BRASÍLIA – Sob o argumento de que não pode ficar “a reboque” do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro na divisão dos espaços de poder no Congresso, uma ala do PT faz pressão para o partido anunciar logo o apoio ao candidato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à sucessão na Casa. Até agora, porém, não há acordo sobre a estratégia a seguir e o PT espera um sinal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O problema é justamente o candidato. A bancada petista obteve informações de que o PL já está praticamente fechado com o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), que, até agora, desponta como o favorito de Lira.
Mas há resistências ao nome de Elmar no Palácio do Planalto e também na cúpula do próprio PT. As críticas vão desde a ferrenha oposição do deputado a Lula na campanha de 2022 até o fato de ele ser muito ligado a Lira.
Nos bastidores, o líder do União Brasil é chamado de “longa manus” do presidente da Câmara. Os outros dois pré-candidatos são o líder do PSD, Antônio Brito (SP), e o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP).
Lira tenta um acordo entre os três. Quer uma candidatura única para não haver racha no Centrão. Promessas de apoio para duas vagas que serão abertas no Tribunal de Contas da União (TCU) somente em 2026, mas podem ser antecipadas, têm entrado na tentativa de negociação.
Tanto Elmar como Brito e Pereira, no entanto, disseram ao presidente da Câmara que não desistirão para apoiar uma “quarta via”.
Tudo porque, nas últimas semanas, cresceu na Câmara a percepção de que Lira tenta uma forma de viabilizar a candidatura do líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), caso perceba que as resistências a Elmar são intransponíveis. Corre por fora, ainda, o nome do líder do PP, Doutor Luizinho (RJ).
‘Se houver necessidade de disputa, nós vamos’, diz Pereira
A eleição que vai renovar os comandos da Câmara e do Senado está marcada para fevereiro de 2025, mas já virou um dos assuntos mais importantes desta temporada, depois das disputas pelas prefeituras.
“Meu nome estará como candidato, em fevereiro. Se houver necessidade de disputa, nós vamos para a disputa”, disse ao Estadão Marcos Pereira, hoje primeiro vice-presidente da Câmara.
Elmar foi na mesma linha. “Aqui todos me conhecem de três mandatos. Ninguém constrói uma candidatura em uma semana”, afirmou ele. Brito, por sua vez, observou apenas que “o plenário é soberano”.
Lula já avisou Lira, há tempos, que o PT não só não apresentará candidato à sua sucessão como não vetará qualquer nome defendido por ele.
Governo teme outro Eduardo Cunha
O receio do governo é produzir uma situação semelhante à que ocorreu em fevereiro de 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff e o PT sofreram uma derrota fragorosa com a vitória de Eduardo Cunha (MDB) para a presidência da Câmara. Dez meses depois, Cunha autorizou a abertura do impeachment contra ela.
“Não é nossa pretensão fazer um candidato do Lira ou contra o Lira”, disse ao Estadão a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). “Acho que dá para fazer uma sucessão negociada com ele. Para nós, a presidência da Câmara não é uma questão ideológica nem de posição política. É de correlação de forças na Casa.”
Gleisi destacou que o PT busca a eleição de um presidente com “compromissos e respeitabilidade pelo tamanho das bancadas na composição da Mesa Diretora e também nos outros espaços”.
No ano passado, quando Lira foi reeleito presidente da Câmara em primeiro turno, o PT o apoiou. Deputados petistas se ressentem, porém, de terem negociado mal o espaço na Mesa Diretora, que comanda os trabalhos na Casa – o partido ficou apenas com a segunda secretaria, ocupada por Maria do Rosário –, e até mesmo nas comissões.
Apesar dos senões de setores do PT e até do Planalto, a avaliação de uma ala da bancada é a de que a sigla de Lula não pode ser a última a anunciar sua posição e precisa avançar algumas casas nesse jogo.
Os cargos na Mesa são distribuídos com base na representação partidária e também por acordo. O PL tem a maior bancada, com 93 deputados, e o PT, a segunda, com 68. Trata-se de dois partidos que podem ser uma espécie de “fiel da balança” na disputa.
Além de não querer ficar prejudicado nas tratativas sobre postos de comando na Câmara, o PT não admite ficar atrás do PL e muito menos parecer caudatário do Centrão de Lira.
“Tanto eu como a bancada temos ótima relação com o Elmar”, afirmou o deputado Zeca Dirceu (PT-PR). “Mas a bancada tem dialogado com os demais candidatos também. E a decisão aguarda sinais mais claros do Lira e do presidente Lula”, completou ele.
O Planalto e setores do PT, no entanto, preferem apoiar outro nome: a maioria ali está com Brito, mas uma parte admite a candidatura de Pereira. Bispo licenciado da Igreja Universal, o presidente do Republicanos jantou recentemente com os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho, e esteve com o titular de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Em público, Elmar tem negado que o acordo para fechar aliança com o PL envolva o aval a projetos que preveem anistia a condenados pela tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 e dão munição para Bolsonaro, inelegível até 2030.
Na conversa reservada com Bolsonaro, no entanto, o líder do União Brasil admitiu ser preciso encontrar “uma saída” para quem participou dos atos de vandalismo no 8 de janeiro e recebeu a mesma sentença de um assassino.
Elmar também prometeu ao PL a primeira vice-presidência da Câmara. Se fechar o acordo, o PT poderá ficar com a primeira-secretaria e escolher comissões de mais destaque.
“Quem chega primeiro bebe a água limpa”, disse à coluna, sob reserva, um defensor de Elmar no PT.
Poder de presidente da Câmara vai de impeachment a orçamento
É na Câmara que se concentram as maiores atenções na disputa para renovar a direção do Congresso. Não sem motivo: cabe ao presidente da Casa autorizar ou engavetar pedidos para abertura de processo de impeachment contra o chefe do Executivo.
Além disso, o presidente da Câmara é responsável por pautar ou arquivar projetos de interesse do Planalto e controla a distribuição das emendas parlamentares de comissão, que neste ano ficaram em R$ 15 bilhões.
Na gestão de Lira, o poder dos deputados sobre as emendas PIX também foi ampliado. Desde 2020, por exemplo, esse tipo de transferência totalizou R$ 20,7 bilhões.
O dinheiro é pago pelo governo, a pedido de deputados e senadores, e cai de forma mais rápida no caixa de seus redutos eleitorais, sem que haja definição de qualquer projeto, licitação ou obra. Neste ano de disputas municipais, as emendas PIX bateram recorde, somando cerca de R$ 8 bilhões.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino decidiu limitar a execução desse tipo de repasse do Orçamento e determinou que o dinheiro só seja liberado após informações sobre o que Estados e municípios farão com a verba. A Câmara e o Senado recorreram da decisão.
Há agora uma proposta discutida entre Lira, líderes de partidos, o governo e o STF para a apresentação de um projeto de lei que estabeleça critérios sobre como usar os recursos das emendas PIX.