Tentativas de regular ida de juízes a eventos foram barradas no CNJ nos últimos anos; veja as regras


Conselho construiu conjunto de normas nos últimos 11 anos que minimiza a possibilidade de magistrados serem declarados suspeitos ou responsabilizados por conflito de interesses em eventos

Por Weslley Galzo

A participação de magistrados em eventos promovidos pela iniciativa privada é uma constante em todos os níveis do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que regulamenta a atividade funcional dos juízes e desembargadores no País, construiu um conjunto de regras nos últimos 11 anos que minimiza a possibilidade de esses atores serem declarados suspeitos ou responsabilizados por conflito de interesses com agentes empresariais nesses espaços.

A primeira resolução do CNJ que disciplinou a presença de magistrados em seminários, conferências e simpósios foi publicada em 2013. Sob o crivo do então presidente do Conselho, Joaquim Barbosa, foi autorizada a participação de juízes nesses eventos nas condições de “palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora”.

Plenário do Conselho Nacional de Justiça Foto: Wilton Junior/Estadão
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A regra, em vigor até hoje, autoriza os magistrados a terem “transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades” promotoras de eventos. Não há ressalvas à possibilidade de o custeio das despesas ser feito por empresas que respondam a processos no tribunal do juiz e que, por conseguinte, tenham interesse em se aproximar da autoridade.

Por outro lado, a mesma publicação estabelece que “ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas”. A medida é elogiada por especialistas em transparência no Poder Público, mas eles também criticam a falta de instrumentos para monitorar eventuais pagamentos não declarados.

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Três anos mais tarde, em 2016, durante a gestão de Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça, o CNJ passou a considerar a participação de magistrados em conferências como “atividade docente”, mesmo quando a reunião não tivesse caráter acadêmico. O mesmo texto trazia como novidade a obrigação de os magistrados informarem em até 30 dias “a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento”, o que foi visto com bons olhos por especialistas à época.

A regra ainda obrigava o CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça a acompanharem e promoverem avaliações periódicas sobre a participação dos magistrados nesse tipo de atividade. Já os tribunais deveriam disponibilizar em seu sites as bases de dados com as informações dos eventos e das viagens realizadas. A divulgação do conteúdo deveria ser acessível a qualquer cidadão, “inclusive para os fins de aferição de situações de impedimento”.

A resolução alertava aos juízes e desembargadores que deveriam zelar para a participação não comprometer “a imparcialidade e a independência para o exercício da jurisdição, além da presteza e da eficiência na atividade jurisdicional”.

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Na leitura de especialistas ouvidos pela reportagem, a resolução assegurava um ambiente de maior controle social das atividades dos magistrados. Porém, como mostrou o Estadão em março do ano passado, uma decisão do CNJ, de 2021, revogou todas as obrigatoriedades de transparência criadas pela gestão Lewandowski. Dessa forma, juízes e desembargadores do País inteiro foram liberados de informar aos respectivos tribunais sobre a participação em eventos.

O recuo na política de transparência dos tribunais foi promovido durante a gestão do ministro Luiz Fux à frente do CNJ. Na ocasião, Fux argumentou que a exigência de informações sobre os eventos mostrava-se “contraproducente e burocratizante” e ainda desestimularia “a interação acadêmica dos magistrados com outros operadores do Direito e com a própria sociedade”.

Em março do ano passado, Fux afirmou ao Estadão que a mudança foi feita “simplesmente para que os juízes fossem autorizados a não ter mais que informar qualquer palestra – mesmo gratuita – ou fala pública às corregedorias”.

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O CNJ retomou a discussão do tema em setembro de 2023, durante a gestão da ministra Rosa Weber. Uma proposta pelo conselheiro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho propunha a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100, o impedimento de o magistrado receber direta ou indiretamente remuneração para palestrar e a obrigatoriedade de informar anualmente variações patrimoniais superiores a 40%. Ainda havia um ponto adicional: os juízes e desembargadores deveriam tornar públicas as suas agendas. A medida, no entanto, acabou rejeitada por oito votos a seis.

Como mostrou o Estadão, a maioria dos ministros do STF esconde as agendas de eventos e audiências com políticos e advogados. As regras do CNJ não se aplicam à Suprema Corte, embora os ministros tenham o condão de estimular práticas em outros níveis do Poder Judiciário.

“O exemplo vem de cima. Tem uma expressão nas Forças Armadas que diz que o exemplo arrasta. O Supremo deveria liderar esse esforço pelo exemplo”, afirmou Álvaro Jorge, professor de Direito Administrativo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio). “Se a mais alta Corte se porta sem transparência, é muito improvável e difícil que os demais juízes para baixo se sintam compelidos a agir de forma distinta. Para além das regras, é muito importante olhar essa questão a partir da força do exemplo do Supremo”, afirmou.

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A Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, publicou em novembro do ano passado um código de ética para disciplinar a presença de seus juízes em viagens e eventos com empresários. O movimento foi uma resposta à crise que atingiu a Corte com as revelações da agência de jornalismo investigativo ProPublica, de que os ministros Clarence Thomas e Samuel Alito foram beneficiados durante anos com presentes, viagens e despesas bancadas por empresários.

No Supremo brasileiro, o cenário é completamente diferente. Não há nenhuma regra que vede a presença em fóruns privados. Além disso, o ministro Dias Toffoli reagiu com críticas às reportagens que informaram a sua participação em evento promovido pelo setor privado em um hotel de luxo em Londres. Para o magistrado, as notícias são “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”, conforme afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.

Como revelou o Estadão, o “Fórum Jurídico: Brasil de Ideias”, do qual participaram Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, foi patrocinado pela British American Tobacco (BAT) Brasil, empresa que tem dois processos no STF e é parte interessada em um ação relatada por Toffoli.

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Para além do STF, o professor Álvaro Jorge avalia que há espaço para melhorar as regras do CNJ em vigor atualmente. Ele destaca, por exemplo, que “a versão Lewandowski (de resolução sobre eventos e viagens) é melhor do que a versão Fux”. A avaliação é que o ponto central da discussão ainda reside em criar mecanismos mais eficazes de transparência e controle.

“Tem espaço para aprimorar essas regras. Elas servem para garantir a manutenção da confiança pública na integridade da magistratura. Todo mundo espera que um juiz seja íntegro e imparcial, e esse conjunto de regras serve pra isso”, afirmou.

Após a votação de setembro do ano passado que freou o endurecimento das regras sobre a participação de juízes em eventos, a Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ deu início a estudos para formular uma nova proposta de resolução sobre transparência ativa e conflito de interesses na magistratura. O Conselho não fixou prazo para a apresentação de um novo texto regulatório. A reportagem questionou o órgão sobre o atual status da discussão, mas não obteve resposta.

Veja o que vale e o que deixou de valer:

  • Resolução CNJ 170/2013 (em vigor): autoriza que o transporte e a hospedagem de juízes sejam pagos pelos agentes privados organizadores do evento; proíbe os magistrados de receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas.
  • Resolução CNJ 226/2016 (parcialmente revogada): equipara a participação de magistrados em eventos à atividade docente, ponto que permanece em vigor. Foram revogados: a obrigação de informar presença em conferências ao órgão competente do Tribunal respectivo em até 30 (trinta) dias após sua realização, indicando a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento, e o acompanhamento e a avaliação periódica das informações pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Corregedoria Nacional de Justiça.
  • Resolução CNJ 373/2021 (em vigor): revoga itens de transparência criados pela resolução CNJ 226/2016.
  • Proposta de resolução 5083-21/2023 (rejeitada): determinava a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100; impunha o impedimento aos magistrados que recebessem direta ou indiretamente remuneração para palestrar; obrigava os juízes e desembargadores a informarem anualmente variações patrimoniais superiores a 40%; obrigava a divulgação de agendas de audiências e eventos.

A participação de magistrados em eventos promovidos pela iniciativa privada é uma constante em todos os níveis do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que regulamenta a atividade funcional dos juízes e desembargadores no País, construiu um conjunto de regras nos últimos 11 anos que minimiza a possibilidade de esses atores serem declarados suspeitos ou responsabilizados por conflito de interesses com agentes empresariais nesses espaços.

A primeira resolução do CNJ que disciplinou a presença de magistrados em seminários, conferências e simpósios foi publicada em 2013. Sob o crivo do então presidente do Conselho, Joaquim Barbosa, foi autorizada a participação de juízes nesses eventos nas condições de “palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora”.

Plenário do Conselho Nacional de Justiça Foto: Wilton Junior/Estadão

A regra, em vigor até hoje, autoriza os magistrados a terem “transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades” promotoras de eventos. Não há ressalvas à possibilidade de o custeio das despesas ser feito por empresas que respondam a processos no tribunal do juiz e que, por conseguinte, tenham interesse em se aproximar da autoridade.

Por outro lado, a mesma publicação estabelece que “ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas”. A medida é elogiada por especialistas em transparência no Poder Público, mas eles também criticam a falta de instrumentos para monitorar eventuais pagamentos não declarados.

Três anos mais tarde, em 2016, durante a gestão de Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça, o CNJ passou a considerar a participação de magistrados em conferências como “atividade docente”, mesmo quando a reunião não tivesse caráter acadêmico. O mesmo texto trazia como novidade a obrigação de os magistrados informarem em até 30 dias “a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento”, o que foi visto com bons olhos por especialistas à época.

A regra ainda obrigava o CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça a acompanharem e promoverem avaliações periódicas sobre a participação dos magistrados nesse tipo de atividade. Já os tribunais deveriam disponibilizar em seu sites as bases de dados com as informações dos eventos e das viagens realizadas. A divulgação do conteúdo deveria ser acessível a qualquer cidadão, “inclusive para os fins de aferição de situações de impedimento”.

A resolução alertava aos juízes e desembargadores que deveriam zelar para a participação não comprometer “a imparcialidade e a independência para o exercício da jurisdição, além da presteza e da eficiência na atividade jurisdicional”.

Na leitura de especialistas ouvidos pela reportagem, a resolução assegurava um ambiente de maior controle social das atividades dos magistrados. Porém, como mostrou o Estadão em março do ano passado, uma decisão do CNJ, de 2021, revogou todas as obrigatoriedades de transparência criadas pela gestão Lewandowski. Dessa forma, juízes e desembargadores do País inteiro foram liberados de informar aos respectivos tribunais sobre a participação em eventos.

O recuo na política de transparência dos tribunais foi promovido durante a gestão do ministro Luiz Fux à frente do CNJ. Na ocasião, Fux argumentou que a exigência de informações sobre os eventos mostrava-se “contraproducente e burocratizante” e ainda desestimularia “a interação acadêmica dos magistrados com outros operadores do Direito e com a própria sociedade”.

Em março do ano passado, Fux afirmou ao Estadão que a mudança foi feita “simplesmente para que os juízes fossem autorizados a não ter mais que informar qualquer palestra – mesmo gratuita – ou fala pública às corregedorias”.

O CNJ retomou a discussão do tema em setembro de 2023, durante a gestão da ministra Rosa Weber. Uma proposta pelo conselheiro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho propunha a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100, o impedimento de o magistrado receber direta ou indiretamente remuneração para palestrar e a obrigatoriedade de informar anualmente variações patrimoniais superiores a 40%. Ainda havia um ponto adicional: os juízes e desembargadores deveriam tornar públicas as suas agendas. A medida, no entanto, acabou rejeitada por oito votos a seis.

Como mostrou o Estadão, a maioria dos ministros do STF esconde as agendas de eventos e audiências com políticos e advogados. As regras do CNJ não se aplicam à Suprema Corte, embora os ministros tenham o condão de estimular práticas em outros níveis do Poder Judiciário.

“O exemplo vem de cima. Tem uma expressão nas Forças Armadas que diz que o exemplo arrasta. O Supremo deveria liderar esse esforço pelo exemplo”, afirmou Álvaro Jorge, professor de Direito Administrativo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio). “Se a mais alta Corte se porta sem transparência, é muito improvável e difícil que os demais juízes para baixo se sintam compelidos a agir de forma distinta. Para além das regras, é muito importante olhar essa questão a partir da força do exemplo do Supremo”, afirmou.

A Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, publicou em novembro do ano passado um código de ética para disciplinar a presença de seus juízes em viagens e eventos com empresários. O movimento foi uma resposta à crise que atingiu a Corte com as revelações da agência de jornalismo investigativo ProPublica, de que os ministros Clarence Thomas e Samuel Alito foram beneficiados durante anos com presentes, viagens e despesas bancadas por empresários.

No Supremo brasileiro, o cenário é completamente diferente. Não há nenhuma regra que vede a presença em fóruns privados. Além disso, o ministro Dias Toffoli reagiu com críticas às reportagens que informaram a sua participação em evento promovido pelo setor privado em um hotel de luxo em Londres. Para o magistrado, as notícias são “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”, conforme afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.

Como revelou o Estadão, o “Fórum Jurídico: Brasil de Ideias”, do qual participaram Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, foi patrocinado pela British American Tobacco (BAT) Brasil, empresa que tem dois processos no STF e é parte interessada em um ação relatada por Toffoli.

Para além do STF, o professor Álvaro Jorge avalia que há espaço para melhorar as regras do CNJ em vigor atualmente. Ele destaca, por exemplo, que “a versão Lewandowski (de resolução sobre eventos e viagens) é melhor do que a versão Fux”. A avaliação é que o ponto central da discussão ainda reside em criar mecanismos mais eficazes de transparência e controle.

“Tem espaço para aprimorar essas regras. Elas servem para garantir a manutenção da confiança pública na integridade da magistratura. Todo mundo espera que um juiz seja íntegro e imparcial, e esse conjunto de regras serve pra isso”, afirmou.

Após a votação de setembro do ano passado que freou o endurecimento das regras sobre a participação de juízes em eventos, a Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ deu início a estudos para formular uma nova proposta de resolução sobre transparência ativa e conflito de interesses na magistratura. O Conselho não fixou prazo para a apresentação de um novo texto regulatório. A reportagem questionou o órgão sobre o atual status da discussão, mas não obteve resposta.

Veja o que vale e o que deixou de valer:

  • Resolução CNJ 170/2013 (em vigor): autoriza que o transporte e a hospedagem de juízes sejam pagos pelos agentes privados organizadores do evento; proíbe os magistrados de receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas.
  • Resolução CNJ 226/2016 (parcialmente revogada): equipara a participação de magistrados em eventos à atividade docente, ponto que permanece em vigor. Foram revogados: a obrigação de informar presença em conferências ao órgão competente do Tribunal respectivo em até 30 (trinta) dias após sua realização, indicando a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento, e o acompanhamento e a avaliação periódica das informações pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Corregedoria Nacional de Justiça.
  • Resolução CNJ 373/2021 (em vigor): revoga itens de transparência criados pela resolução CNJ 226/2016.
  • Proposta de resolução 5083-21/2023 (rejeitada): determinava a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100; impunha o impedimento aos magistrados que recebessem direta ou indiretamente remuneração para palestrar; obrigava os juízes e desembargadores a informarem anualmente variações patrimoniais superiores a 40%; obrigava a divulgação de agendas de audiências e eventos.

A participação de magistrados em eventos promovidos pela iniciativa privada é uma constante em todos os níveis do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que regulamenta a atividade funcional dos juízes e desembargadores no País, construiu um conjunto de regras nos últimos 11 anos que minimiza a possibilidade de esses atores serem declarados suspeitos ou responsabilizados por conflito de interesses com agentes empresariais nesses espaços.

A primeira resolução do CNJ que disciplinou a presença de magistrados em seminários, conferências e simpósios foi publicada em 2013. Sob o crivo do então presidente do Conselho, Joaquim Barbosa, foi autorizada a participação de juízes nesses eventos nas condições de “palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora”.

Plenário do Conselho Nacional de Justiça Foto: Wilton Junior/Estadão

A regra, em vigor até hoje, autoriza os magistrados a terem “transporte e hospedagem subsidiados por essas entidades” promotoras de eventos. Não há ressalvas à possibilidade de o custeio das despesas ser feito por empresas que respondam a processos no tribunal do juiz e que, por conseguinte, tenham interesse em se aproximar da autoridade.

Por outro lado, a mesma publicação estabelece que “ao magistrado é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas”. A medida é elogiada por especialistas em transparência no Poder Público, mas eles também criticam a falta de instrumentos para monitorar eventuais pagamentos não declarados.

Três anos mais tarde, em 2016, durante a gestão de Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça, o CNJ passou a considerar a participação de magistrados em conferências como “atividade docente”, mesmo quando a reunião não tivesse caráter acadêmico. O mesmo texto trazia como novidade a obrigação de os magistrados informarem em até 30 dias “a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento”, o que foi visto com bons olhos por especialistas à época.

A regra ainda obrigava o CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça a acompanharem e promoverem avaliações periódicas sobre a participação dos magistrados nesse tipo de atividade. Já os tribunais deveriam disponibilizar em seu sites as bases de dados com as informações dos eventos e das viagens realizadas. A divulgação do conteúdo deveria ser acessível a qualquer cidadão, “inclusive para os fins de aferição de situações de impedimento”.

A resolução alertava aos juízes e desembargadores que deveriam zelar para a participação não comprometer “a imparcialidade e a independência para o exercício da jurisdição, além da presteza e da eficiência na atividade jurisdicional”.

Na leitura de especialistas ouvidos pela reportagem, a resolução assegurava um ambiente de maior controle social das atividades dos magistrados. Porém, como mostrou o Estadão em março do ano passado, uma decisão do CNJ, de 2021, revogou todas as obrigatoriedades de transparência criadas pela gestão Lewandowski. Dessa forma, juízes e desembargadores do País inteiro foram liberados de informar aos respectivos tribunais sobre a participação em eventos.

O recuo na política de transparência dos tribunais foi promovido durante a gestão do ministro Luiz Fux à frente do CNJ. Na ocasião, Fux argumentou que a exigência de informações sobre os eventos mostrava-se “contraproducente e burocratizante” e ainda desestimularia “a interação acadêmica dos magistrados com outros operadores do Direito e com a própria sociedade”.

Em março do ano passado, Fux afirmou ao Estadão que a mudança foi feita “simplesmente para que os juízes fossem autorizados a não ter mais que informar qualquer palestra – mesmo gratuita – ou fala pública às corregedorias”.

O CNJ retomou a discussão do tema em setembro de 2023, durante a gestão da ministra Rosa Weber. Uma proposta pelo conselheiro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho propunha a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100, o impedimento de o magistrado receber direta ou indiretamente remuneração para palestrar e a obrigatoriedade de informar anualmente variações patrimoniais superiores a 40%. Ainda havia um ponto adicional: os juízes e desembargadores deveriam tornar públicas as suas agendas. A medida, no entanto, acabou rejeitada por oito votos a seis.

Como mostrou o Estadão, a maioria dos ministros do STF esconde as agendas de eventos e audiências com políticos e advogados. As regras do CNJ não se aplicam à Suprema Corte, embora os ministros tenham o condão de estimular práticas em outros níveis do Poder Judiciário.

“O exemplo vem de cima. Tem uma expressão nas Forças Armadas que diz que o exemplo arrasta. O Supremo deveria liderar esse esforço pelo exemplo”, afirmou Álvaro Jorge, professor de Direito Administrativo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio). “Se a mais alta Corte se porta sem transparência, é muito improvável e difícil que os demais juízes para baixo se sintam compelidos a agir de forma distinta. Para além das regras, é muito importante olhar essa questão a partir da força do exemplo do Supremo”, afirmou.

A Suprema Corte dos Estados Unidos, por exemplo, publicou em novembro do ano passado um código de ética para disciplinar a presença de seus juízes em viagens e eventos com empresários. O movimento foi uma resposta à crise que atingiu a Corte com as revelações da agência de jornalismo investigativo ProPublica, de que os ministros Clarence Thomas e Samuel Alito foram beneficiados durante anos com presentes, viagens e despesas bancadas por empresários.

No Supremo brasileiro, o cenário é completamente diferente. Não há nenhuma regra que vede a presença em fóruns privados. Além disso, o ministro Dias Toffoli reagiu com críticas às reportagens que informaram a sua participação em evento promovido pelo setor privado em um hotel de luxo em Londres. Para o magistrado, as notícias são “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”, conforme afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.

Como revelou o Estadão, o “Fórum Jurídico: Brasil de Ideias”, do qual participaram Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, foi patrocinado pela British American Tobacco (BAT) Brasil, empresa que tem dois processos no STF e é parte interessada em um ação relatada por Toffoli.

Para além do STF, o professor Álvaro Jorge avalia que há espaço para melhorar as regras do CNJ em vigor atualmente. Ele destaca, por exemplo, que “a versão Lewandowski (de resolução sobre eventos e viagens) é melhor do que a versão Fux”. A avaliação é que o ponto central da discussão ainda reside em criar mecanismos mais eficazes de transparência e controle.

“Tem espaço para aprimorar essas regras. Elas servem para garantir a manutenção da confiança pública na integridade da magistratura. Todo mundo espera que um juiz seja íntegro e imparcial, e esse conjunto de regras serve pra isso”, afirmou.

Após a votação de setembro do ano passado que freou o endurecimento das regras sobre a participação de juízes em eventos, a Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ deu início a estudos para formular uma nova proposta de resolução sobre transparência ativa e conflito de interesses na magistratura. O Conselho não fixou prazo para a apresentação de um novo texto regulatório. A reportagem questionou o órgão sobre o atual status da discussão, mas não obteve resposta.

Veja o que vale e o que deixou de valer:

  • Resolução CNJ 170/2013 (em vigor): autoriza que o transporte e a hospedagem de juízes sejam pagos pelos agentes privados organizadores do evento; proíbe os magistrados de receber, a qualquer título ou pretexto, prêmios, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas.
  • Resolução CNJ 226/2016 (parcialmente revogada): equipara a participação de magistrados em eventos à atividade docente, ponto que permanece em vigor. Foram revogados: a obrigação de informar presença em conferências ao órgão competente do Tribunal respectivo em até 30 (trinta) dias após sua realização, indicando a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento, e o acompanhamento e a avaliação periódica das informações pelo Conselho Nacional de Justiça e pela Corregedoria Nacional de Justiça.
  • Resolução CNJ 373/2021 (em vigor): revoga itens de transparência criados pela resolução CNJ 226/2016.
  • Proposta de resolução 5083-21/2023 (rejeitada): determinava a proibição de recebimento de presentes que ultrapassassem R$ 100; impunha o impedimento aos magistrados que recebessem direta ou indiretamente remuneração para palestrar; obrigava os juízes e desembargadores a informarem anualmente variações patrimoniais superiores a 40%; obrigava a divulgação de agendas de audiências e eventos.

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