesmo debate, também em 2017, trouxeram várias mudanças na legislação. Algumas foram posteriormente derrubadas pelo STF, mas muitas foram validadas. É o caso, por exemplo, da regra que determina a possibilidade de acordo direto entre empregador e trabalhador para adoção da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O texto da reforma definiu que acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, e passou a prever a possibilidade de trabalho intermitente, em que o trabalhador pode ser pago por período trabalhado. Também o trabalho remoto passou a ser contemplado pelas regras aprovadas em 2017.

continua após a publicidade

No caso da terceirização, a reforma prevê a possibilidade, mas com o terceirizado tendo as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. O principal ponto de discórdia no Judiciário se dá justamente em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de “pejotização” nas empresas (transformação de colaboradores em pessoas jurídicas).

Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir essas modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs. A Corte definiu, em 2020, que a terceirização de trabalho temporário da atividade-fim das empresas é constitucional. A decisão foi tomada no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que partidos, confederações de trabalhadores e a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionavam a Lei da Terceirização. A Corte ainda decide a abrangência da decisão em recursos que tramitam atualmente.

‘Pejotização fraudulenta’, argumenta presidente da Anamatra

continua após a publicidade

Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado. “É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou.

“Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas sim de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra em nota ao Estadão.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, considera que a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado os precedentes do próprio STF.

“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”

O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo, concorda os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tem sempre beneficiado os trabalhadores em detrimento dos empregadores.

“Os trabalhadores, em sentido categórico, de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o direito dá garantias e direitos. A grande questão envolvida nisso é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas”, completou.

Ministro do TST, Ives Gandra Filho diz que Corte tem sido refratária a decisões do STF

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou ao Estadão que as reclamações trabalhistas chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a 2ª instância. O magistrado aponta que o Tribunal Superior do Trabalho “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.

Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Portanto, não precisariam seguir decisões da Corte máxima.

O ministro afirma que essa ferramenta da distinção deveria ser usada em casos restritos. No entanto, registra o ministro, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e no privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção dos casos.

“Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca”, apontou.

Martins Filho registrou que também vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. O ministro afirmou que “o próprio pleno do Tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma”.

“Essas súmulas muitas vezes acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse. “Há turmas do Tribunal que acham que a reforma só se aplica a contratos novos. O próprio Supremo já sinalizou que não.”

BRASÍLIA – Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.

De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.

Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.

Fachada do Tribunal Superior do Trabalho Foto: Divulgação/CNJ

“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.

As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, criticou decisões da Justiça trabalhista Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, tem contribuído para a explosão de reclamações no STF.

“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, disse.

O CEO do Bradesco e presidente do conselho diretor da Febraban, Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, comentou. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no Bradesco. “O cível é outro grande desafio”, disse. “A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”

O Estadão procurou o TST, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O que mudou com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovada na esteira do mesmo debate, também em 2017, trouxeram várias mudanças na legislação. Algumas foram posteriormente derrubadas pelo STF, mas muitas foram validadas. É o caso, por exemplo, da regra que determina a possibilidade de acordo direto entre empregador e trabalhador para adoção da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O texto da reforma definiu que acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, e passou a prever a possibilidade de trabalho intermitente, em que o trabalhador pode ser pago por período trabalhado. Também o trabalho remoto passou a ser contemplado pelas regras aprovadas em 2017.

No caso da terceirização, a reforma prevê a possibilidade, mas com o terceirizado tendo as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. O principal ponto de discórdia no Judiciário se dá justamente em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de “pejotização” nas empresas (transformação de colaboradores em pessoas jurídicas).

Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir essas modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs. A Corte definiu, em 2020, que a terceirização de trabalho temporário da atividade-fim das empresas é constitucional. A decisão foi tomada no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que partidos, confederações de trabalhadores e a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionavam a Lei da Terceirização. A Corte ainda decide a abrangência da decisão em recursos que tramitam atualmente.

‘Pejotização fraudulenta’, argumenta presidente da Anamatra

Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado. “É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou.

“Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas sim de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra em nota ao Estadão.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, considera que a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado os precedentes do próprio STF.

“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”

O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo, concorda os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tem sempre beneficiado os trabalhadores em detrimento dos empregadores.

“Os trabalhadores, em sentido categórico, de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o direito dá garantias e direitos. A grande questão envolvida nisso é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas”, completou.

Ministro do TST, Ives Gandra Filho diz que Corte tem sido refratária a decisões do STF

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou ao Estadão que as reclamações trabalhistas chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a 2ª instância. O magistrado aponta que o Tribunal Superior do Trabalho “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.

Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Portanto, não precisariam seguir decisões da Corte máxima.

O ministro afirma que essa ferramenta da distinção deveria ser usada em casos restritos. No entanto, registra o ministro, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e no privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção dos casos.

“Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca”, apontou.

Martins Filho registrou que também vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. O ministro afirmou que “o próprio pleno do Tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma”.

“Essas súmulas muitas vezes acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse. “Há turmas do Tribunal que acham que a reforma só se aplica a contratos novos. O próprio Supremo já sinalizou que não.”

BRASÍLIA – Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.

De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.

Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.

Fachada do Tribunal Superior do Trabalho Foto: Divulgação/CNJ

“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.

As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, criticou decisões da Justiça trabalhista Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, tem contribuído para a explosão de reclamações no STF.

“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, disse.

O CEO do Bradesco e presidente do conselho diretor da Febraban, Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, comentou. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no Bradesco. “O cível é outro grande desafio”, disse. “A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”

O Estadão procurou o TST, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O que mudou com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovada na esteira do mesmo debate, também em 2017, trouxeram várias mudanças na legislação. Algumas foram posteriormente derrubadas pelo STF, mas muitas foram validadas. É o caso, por exemplo, da regra que determina a possibilidade de acordo direto entre empregador e trabalhador para adoção da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O texto da reforma definiu que acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, e passou a prever a possibilidade de trabalho intermitente, em que o trabalhador pode ser pago por período trabalhado. Também o trabalho remoto passou a ser contemplado pelas regras aprovadas em 2017.

No caso da terceirização, a reforma prevê a possibilidade, mas com o terceirizado tendo as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. O principal ponto de discórdia no Judiciário se dá justamente em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de “pejotização” nas empresas (transformação de colaboradores em pessoas jurídicas).

Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir essas modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs. A Corte definiu, em 2020, que a terceirização de trabalho temporário da atividade-fim das empresas é constitucional. A decisão foi tomada no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que partidos, confederações de trabalhadores e a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionavam a Lei da Terceirização. A Corte ainda decide a abrangência da decisão em recursos que tramitam atualmente.

‘Pejotização fraudulenta’, argumenta presidente da Anamatra

Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado. “É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou.

“Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas sim de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra em nota ao Estadão.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, considera que a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado os precedentes do próprio STF.

“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”

O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo, concorda os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tem sempre beneficiado os trabalhadores em detrimento dos empregadores.

“Os trabalhadores, em sentido categórico, de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o direito dá garantias e direitos. A grande questão envolvida nisso é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas”, completou.

Ministro do TST, Ives Gandra Filho diz que Corte tem sido refratária a decisões do STF

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou ao Estadão que as reclamações trabalhistas chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a 2ª instância. O magistrado aponta que o Tribunal Superior do Trabalho “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.

Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Portanto, não precisariam seguir decisões da Corte máxima.

O ministro afirma que essa ferramenta da distinção deveria ser usada em casos restritos. No entanto, registra o ministro, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e no privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção dos casos.

“Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca”, apontou.

Martins Filho registrou que também vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. O ministro afirmou que “o próprio pleno do Tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma”.

“Essas súmulas muitas vezes acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse. “Há turmas do Tribunal que acham que a reforma só se aplica a contratos novos. O próprio Supremo já sinalizou que não.”

BRASÍLIA – Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.

De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.

Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.

Fachada do Tribunal Superior do Trabalho Foto: Divulgação/CNJ

“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.

As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, criticou decisões da Justiça trabalhista Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, tem contribuído para a explosão de reclamações no STF.

“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, disse.

O CEO do Bradesco e presidente do conselho diretor da Febraban, Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, comentou. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no Bradesco. “O cível é outro grande desafio”, disse. “A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”

O Estadão procurou o TST, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O que mudou com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovada na esteira do mesmo debate, também em 2017, trouxeram várias mudanças na legislação. Algumas foram posteriormente derrubadas pelo STF, mas muitas foram validadas. É o caso, por exemplo, da regra que determina a possibilidade de acordo direto entre empregador e trabalhador para adoção da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O texto da reforma definiu que acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, e passou a prever a possibilidade de trabalho intermitente, em que o trabalhador pode ser pago por período trabalhado. Também o trabalho remoto passou a ser contemplado pelas regras aprovadas em 2017.

No caso da terceirização, a reforma prevê a possibilidade, mas com o terceirizado tendo as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. O principal ponto de discórdia no Judiciário se dá justamente em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de “pejotização” nas empresas (transformação de colaboradores em pessoas jurídicas).

Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir essas modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs. A Corte definiu, em 2020, que a terceirização de trabalho temporário da atividade-fim das empresas é constitucional. A decisão foi tomada no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que partidos, confederações de trabalhadores e a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionavam a Lei da Terceirização. A Corte ainda decide a abrangência da decisão em recursos que tramitam atualmente.

‘Pejotização fraudulenta’, argumenta presidente da Anamatra

Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado. “É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou.

“Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas sim de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra em nota ao Estadão.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, considera que a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado os precedentes do próprio STF.

“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”

O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo, concorda os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tem sempre beneficiado os trabalhadores em detrimento dos empregadores.

“Os trabalhadores, em sentido categórico, de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o direito dá garantias e direitos. A grande questão envolvida nisso é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas”, completou.

Ministro do TST, Ives Gandra Filho diz que Corte tem sido refratária a decisões do STF

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou ao Estadão que as reclamações trabalhistas chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a 2ª instância. O magistrado aponta que o Tribunal Superior do Trabalho “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.

Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Portanto, não precisariam seguir decisões da Corte máxima.

O ministro afirma que essa ferramenta da distinção deveria ser usada em casos restritos. No entanto, registra o ministro, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e no privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção dos casos.

“Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca”, apontou.

Martins Filho registrou que também vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. O ministro afirmou que “o próprio pleno do Tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma”.

“Essas súmulas muitas vezes acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse. “Há turmas do Tribunal que acham que a reforma só se aplica a contratos novos. O próprio Supremo já sinalizou que não.”

BRASÍLIA – Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recurso para tentar impor limites ou mesmo corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria desviando-se do cumprimento da reforma trabalhista.

De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Dessas, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do TST no STF somavam 41%.

Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre as interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.

Fachada do Tribunal Superior do Trabalho Foto: Divulgação/CNJ

“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.

As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, criticou decisões da Justiça trabalhista Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva avalia que parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, tem contribuído para a explosão de reclamações no STF.

“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, disse.

O CEO do Bradesco e presidente do conselho diretor da Febraban, Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, comentou. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no Bradesco. “O cível é outro grande desafio”, disse. “A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”

O Estadão procurou o TST, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

O que mudou com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovada na esteira do mesmo debate, também em 2017, trouxeram várias mudanças na legislação. Algumas foram posteriormente derrubadas pelo STF, mas muitas foram validadas. É o caso, por exemplo, da regra que determina a possibilidade de acordo direto entre empregador e trabalhador para adoção da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O texto da reforma definiu que acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação, e passou a prever a possibilidade de trabalho intermitente, em que o trabalhador pode ser pago por período trabalhado. Também o trabalho remoto passou a ser contemplado pelas regras aprovadas em 2017.

No caso da terceirização, a reforma prevê a possibilidade, mas com o terceirizado tendo as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. O principal ponto de discórdia no Judiciário se dá justamente em torno das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de “pejotização” nas empresas (transformação de colaboradores em pessoas jurídicas).

Enquanto decisões da Justiça do Trabalho, baseadas em antigas súmulas da Justiça especializada, fazem uma defesa mais acirrada da carteira assinada, o STF tem decidido por permitir essas modalidades que vão além do contrato tradicional via CLT e rejeitando o vínculo de emprego a profissionais que atuam como PJs. A Corte definiu, em 2020, que a terceirização de trabalho temporário da atividade-fim das empresas é constitucional. A decisão foi tomada no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que partidos, confederações de trabalhadores e a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionavam a Lei da Terceirização. A Corte ainda decide a abrangência da decisão em recursos que tramitam atualmente.

‘Pejotização fraudulenta’, argumenta presidente da Anamatra

Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado. “É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou.

“Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas sim de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra em nota ao Estadão.

Porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, considera que a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado os precedentes do próprio STF.

“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”

O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo, concorda os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tem sempre beneficiado os trabalhadores em detrimento dos empregadores.

“Os trabalhadores, em sentido categórico, de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o direito dá garantias e direitos. A grande questão envolvida nisso é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas”, completou.

Ministro do TST, Ives Gandra Filho diz que Corte tem sido refratária a decisões do STF

O ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou ao Estadão que as reclamações trabalhistas chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a 2ª instância. O magistrado aponta que o Tribunal Superior do Trabalho “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.

Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Portanto, não precisariam seguir decisões da Corte máxima.

O ministro afirma que essa ferramenta da distinção deveria ser usada em casos restritos. No entanto, registra o ministro, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e no privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção dos casos.

“Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca”, apontou.

Martins Filho registrou que também vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. O ministro afirmou que “o próprio pleno do Tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma”.

“Essas súmulas muitas vezes acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse. “Há turmas do Tribunal que acham que a reforma só se aplica a contratos novos. O próprio Supremo já sinalizou que não.”

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.