Gabriella Maria gostava de fazer dublagens para compartilhar com amigos por diversão e conheceu, no fim de 2019, o TikTok, um aplicativo chinês de compartilhamento de vídeos. Desde então, graças a um vídeo viral publicado, a profissional da moda de 29 anos tem um perfil com mais de 72 mil seguidores e usa a rede social todos os dias. Com uma linha de tempo personalizada conforme suas preferências, os vídeos sugeridos para ela assistir têm muito de moda, maquiagem, dublagem e política. “Eu uso o TikTok tanto para me informar quanto para diversão. Eu vejo que ele é bom para aprender pela velocidade dos vídeos”, disse ela.
Gabriella representa um perfil que se tornou alvo de presidenciáveis e atraiu as campanhas políticas para o aplicativo. A plataforma chinesa que permite a produção de vídeos de até três minutos é uma das que mais crescem no País – foi o aplicativo mais baixado em 2021 – e passará pelo primeiro teste eleitoral em 2022. Assim como quem disputou as eleições de 2020 usou o TikTok para conquistar um eleitorado jovem, os principais candidatos deste ano ao Palácio do Planalto também passaram a utilizar esse ambiente.
Em junho passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estreou um perfil na plataforma. Com pouco mais de 300 mil seguidores e 1,5 milhão de curtidas acumuladas, o petista tem um longo caminho para tentar igualar o desempenho de seu principal adversário na eleição de outubro, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Mais familiarizado com as redes sociais, o candidato à reeleição tem 2 milhões de seguidores e 21,4 milhões de curtidas acumuladas em seus vídeos no TikTok. Bolsonaro criou seu perfil no aplicativo em outubro do ano passado.
Levantamento da especialista em Comunicação e Marketing da Universidade Federal Fluminense (UFF) Luiza Mello e do cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Djiovanni Marioto, feito a pedido do Estadão, mostrou que, entre 2020 e 2022, o número de curtidas nas principais hashtags movidas em apoio a Lula e a Bolsonaro – os candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto divulgadas até agora – aumentou em 20 vezes.
“O TikTok é uma plataforma extremamente viral que induz ao compartilhamento de informações”, disse Luiza. “Isso é algo muito buscado numa campanha política. A linha do tempo do TikTok é alimentada pelos interesses das pessoas e não pelo conteúdo dos seus amigos. Isso aumenta a potencialidade da viralização, por isso políticos usam a rede.”
Estudo do Laboratório de Combate à Desinformação e ao Discurso de Ódio em Sistemas de Comunicação em Rede (DDosLAB) da UFF detectou 300 políticos com conta no TikTok, com 265 contas ativas que somam mais de 23 mil vídeos. Há quase duas vezes mais políticos de direita do que de esquerda na rede social. O primeiro grupo tende, estatisticamente, a acumular mais seguidores e mais curtidas.
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“O TikTok é importante do ponto de vista estratégico, pois funciona como uma espécie de elo nessa cadeia produtiva”, afirmou o professor de Estudos de Mídia da UFF e coordenador do estudo, Viktor Chagas. “Há muitos vídeos sendo compartilhados externamente, principalmente no WhatsApp. O político ganha muita capilaridade.”
O grande diferencial do TikTok em relação a outras plataformas é a duração dos vídeos, com possibilidade de fazer edições, além de oferecer a opção de inserção de recursos interativos, que vão de enquetes a lives. Se antes a plataforma era de vídeos com “dança e coreografia”, hoje ela oferece informação imediata.
Ainda de acordo com a pesquisa, o TikTok foi o aplicativo que mais cresceu globalmente entre 2021 e 2022, alcançando 40% de usuários entre 18 e 24 anos, dos quais 15% usando a rede para consumir notícias. Assim, candidatos intercalam conteúdos políticos e memes.
“De eleição em eleição, a política vai migrando para as plataformas que as pessoas estão usando”, disse a pesquisadora em Democracia e Comunicação Digital Maria Carolina Lopes. “Em 2020, houve grande atenção midiática para o Instagram. Mas deverá haver uma virada para o TikTok.”
Para o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, o atrativo do TikTok é a maior presença de usuários jovens e de faixa de renda menor. “Os influenciadores que nascem do TikTok são mais negros, periféricos e nordestinos. Isso faz com que a temática que envolva essa classe apareça mais no TikTok do que no Instagram ou no Facebook”, observou Malini. Dados de pesquisa do Opinion Box de junho indicam que 88% dos que usam a plataforma são das classes C, D e E.
No TikTok, Lula e Bolsonaro compartilham trechos de discursos, usam memes e fazem “trends” – nome dado para vídeos que são “tendência”, cujo formato é amplamente reproduzido ou adaptado por outros usuários.
O petista tenta se adaptar à linguagem da rede. Um de seus primeiros vídeos traz o ex-presidente dançando “sarrada”. Ele fala, ainda, de temas de interesse do público universitário, como o Programa Universidade para Todos (ProUni).
Bolsonaro, por sua vez, concentra sua produção em recortes de discursos e lives que costuma fazer semanalmente, além de reproduzir conversas com apoiadores. “Bolsonaro se elegeu a partir de uma comunicação digital agressiva. Eleito, ele não deixou as redes. No caso de Lula, a entrada foi mais demorada”, disse a professora Luciana Panke, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Como mostrou o Estadão em junho, desde o começo do ano citações a Lula tiveram 63% mais postagens, que também passaram a ser mais vistas pelos usuários, ainda que em menor proporção – as visualizações cresceram 33% no período. Bolsonaro também viu o número de menções aumentar 40%, mas registrou 7% menos visualizações. A publicação com mais curtidas de Lula é uma trend com sua mulher, Rosângela da Silva, a Janja: 251 mil. Ao provocar a cantora Anitta, Bolsonaro conseguiu a publicação com mais curtidas em julho: 581 mil.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) dá preferência a cortes em podcasts em que discorre sobre política e economia. Ele começou a publicar vídeos em abril de 2021 e tem 197 mil seguidores. Com presença mais tímida na plataforma, Simone Tebet (MDB-MS) intercala imagens de campanha e trechos de discursos e entrevistas. Com 4,5 mil seguidores, a senadora é a única que não tem perfil verificado.
O TikTok foi uma das empresas que firmaram memorando de entendimento com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para elaborar ações contra a desinformação no período eleitoral. Cerca de 4,8 milhões de vídeos foram removidos pelo aplicativo entre o segundo trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2022, conforme a plataforma.
No Brasil, a rede social recebeu 60 solicitações de informação – 58 judiciais e duas emergenciais – envolvendo 204 contas. Ainda não houve remoção de conteúdo ou de contas no TikTok a pedido da Justiça.
Para o professor Malini, as principais candidaturas ainda dão preferência para a TV, mas a facilidade de produção e o maior número de influenciadores em comparação a 2018 podem causar um novo fenômeno.
“Pode acontecer algo inverso no TikTok: a aproximação de jovens dos políticos. Temos um número maior de influenciadores com grandes audiências, e esse pode ser o fator-surpresa das eleições”, disse Malini. “As campanhas têm de ser mais abertas para incorporar aquilo que vem dos eleitores, que se transformam em fãs.”
Concorrente chinês tem como atrativo público mais velho
Terceiro aplicativo mais baixado no Brasil no ano passado, a plataforma de vídeos Kwai, também chinesa, rivaliza com o TikTok. Com uma base de mais de 45 milhões de usuários ativos por mês no País, o Kwai concentra público acima dos 25 anos – mais velho que o do TikTok.
“A plataforma tem forte presença no Norte e Nordeste e fora dos centros urbanos”, disse o diretor do Kwai Brasil, Wanderley Mariz. Para a professora Luciana Panke, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e líder do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL), a abrangência da plataforma explica o interesse de candidatos. “Quem concorre à Presidência precisa dialogar com pessoas de todas as faixas etárias e de renda.”
Jair Bolsonaro (PL) possui 1,6 milhão de seguidores na plataforma. Ciro Gomes (PDT) tem 500 mil; Lula (PT), 180 mil; e André Janones (Avante), 160 mil. / DANIEL VILA NOVA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO