A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu decisão judicial que havia levado a uma mudança na partilha de royalties do petróleo a municípios do Rio. A ministra acolheu um pedido da prefeitura de Niterói, que citou, no processo, reportagem do Estadão que mostrou investigações sobre uma entidade que defende municípios neste mercado bilionário.
A distribuição de royalties deu ensejo a uma batalha. De um lado, estão Niterói e Maricá, dois dos maiores beneficiários dessa partilha no Rio. De outro, estão São Gonçalo, Guapimirim e Magé, municípios que pleitearam na Justiça o aumento de suas receitas, em uma ação movida contra a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Combustíveis (ANP), responsável pela divisão da verba às prefeituras.
Como mostrou o Estadão, após a decisão, a ANP cumpriu a ordem judicial de Brasília e transferiu R$ 639 milhões que seriam repassados para Maricá e Niterói aos municípios de São Gonçalo, Guapimirim e Magé. Essas três prefeituras contrataram a Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec) e o escritório do advogado Djaci Falcão, filho do ministro do STJ Francisco Falcão, para ajuizar as ações contra a agência. Segundo os contratos, eles recebem 20% em honorários relativos aos repasses decorrentes das decisões judiciais. Somente neste caso, o valor poderia chegar a mais de R$ 120 milhões.
O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Rio (TCE-RJ) investigam contratos de prefeituras com a Nupec e seus associados. A entidade e seus parceiros moveram ações em nome de 15 municípios que geraram pagamentos de R$ 1,5 bilhão – somente em honorários, foram R$ 300 milhões.
Ao STJ, a prefeitura de Niterói afirmou que, com a mudança na distribuição dos royalties, as perdas chegariam, em 2022, a R$ 1 bilhão, “o que corresponderia a quase um quarto do orçamento do município para o corrente exercício, fixado em R$ 4,3 bilhões”.
Na segunda-feira passada, a Procuradoria, em manifestação no processo, afirmou que o Estadão “dissecou o modus operandi” dos advogados ligados à Nupec, revelando a magnitude do ‘esquema’ que engenharam para lograr, aos magotes, vultosas contratações com municípios que visam a engordar seus cofres com royalties e afins”.
A procuradoria ainda afirmou que a reportagem mostrou a “a babilônica dimensão da operação e o milionário faturamento que granjeia para os rábulas, que atuam sob as vestes de “associação sem fins lucrativos”, e que demonstrou o “método para arregimentar influentes advogados para suas hostes, aumentando o peso dos sobrenomes por trás do NUPEC”.
Grave lesão
No dia seguinte ao pedido de Niterói, a presidente do STJ determinou a suspensão das decisões liminares a favor das prefeituras até o “trânsito em julgado” do processo - ou seja, até que sejam julgadas por todas as instâncias do Poder Judiciário.
Segundo a ministra, a Prefeitura de Niterói demonstrou “concretamente, que a decisão impugnada causa grave lesão à ordem e à economia públicas, na medida em que interfere, repentinamente, na organização das suas políticas públicas, comprometendo a execução de serviços essenciais à população”.
“Delineia-se, assim, além da grave lesão à economia de Niterói/RJ e, quiçá, a desordem e o desequilíbrio na repartição de royalties à ilharga dos critérios gerais e uniformes definidos pela Agência Nacional do Petróleo, que a manutenção da tutela de urgência concedida em sentença pelo Juízo de primeiro grau acarreta autêntico periculum in mora inverso, a comprometer gravemente a ordem econômica e a economia da região”, anotou. A ministra não fez menção à reportagem.
Levianas e ofensivas. Pouco antes da decisão da ministra, a Nupec rebateu, nos autos do processo, as acusações e afirmou que a Procuradoria de Niterói “consciente de que o melhor direito não lhe assiste, decidiu partir para acusações levianas e ofensivas aos representantes judiciais dos Municípios Requeridos”.
“A prática extremamente antiética, em incipiente tentativa de constranger os causídicos e, por consequência, o próprio Poder Judiciário, revela-se o caso mais claro de violação à boa-fé processual e lealdade entre as partes e deve ser de pronto rechaçada por essa E. Corte Superior”, argumentaram.
A entidade ainda afirmou que a redistribuição dos royalties não implica em “risco de qualquer lesão à ordem econômica ou social ao rico Município de Niterói”. “Arregimentando de forma ilegal bilhões em royalties do petróleo ao longo dos anos, a cidade com o maior IDH no Estado chegou a constituir Fundo de Investimento bilionário com as sobras de royalties do petróleo”.
“Enquanto isso, os seus Municípios vizinhos, muito mais pobre e bem mais populosos, vivem na penúria e na escassez de serviços públicos .Ademais, ainda que não fosse o seu reconhecido lastro orçamentário, temos que o Requerente, mesmo com a sentença de mérito que corrige a distribuição de royalties, ainda continua a receber centenas de milhões de royalties por ano”, argumentou a Nupec.