BRASÍLIA - Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) determinaram, na última quarta-feira, 14, a investigação da conduta de militares do Exército e da Aeronáutica que teriam agido para favorecer uma empresa de Brasília em uma licitação de compra de móveis de escritório. Um dos certames, conduzido por uma unidade do Exército, poderia alcançar a cifra de R$ 120 milhões.
O caso foi relatado pelo ministro Benjamin Zymler, e o acórdão do julgamento é público. As licitações investigadas pelo TCU foram promovidas pelo Grupamento de Apoio de Barbacena, unidade da Aeronáutica no município mineiro; e pela 11ª Brigada de Infantaria Leve do Exército, localizada em Campinas (SP). Nesta última, o valor a ser adquirido pela União poderia chegar a R$ 120 milhões, segundo o TCU.
No caso da licitação do interior de São Paulo, o objetivo era formar uma “ata de registro de preços” — isto é, um documento oficial que permitiria a compra dos mesmos itens por vários órgãos federais, pelos preços ajustados e com a empresa vencedora. A ata contaria com 112 tipos de itens, como mesas, armários, gaveteiros, estações de trabalho, lixeiras, poltronas giratórias, cadeiras e sofás.
Na Aeronáutica, o pregão era para a compra de pouco mais de mil poltronas acolchoadas para um auditório, batizado em homenagem ao brigadeiro e ex-ministro da Aeronáutica Eduardo Gomes (1896-1981). Neste caso, o valor foi estimado em pouco menos de R$ 1 milhão.
Além das suspeitas de irregularidades, o que une as duas licitações é a empresa vencedora. Ambos os certames foram vencidos por duas empresas de Brasília e que têm os mesmos donos: a Forma Office e a Forma Style. Em seu site, a empresa afirma ter sido criada em 2008 por dois empresários - Gilberto Schoffen e Gil Campos - com “o objetivo de vender mobiliário de escritório de qualidade para as diversas repartições públicas existentes na capital da República”.
Foi a partir desta primeira investigação que a Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) do TCU identificou outras licitações vencidas pela Forma Office e pela Forma Style com indícios de irregularidades, promovidas pelo Comando da 11ª Brigada de Infantaria Leve (em 2019) e pelo Grupamento de Apoio de Barbacena, no ano passado.
A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Defesa e a empresa Forma Office para comentários, mas não houve resposta até o momento. O Ministério da Defesa disse ter encaminhado os questionamentos aos comandos da Aeronáutica e do Exército.
Móveis de escritório à prova da brisa marinha
A Selog do TCU identificou nas duas licitações problemas como o excesso de critérios nos editais, o que parece indicar que existiu direcionamento da licitação. Na concorrência da Aeronáutica, para a compra de poltronas para um auditório, só duas empresas conseguiram preencher todos os requisitos do edital. Uma delas foi a Forma Style, que acabou ganhando a licitação. Uma das adversárias foi eliminada por oferecer uma poltrona com o pé em formato retangular, enquanto o edital determinava que o pé da poltrona fosse em formato oval.
No acórdão, os ministros também dizem que há indícios de que a empresa Forma Office teria “participado da definição do objeto” do edital da concorrência da 11ª Brigada de Infantaria Leve, do Exército.
Novamente, no caso da 11ª Brigada, a área técnica do TCU entendeu que havia exigências descabidas. Por exemplo: o edital determinava que o material de escritório deveria atender a uma norma técnica (a NBR 8094) que estabelece parâmetros de resistência à névoa salina — que só ocorre no mar e na praia — ainda que a 11ª Brigada fique no interior de São Paulo. Dos órgãos que aderiram à ata, nenhum tem sua sede à beira-mar, notaram os técnicos.
Mesmo vendo risco de dano ao erário, o relator Benjamin Zymler optou por permitir a continuidade das contratações -- principalmente por causa do custo de fazer uma nova licitação e por causa do risco de que o novo certame acabasse resultando num preço maior que o anterior. No caso da licitação da Aeronáutica, o TCU identificou oito responsáveis, que terão suas condutas investigadas; em relação à concorrência da Aeronáutica, foram identificados dois responsáveis, ambos com a patente de coronel.
Procurado, o comando da Aeronáutica disse ao Estadão que “não se pronuncia, por intermédio da imprensa, sobre qualquer relatório técnico ou Acórdão do Tribunal de Contas da União, enquanto em processo de apuração”.