A decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) de mudar quase toda a cúpula da Polícia Militar de São Paulo causou insatisfação e revolta nos oficiais, abrindo uma crise na instituição. A principal mudança foi a troca, nesta quarta-feira, 21, do número 2 da corporação, o coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, rebaixado como outros coronéis que ocupavam os principais cargos da instituição. Eles foram substituídos por coronéis mais “modernos” — com menos tempo de serviço e promovidos mais recentemente. O governo de São Paulo afirma que reconhece o trabalho dos policiais e que várias promoções por mérito já foram feitas anteriormente.
As trocas foram interpretadas pelo grupo descontente como uma tentativa de interferência política do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL-SP), na corporação. Os coronéis que ascenderam seriam ligados ao secretário, que foi capitão da PM e membro da Rota. A estratégia de Tarcísio e de Derrite seria, para eles, uma forma de forçar a passagem para a reserva dos coronéis das turmas de oficiais formadas na Academia da PM em 1993 e em 1994, às quais pertencem o coronel Freixo e o comandante-geral da PM, Cássio Araújo de Freitas.
Um integrante do governo negou essa avaliação e afirmou ao Estadão que as trocas foram definidas pelo próprio governador e não pelo secretário. Segundo ele, Tarcísio apenas antecipou um movimento que fará ao longo deste ano para dar fluxo à mobilidade de carreira na Polícia Militar. O governador irá enviar um projeto de lei à Alesp na qual proporá igualar as regras de promoção da Polícia Militar às do Exército.
Quando um general é promovido ao cargo de comandante do Exército, os generais das turmas mais antigas que a dele vão automaticamente para a reserva. O mesmo não ocorre na PM, o que acaba travando as promoções nos níveis inferiores e, na visão do governo, desmotivando os oficiais. Mas, ao mudar os coronéis, Tarcísio não mexeu no comandante-geral, que permanece sendo Freitas.
O novo subcomandante da corporação será José Augusto Coutinho, homem de confiança de Derrite. Ele substituirá o coronel Freixo, que estava no cargo desde o início da atual gestão, em 2023. Freixo foi mandado para a Escola de Sargentos da PM. Já o comandante do Policiamento da Capital, coronel Reges Meira Pres, um dos cargos mais importantes da corporação, foi enviado para o Comando de Policiamento de Área-12, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Além disso, o comandante do Policiamento Metropolitano, Victor Alessandro Ferreira Fridizzi, deixou o comando de todos os batalhões dos municípios da Grande São Paulo (exceto capital) para ocupar uma escrivaninha no Departamento de Ensino e Cultura (DEC). Ao todo, 34 coronéis foram transferidos de funções nesta quarta-feira, 21. Metade dos atos representa a ascensão dos coronéis mais modernos e, a outra metade, ligada ao atual comandante da PM, Cássio de Freitas, que foi rebaixada.
Há relatos de que alguns coronéis não foram avisados previamente e descobriram as mudanças pelo Diário Oficial, o que foi interpretado como uma “humilhação”. Há a avaliação entre eles de que a mudança causou uma crise na polícia em dimensões que não eram vistas desde 1997, quando Mário Covas propôs, na prática, acabar com a Polícia Militar no Estado. Ao Estadão, um coronel disse lembrar de caso semelhante somente em 1995, quando Claudionor Lisboa, da turma de 1966 da Academia do Barro Branco, foi nomeado comandante-geral. Na época, uma série de coronéis da turma de 1965 passou para a reserva.
“A atual gestão da Secretaria da Segurança Pública reconhece e valoriza o trabalho dos policiais paulistas e informa que, desde o início do ano, uma série de promoções por mérito e movimentações de rotina foi efetivada junto às polícias Civil, Militar e Técnico-Científica do Estado”, disse a pasta por meio de nota.
Os coronéis que perderam prestígio se reúnem ainda nesta quarta-feira para decidir se vão para a reserva ou continuam nos cargos para os quais foram designados na tentativa de evitar um “mal maior”. O grupo resiste à atual política de segurança instituída por Derrite, que é contrário ao aumento das câmeras nos uniformes dos policiais e adepto de operações ostensivas como as que têm sido realizadas na Baixada Santista.
“A PM está de ponta cabeça. É inacreditável. Chega a ser surreal. Vão destruir a Instituição”, escreveu um ex-integrante da cúpula da corporação em um grupo de coronéis da reserva no WhatsApp. Os coronéis criticavam Derrite, afirmando que são atropelados em seus comandos pelo secretário. Dizem que ele ouve apenas os capitães.
Hoje, existem 10 mil câmeras corporais na PM. Entre as unidades que as utilizam estão a Rota e os BAEPs (Batalhões de Ações Especiais) da PM. Trata-se de política criada pela PM e abraçada pelo antigo secretário da Segurança, general João Camilo Pires de Campos. A fonte do governo paulista ouvida pelo Estadão nega que o pano de fundo das trocas seja esse. O integrante do governo indicou que o programa das câmeras será ampliado em um futuro próximo e integrado com a Muralha Paulista, programa estadual que tem como objetivo interligar as câmeras de vigilância do governo estadual com as das prefeituras.
Inteligência e Gaecos
O tamanho da crise na PM pode ser medido ainda por outra mudança importante: Tarcísio e Derrite derrubaram o comandante do Centro de Inteligência da PM, o coronel João Luis Minghetti Costa, que foi despachado para a Assessoria da PM na Prefeitura de São Paulo, um cargo longínquo do dia a dia da corporação. Minghetti era um dos responsáveis pela parceria do CIPM com os Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos), do Ministério Público de São Paulo, no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
A queda de Minghetti ocorre depois que o procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, foi nomeado secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Sarrubbo era um dos artífices dessa política. Os coronéis lembram que, nos quatro últimos anos, os Gaecos e o CIPM fizeram mais de 500 operações, com mais de 3 mil buscas, aprenderam 70 toneladas de drogas, prenderam mais de 1.300 membros do PCC e conseguiram a condenação de 600 deles. Para um dos coronéis, esse resultado foi mais efetivo no combate ao crime organizado do que as Operações Escudo de Derrite, que mataram cerca de 60 pessoas na Baixada Santista.
Para lugar de Minghetti foi nomeado o coronel Pedro Luis de Souza Lopes, alinhado a Derrite. Por fim, o secretário estaria sendo pressionado a apresentar resultados na Segurança Pública diante do aumento do número de policiais mortos, do fracasso do combate ao tráfico na Cracolândia e dos roubos de celulares, além do aumento de casos de estupros no Estado, e procuraria se cacifar para sair candidato ao Senado pelo PL em 2026.
Derrite sob pressão na segurança pública
Derrite enfrenta problemas na segurança pública. O número de homicídios caiu 10,4% e chegou ao menor patamar da série histórica iniciada em 2001, enquanto as ocorrências de roubos recuaram 6,2% no Estado. Os dados são referentes ao ano de 2023, primeiro da gestão do secretário, na comparação com 2022. Por outro lado, os casos de estupros e feminicídios bateram recorde, com aumento de 9,5% e 13,4%, respectivamente.
A insegurança na cidade de São Paulo, simbolizada pela Cracolândia e pelas gangues que roubam celulares e quebram vidros dos carros principalmente no Centro, pressiona o secretário. Os roubos (-6,1%) e homicídios (-11,49%) caíram na capital paulista na comparação ano a ano, enquanto os furtos subiram 6,5%. Foram 250.825 ocorrências do tipo em 2023. Os dados são da própria Secretaria de Segurança Pública.
Além disso, em um intervalo de 16 dias entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, quatro policiais militares foram mortos no Estado, número que supera os três óbitos contabilizados nos três primeiros meses do ano passado.
Após a publicação da reportagem, a Secretaria de Segurança de Pública de São Paulo enviou nova nota para abordar as ações realizadas na região das “Cenas Abertas de Uso de Entorpecentes”, se referindo à Cracolândia. “Os números divulgados contrariam o argumento de ‘fracasso’ das ações. As polícias Militar e Civil fazem operações constantes, como a Resgate e AC35, para identificar e prender traficantes, além de capturar pessoas procuradas pela Justiça. Desde janeiro do ano passado foram presas mais de 1,3 mil pessoas, entre elas, 347 traficantes, e apreendidos 2,85 toneladas de entorpecentes. Também foram recuperados mais de mil celulares”, argumentou a secretaria.
A pasta afirmou ainda que a estratégia adotada resultou na queda dos roubos em 13% e dos furtos de 1,5% no centro da cidade. Declarou ainda que o policiamento foi reforçado com 120 agentes diariamente, número que, segundo a secretaria, crescerá para mais de 2 mil policiais.
“Esse contingente virá de uma parte do efetivo atualmente na Operação Verão, além da contratação de PMs aposentados e temporários para funções administrativas, visando aumentar o contingente nas ruas. O processo de contratação de inativos e temporários encontra-se em fase final de tramitação”, finalizou a Secretaria de Segurança Pública paulista.