BRASÍLIA – Integrante da base de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) critica a decisão do governo pagar emendas do orçamento secreto a parlamentares e a recepção do petista ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. “Para quem quer fazer um debate que vai além de cargos e emendas, não tem espaço”, avalia. “Essa é a angústia que eu estou sentindo.”
Tabata também se manifestou contra decisões do Congresso que tiveram o apoio do governo, como o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e a inclusão, na Câmara, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica no limite de gastos do arcabouço fiscal – o Senado tirou o Fundeb dessa conta. “Eu tenho muito medo que a gente volte a ter alguém como Bolsonaro no poder.”
O presidente Lula cobrou dos ministros empenho para atender o Centrão com cargos e emendas. A articulação está correta?
O que eu acho que é ideal é que a gente leve o combate à corrupção a sério. Nunca ocupei uma cadeira no Executivo e sei que é mais fácil falar do que fazer, mas eu conheço exemplos de governos que foram montados convidando partidos, exigindo que se indicassem quadros técnicos e destinassem emendas com critérios técnicos com fiscalização. Vivemos um modelo com os anões do Orçamento, com o mensalão e com o orçamento secreto. Em algum momento, vamos ter que questionar essa fórmula.
Trocar o comando do Ministério da Saúde é um risco para o projeto que a senhora defende?
A ministra Nísia está cumprindo um papel muito importante. Se, em algum momento, decidirem substituí-la, que seja para melhor. Minha preocupação não vai ser qual partido indicou, mas que seja um quadro técnico. O que vou cobrar é que o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação não podem virar balcão de negócios.
Dá para confiar que o Fundeb vai ficar mesmo fora do limite de gastos?
Foi um grande erro da Câmara colocar o Fundeb dentro do limite de gastos. Só no ano que vem, o Fundeb vai crescer R$ 4,7 bilhões a mais do que é permitido por esse teto. Isso vai fazer pressão de corte sobre outros gastos e a gente sabe que o alvo vai ser a educação. Não conseguimos um partido para apresentar destaque na Câmara. O governo entende que aprovar o arcabouço fiscal é extremamente necessário, disso eu compartilho. Mas eu acredito que a política é uma construção ampla, não se dá apenas em dar o sim ou não. Infelizmente, se criou um cenário de tensão entre o Congresso e o Executivo que nos levou a esse tudo ou nada.
O governo comprometeu o discurso que Lula assumiu na campanha?
O que eu enxergo nesse momento é que se criou um momento de tensão tão grande que tudo virou sim ou não. Foi isso que aconteceu no arcabouço fiscal. Não dá para apontar o dedo só para um lado ou para o outro. Para quem quer fazer um debate que vai além de cargos e emendas, não tem espaço. E essa é a angústia que eu estou sentindo. Mais do que eu colocar lenha na fogueira e falar que a culpa é de fulano ou sicrano, o que a população espera de nós é a solução de problemas. A sociedade precisa de um Congresso que não se porte como um representante do ex-presidente da República e de um Executivo que esteja disposto a falar com todo o Congresso para aprovar a reforma do ensino técnico, a reforma tributária, um ensino em tempo integral.
O que pode acontecer com a reforma tributária se esse ‘tudo ou nada’ prevalecer?
O que pode acontecer é o que aconteceu nos últimos 40 anos, o Brasil continuar defasado em relação ao mundo com um sistema tributário injusto e a gente não votar. O que eu espero é que esse debate seja feito com a complexidade que ele merece. Se eu estou aqui, é porque eu sou muito otimista e tenho esperança que as pessoas vão se entender ali na frente.
Com o pagamento do orçamento secreto, dá para manter o otimismo ou será mais do mesmo?
Tem uma frase do Gilberto Gil que é o mundo pior e melhor ao mesmo tempo. Que bom que temos um governo que permitiu o fim do orçamento secreto, mas que ruim que a gente esteja vivendo um momento em que pagamentos que foram prometidos no passado estão sendo feitos. Sabemos que uma boa parte desse dinheiro vai ser escoado para a corrupção. Esse é um pouco do lugar difícil que eu e outras pessoas ocupamos de entender a complexidade das coisas.
A senhora é da base do governo e o próprio presidente Lula pediu que o criticassem. Está na hora de fazer essa crítica?
Quando eu trago um elogio, como eu venho trazendo ao Ministério da Educação, pela primeira vez na história temos uma meta de alfabetização, eu vou celebrar. Mas, se tem algo que eu acho que é prejudicial à população, encaro como meu papel dizer isso. Nunca vai ser uma crítica individual, a um presidente, a um ministro, a uma liderança partidária. Se houver um movimento contra a reforma tributária, eu vou me manifestar. É muito frustrante que, por uma picuinha, você coloque em xeque uma discussão de 40 anos.
A senhora tem alguma decepção com os rumos adotados até agora?
É uma frustração. Quando eu pontuo que é um erro pagar orçamento secreto é porque eu levo a sério o combate à corrupção. Quando eu pontuo que é um erro elogiar a ditadura de Maduro, é porque eu acredito que a ditadura não pode ser recebida com honra, seja de direita ou esquerda. Essas frustrações e as pontuações que eu faço, que muita gente não entende, vêm desse lugar. Eu tenho muito medo que a gente volte a ter alguém como Bolsonaro no poder.
A frustração é com quem?
Você nunca vai ver de mim apontamento de dedos. São frustrações de quando o governo não entende que algumas coisas precisam ser diferentes. Eu quero tanto que o Brasil dê certo e tenho tanta preocupação que a gente volte ao cenário que estava antes, que vai caber a mim muitas vezes ser a chata, a idealista, mas que tem muito pé no chão, e dizer: os tempos mudaram e a gente precisa ser democrata nas nossas atitudes e levar a sério o combate à corrupção.