O título parece até mensagem de um golpe. Mas é possível, sim, no Brasil, ganhar uma aposentadoria de R$ 43 mil pelo resto da vida pelo trabalho de dez meses. Basta ter sido governador do Paraná.
Enquanto os brasileiros que contribuem para o INSS precisam comprovar pelo menos 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres) de contribuição para ter direito à aposentadoria de, no máximo, R$ 7,5 mil – sem contar os pedágios colocados pelas regras de transição da reforma da Previdência –, ex-governadores do Paraná voltaram a receber neste ano uma “aposentadoria especial”, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como mostrou o Estadão, Roberto Requião ficou sem o benefício e recorreu ao STF. Com patrimônio de quase R$ 1 milhão declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Requião alegou que precisa voltar a receber o dinheiro para garantir a sua “subsistência”. Ele foi governador do Paraná por três mandatos – o último encerrado em 2010, há, portanto, 13 anos.
Já João Elísio Ferraz de Campos, que já recebe os R$ 43 mil todo mês desde maio, governou o Estado por pouco mais de dez meses, de maio de 1986 a março de 1987. A regra para o pagamento do benefício está prevista na Constituição do Paraná, que define como direito dos ex-governadores e de suas eventuais viúvas o recebimento de uma pensão vitalícia equivalente ao que recebe mensalmente um desembargador do Estado, cujo salário pode chegar a até R$ 43 mil por mês.
É claro que, além de Requião, outros ex-governadores e respectivas viúvas foram pedir ao STF o mesmo tratamento. No mesmo dia que Requião ingressou com a ação, três ex-chefes do Executivo da Paraíba e quatro viúvas recorreram da decisão do próprio Supremo que tinha entendido o pagamento como inconstitucional. Eles alegaram “vulnerabilidade” para pedir pensão de até R$ 31 mil, mesmo com patrimônios declarados de R$ 1,7 milhão a R$ 3,2 milhões, além de ainda atuarem na política, o que lhes garante outras fontes de renda.
A lista de viúvas ainda incluía uma desembargadora do Tribunal de Justiça da Paraíba que recebe, em média, R$ 62,5 mil por mês. Após a publicação da reportagem, ela desistiu da ação. O patrimônio de Fátima Bezerra Maranhão, ex-mulher do ex-governador José Maranhão, soma ao menos R$ 8 milhões.
“As viúvas dos ex-governadores se dedicavam bastante ou quase que exclusivamente ao digno e nobre papel de primeira-dama”, alega a ação ao STF ao defender o benefício para quem nem foi eleito e não cumpriu nenhum mandato. Para os “pobres mortais” que recebem pensão por morte de um segurado do INSS, que só pode se aposentar com 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres), o tratamento é muito diferente. Se não tiver filhos, recebe, no máximo 60% do valor da aposentadoria do cônjuge que morreu – o que garantiria hoje, no máximo, R$ 4,5 mil.
Como se vê, mesmo após a reforma da Previdência, que foi aprovada em 2019 tendo como uma das bandeiras o combate aos privilégios, ainda há no Brasil um sistema de castas. De um lado, uma multidão de segurados tenta garantir do STF o direito de aplicar uma regra mais vantajosa para o recálculo dos benefícios, incluindo as remunerações de antes do Plano Real. Do outro, o mesmo Supremo dá o direito de “aposentadorias especiais” quase seis vezes maior que o teto do INSS a uma dezena de pessoas com o argumento de que não há “cruzada moral” que justifique o fim dos “benefícios recebidos de boa-fé durante décadas por pessoas idosas, sem condições de reinserção no mercado de trabalho”.
Isso mostra que não é o senhor Andrelino Vieira da Silva o “terror do INSS”, como ficou conhecido o aposentado de Aparecida de Goiás (GO), que completou 122 anos, depois de ganhar no ano passado uma festa temática ironizando o órgão. Esses privilégios injustificáveis para o “andar de cima” é que são, parafraseando o mestre Elio Gaspari, o “terror” das contas da Viúva.