Em 2016, uma estudante da Universidade de Harvard, nos EUA, pediu a palavra após uma palestra de Ciro Gomes na instituição. “Meu nome é Tabata. Estudo ciências políticas e astrofísica”, começou. “Quero muito ser política. O que o senhor recomenda para quem quer entrar na política, como não repetir os mesmos erros e sobreviver nesse mundo?”, questionou. “A minha tentação imensa é dizer que eu não sei...”, brincou Ciro, que aconselhou a jovem a ter “tolerância” e “convicções”.
Há duas semanas, a ex-aluna e hoje deputada federal de primeiro mandato Tabata Amaral (PDT-SP) voltou a usar o microfone, e o interlocutor da vez foi o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Alvo de críticas por sua atuação e sob ameaça de sair do governo, Vélez foi apresentar um balanço aos deputados em audiência na Comissão de Educação da Câmara.
“Em um trimestre, não é possível que o senhor apresente um Power Point com três desejos para cada área da Educação. Cadê os projetos? Cadê as metas?”, atacou ela. “Espero que o senhor mude de atitude ou saia do cargo”, desafiou.
A forma com que essa paulistana de 25 anos interpelou o ministro ganhou as redes sociais, e rendeu notoriedade quase instantânea. Ela passou a ser reconhecida nos corredores do Congresso e até teve o nome lançado pelo presidente do seu partido, Carlos Lupi, como pré-candidata à prefeitura da maior cidade do País para a eleição de 2020.
Com a admiração apareceram também críticas de parte da esquerda, que veem uma contradição no fato de a deputada defender, por exemplo, a reforma da Previdência. “Muitos deputados questionaram o ministro na audiência, não só ela. É preciso esperar uma atuação mais consistente”, disse um colega de Tabata do PT que pediu para não ser identificado.
Para o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, foi “uma crítica contundente, sem agressividade, em uma linguagem que ultrapassa os partidos e a pauta ideológica”. “Em um momento em que os grupos se fecham entre si e há dificuldades em ouvir, ela rompeu essa muralha.”
Animado com a exposição alcançada por Tabata, Lupi endossa voos mais altos. “Ela resiste, acha que é muito nova, que precisa aprender mais. Entendo as razões dela, mas coloco o nome dela para a prefeitura de São Paulo para ter essa cara nova”, afirmou o presidente do PDT, para quem ela “é um ímã que está atraindo muita gente”.
Ciro Gomes disse que ela está conseguindo superar o anonimato que "esmaga" grande parte do parlamento. "E está fazendo isso sem pendurar melancia no pescoço, sem coisas absurdas para aparecer”.
Escola
Tabata nasceu e foi criada na Vila Missionária, no extremo sul de São Paulo, filha de uma diarista e de pai cobrador de ônibus. Fez o ensino fundamental em uma escola pública do bairro e, depois de ganhar uma bolsa, foi estudar em um colégio particular da capital onde a mensalidade, hoje, não é inferior a R$ 3 mil.
Colecionou notas altas e medalhas em competições internacionais de matemática. A chance para estudar em Harvard veio através de bolsa de estudos concedida pela instituição. Tabata voltou de lá em 2016, formada e decidida a entrar na política. Ao pavimentar esse caminho, integrou movimentos de renovação política como o Acredito e o RenovaBR, criado pelo empresário Eduardo Mufarej e apoiado por nomes como Luciano Huck para capacitar futuros candidatos.
“A Educação mudou minha vida. Estar no Congresso aos 25 anos é uma oportunidade gigantesca. Não queria estar em nenhum outro lugar”, disse ao Estado. Ela evita usar os termos direita e esquerda. “Eles têm mais de 200 anos. Não vou cair nessa fumaça e ficar brigando”, disse.
“Olhei para as contas (da Previdência), ouvi o que as pessoas estão dizendo e acho que precisamos, sim, de uma reforma”. Ela prefere evitar o discurso nova ou velha política. “A gente não pode usar isso como desculpa para se paralisar e não dialogar. Há novas e velhas práticas.”
Para Luciano Huck, Tabata é a materialização da renovação política difundida nas últimas eleições. “Se a gente quer criar um País eficiente e afetivo no sentido de conseguir reduzir desigualdades de maneira relevante, vamos ter que nos aproximar da política”, afirmou. “É a política que gere o Estado e só o governo tem o poder de tentar reduzir o abismo social”.
Mufarej diz que é preciso mudar a visão sobre o cenário político. "Enquanto acharmos que política é lugar de gente ruim, o Brasil está condenado. Temos que fazer as futuras gerações se inspirarem por trajetórias como a da Tabata", afirmou ele, cujo projeto financiou jovens que não tinham condições de trabalhar, lidar com obrigações familiares e fazer militância política.
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Deputada federal, do PDT-SP, ficou conhecida após questionar o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, no Congresso.
Doações
Na sua estreia, foi a sexta deputada mais votada de São Paulo, com 264 mil votos. Recebeu recursos de mais de 400 doadores, de valores que foram de R$ 10 a R$ 100 mil – esse último vindo do partido. Arrecadou R$ 1.290.696. Ela qualifica as doações como “espontâneas” de pessoas que acreditaram em suas ideias.
O Estado acompanhou a deputada no final de março, em uma ação política na região onde passou a infância. “Gente, vocês querem café? Água? Refri?”, oferece ela aos jornalistas, parando o almoço com a família, funcionários do gabinete e o ex-jogador de futebol Walter Casagrande. Nesse dia, eles falaram com jovens sobre como evitar a dependência química. “O que vocês têm, muitos deputados não têm. Nunca pegaram um ônibus, nunca estudaram em escola pública”, disse ela a cerca de cem jovens em uma quadra.
Tabata Amaral não costuma contar a própria história sem destacar o apoio que recebeu de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades. "Estudei na Vila Missionária, moro aqui, tenho orgulho de vir de onde venho”, diz. "Temos que trabalhar para que esse Brasil seja um lugar para todo mundo e não só para alguns sobrenomes, para que não importe nossa classe ou onde a gente nasça". Casagrande reforçou o discurso. “A dificuldade atrapalha até onde a gente quiser que atrapalhe. As portas existem para todo mundo.”