BRASÍLIA - O presidente Michel Temer demitiu ontem o ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB) e anunciou o jurista Torquato Jardim, então chefe da Transparência e Controle, como novo titular da pasta. A troca de nomes na Justiça marca mais um capítulo da tentativa de Temer de fortalecer a interlocução de seu governo com o Judiciário e dar respostas aos aliados sobre a crise política iniciada com a delação da J&F (holding que inclui a JBS).
Após a demissão, Serraglio foi convidado a assumir o Ministério da Transparência, responsável por firmar acordos de leniência. A troca foi antecipada pela Coluna do Estadão no portal estadao.com.br.
Nos bastidores, a demissão de Serraglio é atrelada a dois fatores. O primeiro seria sua ineficiência em estabelecer canais de comunicação com órgãos sob a tutela do ministério – como a Polícia Federal –, com outras instituições e com as cortes superiores.
No Palácio do Planalto, Serraglio era considerado “fraco” e a preocupação era ter um ministro da Justiça com interlocução no Judiciário, como tinham os ex-ocupantes da pasta Alexandre de Moraes e José Eduardo Cardozo. Contribuiu para a decisão de substituir de Serraglio a tentativa de uma escrivã da PF de tentar, por telefone, na quarta-feira passada, marcar uma data para o presidente ser ouvido. Na avaliação de interlocutores de Temer, Torquato terá mais “ascendência” sobre a corporação.
Na base aliada, o descontentamento com o ministro ficou mais evidente nas gravações de conversas do senador Aécio Neves (PSDB-MG) – agora afastado do cargo –, divulgadas no âmbito da delação da JBS. “O ministro é um b... de um c... Ele (Temer) errou de novo de nomear essa p...”. Ao contrário de Serraglio, Torquato possui bom trânsito em ao menos duas cortes em que tramitam processos de interesses do governo Temer e é visto como um gestor de pulso firme que poderá influir de modo mais enérgico na Polícia Federal. Ele tem boa interlocução no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF). No TSE, chegou a ser ministro entre 1988 e 1996.
A partir do dia 6 de junho os ministros do TSE vão julgar a ação proposta pelo PSDB contra a chapa Dilma Rouseff-Michel Temer. Visto até há pouco tempo como um possível caminho para livrar o peemedebista, o julgamento, após a delação JBS, agora é tido como a forma mais “constitucional” para a cassação do presidente.
No Supremo, Temer é alvo de um inquérito por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa.
Carne Fraca. O segundo fator está atrelado à Operação Carne Fraca, na qual Serraglio foi citado. O Estado apurou que a troca também se deve a informações sobre a negociação de delação premiada de dois investigados. O ex-superintendente regional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Paraná, Daniel Gonçalves Filho, e a chefe do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, Maria do Rócio Nascimento – apontados pela Polícia Federal como líderes do esquema –, afirmaram à Procuradoria-Geral da República que Serraglio beneficiava o grupo investigado quando era deputado.
Os dois negociam um acordo de delação com a PGR. Serraglio apareceu em conversa interceptada pela PF chamando Gonçalves Filho de “grande chefe”. Já Maria do Rócio tratou o ex-ministro da Justiça de “o velhinho que está conosco”.
Se aceitar ficar com a Transparência, Serraglio mantém o foro privilegiado do deputado federal afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Loures é suplente de Serraglio e assumiu o mandato do deputado após sua ida para o Ministério. Ele foi flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil de Ricardo Saud, executivo da JBS, e está sendo investigado no STF no mesmo inquérito de Temer.
Antes de assumir a pasta, Torquato chegou a atuar como advogado de Marina Silva e da Rede no processo para registrar o partido na Justiça Eleitoral, em 2015. Em junho daquele mesmo ano, artigo publicado no site de seu escritório, em julho de 2015, ele defendeu uma posição diversa da que a defesa de Temer apresentou no TSE – se dizendo contrário à separação da chapa.
Quando ainda não havia recebido o primeiro convite de Temer, Torquato também se mostrou cético sobre a possibilidade da Operação Lava Jato ter efeito concreto para o fim da corrupção no País.
Na ocasião, disse que os partidos políticos brasileiros são um “balcão de negócios” e citou o Centrão – grupo formado por 13 partidos pequenos e médios na Câmara dos Deputados – como exemplo de atuação “em nome da corrupção e da safadeza”. No cargo de ministro da Transparência, Torquato também defendeu que a regulamentação do lobby no Brasil (mais informações na pág. A6). / COLABOROU DAIENE CARDOSO