Na última sexta, 27, procuradores de Curitiba entregaram à juíza Carolina Lebbos uma manifestação pedindo a transferência de Luiz Inácio Lula da Silva para o regime semiaberto. Na tarde dessa segunda, 30, entretanto, o ex-presidente publicou carta escrita à mão, na qual se recusa a “barganhar” seus direitos e sua liberdade. Analistas ouvidos pelo Estado ponderam quais os cenários possíveis para o líder petista, sentenciado em julho de 2017 a nove anos e seis meses de prisão no caso do triplex no Guarujá.
Já em janeiro de 2018, a condenação do então juiz Sérgio Moro foi confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que aumentou a sentença de Lula para 12 anos e um mês de prisão. Após a manifestação de sexta, o ex-presidente reforçou o discurso de que “não troca sua dignidade por sua liberdade”, mesmo que sua defesa ainda não tenha se manifestado oficialmente sobre o pedido dos procuradores. Nesta terça-feira, 1º, a Polícia Federal informou à Justiça que Lula teve “bom comportamento carcerário”.
Abaixo, especialistas ouvidos pelo Estado repercutem as possíveis decisões de Carolina Lebbos, as reações que podem ser tomadas por Lula e os desdobramentos legais em cada um dos cenários:
Juíza determina o regime semiaberto e Lula aceita
Mesmo que Lula concorde com o regime semiaberto, analistas apontam que ele provavelmente teria que cumprir pena em regime domiciliar, uma vez que o sistema penitenciário brasileiro não dispõe de muitas unidades com características de sala de Estado Maior, pedida pela defesa do ex-presidente. “Em regra, temos uma característica específica a partir do sistema de execução de pena, a partir da existência ou não de penitenciária que possa oferecer o regime semiaberto como previsto em lei”, explica Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ele aponta que, graças a essa carência do sistema, seria preciso abrir um modelo híbrido de sentença a partir de uma harmonização entre decisão judicial e lei: “Ele poderia ir para regime domiciliar com uma tornozeleira eletrônica. Se for o caso, seriam proibidas determinadas visitas e ele não poderia se ausentar da casa sem autorização etc. Não temos um precedente para isso, mas há casos semelhantes no mensalão, por exemplo”.
Naquele caso, entretanto, os condenados pelo esquema do mensalão cumpriam pena na Papuda, para onde retornavam à noite, após passarem o dia trabalhando. Entretanto, o professor afirma que a principal característica desse cenário seria a inexistência de uma penitenciária com características de sala de Estado Maior que abrigasse Lula.
Juíza determina regime semiaberto e Lula nega
Outro cenário duplamente “atípico” seria a recusa do ex-presidente em ir para o regime semiaberto: primeiro, porque o pedido para a progressão de pena não partiu dele, como réu; segundo, pela negativa à liberdade. “Esse é um caso que foge à prática. Mas discordo que poderia ser um crime de desobediência. E é um contrassenso entender que, descumprindo esse direito, ele estaria praticando um crime de desobediência”, afirma Florêncio Filho.
Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie
O advogado explica que o “benefício” estaria disponível para Lula porque o presidente cumpriu uma série de requisitos, como ter cumprido um sexto da pena, demonstrado bom comportamento na prisão (o que deve constar na avaliação pedida por Lebbos) e reparado dano ao patrimônio público, com o bloqueio dos seus bens. “Existe uma dificuldade de o direito operacionalizar essa prisão, ela só não será cumprida a partir da resistência física do ex-presidente”, afirma.
O professor aponta que Lula tem o direito de viver em sociedade por não ter sido condenado por um crime hediondo, como foi o caso de Suzane von Richthofen. Em 2014, a estudante também preferiu continuar em regime fechado.
“Muitas vezes, isso acontece por medo da pessoa de estar presa com alguém de facção criminosa rival. É uma situação interessante, porque a lei impõe um sistema de progressão no qual se espera que o condenado queira progredir, mas a lei não traz uma solução caso ele não queira”, observa Edson Knippel, sócio do escritório Knippel Advogados. “Na verdade, o semiaberto é um direito e ninguém é obrigado a exercê-lo”, reforça.
Para ele, o caso de Suzane e Lula se assemelham no que diz respeito à prerrogativa de decisão do réu: “A questão de ser crime hediondo ou não está sujeita à individualização da pena, de modo geral. Os requisitos para ela são mais rigorosos que no caso do Lula, mas no que diz respeito à vontade é parecido”, explica, acrescentando que “não é convencional o Ministério Público pedir a progressão de regime sem consultar o condenado”.
“Se o pedido é de alguém estranho ao condenado, evidentemente não foi verificada sua vontade a essa progressão. Quando é pedido por ele, evidentemente já há concordância”, explica Knippel.
Entretanto, Vera Chemim, constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, discorda do colega e é mais taxativa ao dizer que Lula não tem a prerrogativa de recusar sua transferência: “Se é determinado que ele faça a progressão de regime para o semiaberto ou mesmo para o aberto, ele teria que, a princípio, atender aquilo que prevê a lei ou aquilo que as instituições competentes determinam”.
Seu entendimento é repetido pelo criminalista João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal e Econômico da Escola de Direito do Brasil (EDB). “Em nenhum momento a lei diz que a progressão é uma opção, uma faculdade. Se o preso diz que não aceita as condições, isso pode ser interpretado como um empecilho para a progressão. Apesar de a lei afirmar que o cumprimento de pena ocorrerá com o regime de progressão, ela também diz que isso só ocorre com o cumprimento de condições”, explica.
Juíza não concede regime semiaberto
É unanimidade o entendimento de que, caso Carolina Lebbos não conceda o regime semiaberto a Lula após provado o cumprimento dos requisitos, o Ministério Público poderia recorrer da decisão. “O pleito teria sido negado e os requisitos previstos não foram observados pelo magistrado. Isso é um direito subjetivo do réu e por isso a transgressão desse direito deve ser observada pelas instâncias superiores”, afirma Florêncio Filho.
Knippel explica que Lebbos precisaria formar sua decisão com base no bom comportamento do ex-presidente: “Para progressão, não basta apenas redução de pena. Então, a juíza teria que fundamentar em cima disso, e essa decisão estaria sujeita a recurso para que o TRF4 se manifestasse a respeito”.