BRASÍLIA - Com dois de seus juízes imersos em escândalos envolvendo relações suspeitas com empresários, a Suprema Corte dos Estados Unidos editou na última segunda-feira, 13, um código de ética para disciplinar a atuação dos seus membros.
A imprensa norte-americana revelou que o juiz Clarence Thomaz aceitou durante décadas que o bilionário texano Harlan Crow custeasse suas viagens de férias para destinos paradisíacos, como uma remota ilha da Indonésia. O mesmo aconteceu com o juiz Samuel Alito, que aceitou viajar diversas vezes para pescar no Alasca com tudo bancado pelo investidor Paul Singer.
Uma discussão que o Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil entende que não cabe para os seus. Procurada pelo Estadão, a Corte afirmou que “os ministros observam o disposto na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e podem ser responsabilizados por crime de responsabilidade a partir de processo aberto pelo Senado, conforme prevê a Constituição”. Um impeachment de ministros do Supremo nunca ocorreu no Brasil.
Em setembro, foi colocada em votação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma resolução para restringir a participação de magistrados em eventos com patrocínio de empresas. A ideia foi rejeitada. O texto foi remetido à Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do próprio CNJ para ser refeito. A nova versão pode acabar garantindo aos juízes de todo o País o direito de receber remuneração por palestras.
São frequentes as viagens de juízes brasileiras bancadas por empresas privadas que têm ações pendentes. Nesses casos, contudo, os deslocamentos são para eventos, fóruns e palestras.
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Já o regramento criado pela mais alta instância do Poder Judiciário nos Estados Unidos estabelece, por exemplo, que os juízes “não devem utilizar o prestígio de seus gabinetes para obter vantagens pessoais ou a terceiros”.
A Corte constitucional brasileira até possui um código de ética, cuja redação é voltada especificamente para disciplinar os seus servidores. O documento veda aos funcionários “valer-se do cargo ou da função para obter favores, benesses e vantagens indevidas para si ou para outrem”.
Além disso, há interpretações jurídicas de que os ministros do STF sequer estão submetidos ao código de ética da magistratura criado pelo CNJ. Em mais de uma oportunidade os próprios ministros julgaram que o CNJ não tem competência para julgá-los, o que gera dúvidas quando a aplicação de seus protocolos aos membros da Supremo Corte.
Foi assim em 2005, quando os magistrados analisaram um processo de relatoria do ex-ministro Cezar Peluso. Na ocasião, a Corte decidiu que “o CNJ não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo este o órgão máximo do Poder Judiciário nacional a que aquele está sujeito”. Em 2014, a Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt) pediu ao CNJ que tomasse providência contra o ex-ministro Joaquim Barbosa por não liberar para julgamento ações de interesse dos industriais. O caso acabou na Segunda Turma do STF, que ratificou mais uma vez que Conselho não tem atribuições para rever atos de ministros.
O código de ética do CNJ estabelece, entre outras obrigações, que “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”. Também há interpretações divergentes no meio jurídico quanto ao alcance da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) em relação aos ministros, uma vez que não há controle externo.
Na avaliação do professor Gianpaolo Smanio, que dá aula de direito constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie, os ministros do STF estão submetidos à Lei Orgânica. A única diferença, segundo ele, é a forma de controle aplicado em cada caso: impeachment, quando se trata de ministro, e processos disciplinares em relação aos demais juízes. “O que pode ser feito é um aperfeiçoamento da legislação”, argumentou. Para Smanio, a lei deve se tornar mais clara e explicita em relação àquilo que é proibido na interação entre juízes e entes privados.
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O ex-ministro da Advocacia Geral da União (AGU) Fábio Osório avalia que a replicação do modelo criado pelos norte-americanos seria positivo para a imagem dos STF . “A autorregulação significaria uma postura proativa e transparente do próprio Supremo. Isso sinalizaria para a sociedade que o Supremo está preocupado com essa pauta da transparência e do controle de seus próprios membros. É uma agenda que seria de proteção da imagem do Supremo perante a sociedade”, afirmou.
Fábio Osório, ex-ministro da Advocacia Geral da União (AGU)
O professor de direito constitucional Thomaz Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça o caráter simbólico que o código de ética teria caso fosse adotado pelo STF, mas avalia que o problema da Corte envolve o seu “desenho institucional”.
“A gente tem um ambiente em que não existe mecanismo institucional para fazer com que essas regras valham. O único instrumento que a gente tem é muito duro, radical e difícil, que é o impeachment”, afirmou. “Não faltam regras na situação em que vivemos. O que falta é um desenho institucional que faça com que os ministros do Supremo sintam-se compelidos a segui-las para além das próprias interpretações”, acrescentou.
No diagnóstico do professor, “o problema que tem hoje é que não há uma boa solução institucional ao mesmo tempo em que a gente pode apontar comportamentos problemáticos por parte de ministros do Supremo.”
Já Alvaro Jorge, professor de direito constitucional da FGV-Rio, destaca que o controle ético dos atos dos ministros também deveria se materializar nas suas decisões. Ele cita, por exemplo, a decisão da Corte que autorizou juízes de todas as instâncias a julgar causas de clientes de escritórios de cônjuges e parentes. “Um tipo de votação que não está em linha com essa mesma ideia que foi debatida no código da Suprema Corte (dos EUA)”, disse.
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