TSE vai repetir medidas sem eficácia para combater fake news em 2022


Tribunal adota parte da estratégia derrotada nas eleições de 2018; Corte não apresentou tática para frear a circulação de desinformação nas redes sociais

Por Weslley Galzo

BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai repetir neste ano medidas de combate às fake news que não tiveram êxito nas eleições presidenciais passadas e tentar outras ações para evitar a enxurrada de notícias falsas. As novas medidas, porém, são vistas com desconfiança por especialistas ouvidos pelo Estadão.

Durante todo o ano de 2021, o TSE concentrou esforços no enfrentamento à campanha de inverdades capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parlamentares bolsonaristas contra a urna eletrônica. Mesmo fora do período eleitoral, o grupo político do chefe do Executivo recorreu a ideias distorcidas para defender algumas de suas propostas ou atacar adversários.

Ações idealizadas para combater notícias falsas na disputa de 2022, como a Comissão de Fiscalização e Transparência das Eleições, acabaram sendo aplicadas ainda no ano passado para frear a agenda governista, que pôs sob suspeita o sistema eletrônico de votação, sem apresentar provas.

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Sede do TSE, em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A Comissão foi criada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, com o objetivo de aprimorar a fiscalização e auditoria do processo eleitoral, em especial das urnas eletrônicas, e ampliar o acesso público às etapas de preparação das eleições. Até o momento, porém, o grupo não conseguiu alterar de forma substancial a dinâmica de notícias falsas nas redes sociais nem mesmo em relação ao sistema eletrônico de votação. Além disso, ao criar a comissão, o tribunal repete a principal estratégia fracassada em 2018: a aposta em comissões temáticas para lidar com as redes de difusão de mentiras.

Em 2017, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, o TSE montou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições para discutir formas de coibir a proliferação de notícias falsas nas redes sociais. Nas eleições do ano seguinte, em 2018, quando Rosa Weber atuou como presidente, este foi o principal instrumento do tribunal contra a desinformação, mas o grupo fracassou em apresentar respostas eficazes às fake news que dominaram a disputa.

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O Ministério Público, o Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia Federal e o Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros, compunham o conselho. O grupo tinha como principal objetivo avaliar o risco de fake news e o uso de robôs para disseminação da desinformação durante a campanha. Apesar da presença de autoridades focadas em coibir tais práticas, houve disparos em massa de mensagens em benefício do então candidato Jair Bolsonaro, como atestou o TSE durante o julgamento de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

TSEtraçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente amilícias digitais. Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para este ano, além da comissão temática, a Corte traçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente às milícias digitais. Especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, disseram não existir garantias de que as iniciativas surtirão o efeito desejado. Um exemplo é o processo de tratativa com as redes sociais para conter as notícias falsas.

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Sob o comando do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, o TSE se aproximou das empresas de tecnologia responsáveis pelo funcionamento das plataformas digitais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook no País. Mas, embora tenham sido adotadas medidas de ataque ao poder econômico dos propagadores de notícias falsas, como a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, as negociações coletivas deixaram de fora dois dos principais redutos bolsonaristas nas redes sociais: os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram. Apesar de não remunerarem financeiramente os produtores de conteúdo - e por isso não terem sido convocados pelos TSE para as reuniões -, ambos permitem a circulação de links com conteúdos falsos oriundos de outras plataformas. 

Ao Estadão, o WhatsApp informou que retomou reuniões de trabalho com o TSE no segundo semestre de 2021 e que em 2022 “seguirá como parceiro prioritário do Tribunal Superior Eleitoral, seguindo a liderança da instituição no trabalho para combater notícias falsas e assegurar que os eleitores tenham acesso a informações confiáveis e oficiais”. 

Além disso, não foram formalizados compromissos das empresas em reformular suas políticas para conter o ambiente hostil nas redes sociais. Como mostrou o Estadão, redes sociais como o Telegram e o Gettr ­­– aplicativo semelhante ao Twitter que atraiu a extrema-direita pela falta de moderação de conteúdo – setornaram abrigo de bolsonaristas foragidos da Justiça, como o blogueiro Allan dos Santos, e têm se notabilizado por ser espaços de livre circulação de notícias falsas.

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Telegram

Na avaliação de Carlos Affonso Souza, professor de Direito e Tecnologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a rede social representa um dos problemas anunciados para as eleições deste ano e deve ser contestada a tempo de evitar problemas como os observados em disputas anteriores. “É importante levar a sério o papel do Telegram. Ele não respondeu às solicitações de informações da CPI da Covid, não tem se mostrado responsivo às demandas de diversos órgãos no Brasil. Esse é um ponto de atenção”, afirmou Souza.

Grupo no MPF quer impedir propaganda eleitoral pelo aplicativo russo pelo fato dele não ter representação no Brasil e não cumprir ordens da Justiça. Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration
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No fim do ano passado, o TSE apresentou uma nova iniciativa para garantir soluções mais eficazes do que as de 2018 no enfrentamento às redes de desinformação na internet. O tribunal aprovou, por unanimidade, resoluções sobre o funcionamento das propagandas eleitorais. No texto, os ministros estabelecem pena de prisão de dois meses a um ano a cidadãos comuns e candidatos que veicularem notícias falsas contendo calúnia, difamação e injúria para beneficiar candidaturas, partidos e federações.

A Corte, porém, não atacou outros tipos de distorções que não necessariamente se enquadram em crimes já previstos no Código de Processo Penal, como o fenômeno observado em 2018 de atribuir projetos de lei inexistentes a determinados candidatos.

O Estadão apurou que o tribunal previa discutir e aprovar um modelo de regulação que definisse parâmetros para cortar repasses financeiros a canais e páginas responsáveis pela veiculação de notícias falsas nas redes sociais. Até agora, porém, a ideia não foi levada adiante. A proposta vinha sendo negociada ao longo do ano pelo ex-corregedor-geral da Justiça Eleitoral Luis Felipe Salomão com os representantes das empresas de redes sociais no País. O ministro deixou a Corte em outubro e passou o controle das discussões para o novo corregedor, Mauro Campbell Marques.

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Desde que assumiu a gestão da Corregedoria Geral, o magistrado não realizou reuniões públicas com as big techs, mas, segundo interlocutores, pretendia avançar no projeto de regulação para garantir um instrumento de ataque à fonte financeira da desinformação durante as eleições.

O coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abrabep), Luís Fernando Pereira, afirma que o TSE falhou, em 2018, por apostar numa resposta jurisdicional. “Toda vez que havia fake news, havia a necessidade de propor uma ação judicial, que merecia parecer do Ministério Público e decisão judicial. Mas o tempo orgânico do processo é incapaz de concorrer com a velocidade das fake news”, avaliou. “O novo ecossistema onde convivem as fake news é incompatível com a reação mais lenta do Judiciário.”

Para a pesquisadora Flávia Lefèvre, do coletivo de internet e comunicação Intervozes, as negociações com as empresas ficaram aquém do ideal para combater a desinformação em ano eleitoral, sobretudo porque não garantiram acordos para limitar a distribuição de conteúdo mentiroso.

Fantasmas

Durante as eleições deste ano, o Facebook e o Instagram vão adotar tarjas que levam diretamente ao site do TSE para informações confiáveis sobre o pleito, o que não impede a replicação de conteúdo mentiroso. “As reuniões do TSE com as redes sociais fazem um efeito relativo, porque a falta de transparência algorítmica por parte dessas empresas é um empecilho para que qualquer acordo tenha um efeito plenamente positivo”, destacou Lefèvre. “É possível minimizar os prejuízos, mas a falta de abertura aos algoritmos utilizados para gerenciar conteúdos reduzem a importância dos acordos que podem ser feitos.”

Carlos Affonso Souza observou, no entanto, que os eventuais erros do tribunal, há quatro anos, devem ser corrigidos a tempo de as autoridades focarem nos problemas que já se anunciam para 2022. “O risco é que o sentimento de que o TSE teria ficado aquém em 2018 faça com que todas as iniciativas que venham a ser aplicadas em 2022 estejam com os olhos em 2018. Seria um grande equívoco. Seria não aprender com as lições de 2018 e não aprender com o fato de que a tecnologia se transforma”, disse Souza. “A pauta deste ano não pode ser simplesmente correr atrás dos fantasmas do que poderia ter sido feito nas últimas eleições nacionais.”

Procurados pela reportagem, o Facebook e o Instagram confirmaram a adoção dos “rótulos de propaganda eleitoral” para garantir a checagem de informações na rede social durante a campanha deste ano. O TSE não respondeu aos questionamentos enviados pelo Estadão.

BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai repetir neste ano medidas de combate às fake news que não tiveram êxito nas eleições presidenciais passadas e tentar outras ações para evitar a enxurrada de notícias falsas. As novas medidas, porém, são vistas com desconfiança por especialistas ouvidos pelo Estadão.

Durante todo o ano de 2021, o TSE concentrou esforços no enfrentamento à campanha de inverdades capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parlamentares bolsonaristas contra a urna eletrônica. Mesmo fora do período eleitoral, o grupo político do chefe do Executivo recorreu a ideias distorcidas para defender algumas de suas propostas ou atacar adversários.

Ações idealizadas para combater notícias falsas na disputa de 2022, como a Comissão de Fiscalização e Transparência das Eleições, acabaram sendo aplicadas ainda no ano passado para frear a agenda governista, que pôs sob suspeita o sistema eletrônico de votação, sem apresentar provas.

Sede do TSE, em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A Comissão foi criada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, com o objetivo de aprimorar a fiscalização e auditoria do processo eleitoral, em especial das urnas eletrônicas, e ampliar o acesso público às etapas de preparação das eleições. Até o momento, porém, o grupo não conseguiu alterar de forma substancial a dinâmica de notícias falsas nas redes sociais nem mesmo em relação ao sistema eletrônico de votação. Além disso, ao criar a comissão, o tribunal repete a principal estratégia fracassada em 2018: a aposta em comissões temáticas para lidar com as redes de difusão de mentiras.

Em 2017, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, o TSE montou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições para discutir formas de coibir a proliferação de notícias falsas nas redes sociais. Nas eleições do ano seguinte, em 2018, quando Rosa Weber atuou como presidente, este foi o principal instrumento do tribunal contra a desinformação, mas o grupo fracassou em apresentar respostas eficazes às fake news que dominaram a disputa.

O Ministério Público, o Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia Federal e o Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros, compunham o conselho. O grupo tinha como principal objetivo avaliar o risco de fake news e o uso de robôs para disseminação da desinformação durante a campanha. Apesar da presença de autoridades focadas em coibir tais práticas, houve disparos em massa de mensagens em benefício do então candidato Jair Bolsonaro, como atestou o TSE durante o julgamento de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

TSEtraçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente amilícias digitais. Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para este ano, além da comissão temática, a Corte traçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente às milícias digitais. Especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, disseram não existir garantias de que as iniciativas surtirão o efeito desejado. Um exemplo é o processo de tratativa com as redes sociais para conter as notícias falsas.

Sob o comando do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, o TSE se aproximou das empresas de tecnologia responsáveis pelo funcionamento das plataformas digitais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook no País. Mas, embora tenham sido adotadas medidas de ataque ao poder econômico dos propagadores de notícias falsas, como a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, as negociações coletivas deixaram de fora dois dos principais redutos bolsonaristas nas redes sociais: os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram. Apesar de não remunerarem financeiramente os produtores de conteúdo - e por isso não terem sido convocados pelos TSE para as reuniões -, ambos permitem a circulação de links com conteúdos falsos oriundos de outras plataformas. 

Ao Estadão, o WhatsApp informou que retomou reuniões de trabalho com o TSE no segundo semestre de 2021 e que em 2022 “seguirá como parceiro prioritário do Tribunal Superior Eleitoral, seguindo a liderança da instituição no trabalho para combater notícias falsas e assegurar que os eleitores tenham acesso a informações confiáveis e oficiais”. 

Além disso, não foram formalizados compromissos das empresas em reformular suas políticas para conter o ambiente hostil nas redes sociais. Como mostrou o Estadão, redes sociais como o Telegram e o Gettr ­­– aplicativo semelhante ao Twitter que atraiu a extrema-direita pela falta de moderação de conteúdo – setornaram abrigo de bolsonaristas foragidos da Justiça, como o blogueiro Allan dos Santos, e têm se notabilizado por ser espaços de livre circulação de notícias falsas.

Telegram

Na avaliação de Carlos Affonso Souza, professor de Direito e Tecnologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a rede social representa um dos problemas anunciados para as eleições deste ano e deve ser contestada a tempo de evitar problemas como os observados em disputas anteriores. “É importante levar a sério o papel do Telegram. Ele não respondeu às solicitações de informações da CPI da Covid, não tem se mostrado responsivo às demandas de diversos órgãos no Brasil. Esse é um ponto de atenção”, afirmou Souza.

Grupo no MPF quer impedir propaganda eleitoral pelo aplicativo russo pelo fato dele não ter representação no Brasil e não cumprir ordens da Justiça. Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration

No fim do ano passado, o TSE apresentou uma nova iniciativa para garantir soluções mais eficazes do que as de 2018 no enfrentamento às redes de desinformação na internet. O tribunal aprovou, por unanimidade, resoluções sobre o funcionamento das propagandas eleitorais. No texto, os ministros estabelecem pena de prisão de dois meses a um ano a cidadãos comuns e candidatos que veicularem notícias falsas contendo calúnia, difamação e injúria para beneficiar candidaturas, partidos e federações.

A Corte, porém, não atacou outros tipos de distorções que não necessariamente se enquadram em crimes já previstos no Código de Processo Penal, como o fenômeno observado em 2018 de atribuir projetos de lei inexistentes a determinados candidatos.

O Estadão apurou que o tribunal previa discutir e aprovar um modelo de regulação que definisse parâmetros para cortar repasses financeiros a canais e páginas responsáveis pela veiculação de notícias falsas nas redes sociais. Até agora, porém, a ideia não foi levada adiante. A proposta vinha sendo negociada ao longo do ano pelo ex-corregedor-geral da Justiça Eleitoral Luis Felipe Salomão com os representantes das empresas de redes sociais no País. O ministro deixou a Corte em outubro e passou o controle das discussões para o novo corregedor, Mauro Campbell Marques.

Desde que assumiu a gestão da Corregedoria Geral, o magistrado não realizou reuniões públicas com as big techs, mas, segundo interlocutores, pretendia avançar no projeto de regulação para garantir um instrumento de ataque à fonte financeira da desinformação durante as eleições.

O coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abrabep), Luís Fernando Pereira, afirma que o TSE falhou, em 2018, por apostar numa resposta jurisdicional. “Toda vez que havia fake news, havia a necessidade de propor uma ação judicial, que merecia parecer do Ministério Público e decisão judicial. Mas o tempo orgânico do processo é incapaz de concorrer com a velocidade das fake news”, avaliou. “O novo ecossistema onde convivem as fake news é incompatível com a reação mais lenta do Judiciário.”

Para a pesquisadora Flávia Lefèvre, do coletivo de internet e comunicação Intervozes, as negociações com as empresas ficaram aquém do ideal para combater a desinformação em ano eleitoral, sobretudo porque não garantiram acordos para limitar a distribuição de conteúdo mentiroso.

Fantasmas

Durante as eleições deste ano, o Facebook e o Instagram vão adotar tarjas que levam diretamente ao site do TSE para informações confiáveis sobre o pleito, o que não impede a replicação de conteúdo mentiroso. “As reuniões do TSE com as redes sociais fazem um efeito relativo, porque a falta de transparência algorítmica por parte dessas empresas é um empecilho para que qualquer acordo tenha um efeito plenamente positivo”, destacou Lefèvre. “É possível minimizar os prejuízos, mas a falta de abertura aos algoritmos utilizados para gerenciar conteúdos reduzem a importância dos acordos que podem ser feitos.”

Carlos Affonso Souza observou, no entanto, que os eventuais erros do tribunal, há quatro anos, devem ser corrigidos a tempo de as autoridades focarem nos problemas que já se anunciam para 2022. “O risco é que o sentimento de que o TSE teria ficado aquém em 2018 faça com que todas as iniciativas que venham a ser aplicadas em 2022 estejam com os olhos em 2018. Seria um grande equívoco. Seria não aprender com as lições de 2018 e não aprender com o fato de que a tecnologia se transforma”, disse Souza. “A pauta deste ano não pode ser simplesmente correr atrás dos fantasmas do que poderia ter sido feito nas últimas eleições nacionais.”

Procurados pela reportagem, o Facebook e o Instagram confirmaram a adoção dos “rótulos de propaganda eleitoral” para garantir a checagem de informações na rede social durante a campanha deste ano. O TSE não respondeu aos questionamentos enviados pelo Estadão.

BRASÍLIA - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai repetir neste ano medidas de combate às fake news que não tiveram êxito nas eleições presidenciais passadas e tentar outras ações para evitar a enxurrada de notícias falsas. As novas medidas, porém, são vistas com desconfiança por especialistas ouvidos pelo Estadão.

Durante todo o ano de 2021, o TSE concentrou esforços no enfrentamento à campanha de inverdades capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parlamentares bolsonaristas contra a urna eletrônica. Mesmo fora do período eleitoral, o grupo político do chefe do Executivo recorreu a ideias distorcidas para defender algumas de suas propostas ou atacar adversários.

Ações idealizadas para combater notícias falsas na disputa de 2022, como a Comissão de Fiscalização e Transparência das Eleições, acabaram sendo aplicadas ainda no ano passado para frear a agenda governista, que pôs sob suspeita o sistema eletrônico de votação, sem apresentar provas.

Sede do TSE, em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A Comissão foi criada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, com o objetivo de aprimorar a fiscalização e auditoria do processo eleitoral, em especial das urnas eletrônicas, e ampliar o acesso público às etapas de preparação das eleições. Até o momento, porém, o grupo não conseguiu alterar de forma substancial a dinâmica de notícias falsas nas redes sociais nem mesmo em relação ao sistema eletrônico de votação. Além disso, ao criar a comissão, o tribunal repete a principal estratégia fracassada em 2018: a aposta em comissões temáticas para lidar com as redes de difusão de mentiras.

Em 2017, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, o TSE montou o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições para discutir formas de coibir a proliferação de notícias falsas nas redes sociais. Nas eleições do ano seguinte, em 2018, quando Rosa Weber atuou como presidente, este foi o principal instrumento do tribunal contra a desinformação, mas o grupo fracassou em apresentar respostas eficazes às fake news que dominaram a disputa.

O Ministério Público, o Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia Federal e o Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros, compunham o conselho. O grupo tinha como principal objetivo avaliar o risco de fake news e o uso de robôs para disseminação da desinformação durante a campanha. Apesar da presença de autoridades focadas em coibir tais práticas, houve disparos em massa de mensagens em benefício do então candidato Jair Bolsonaro, como atestou o TSE durante o julgamento de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

TSEtraçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente amilícias digitais. Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para este ano, além da comissão temática, a Corte traçou ações administrativas e jurídicas, na tentativa de fazer frente às milícias digitais. Especialistas ouvidos pelo Estadão, porém, disseram não existir garantias de que as iniciativas surtirão o efeito desejado. Um exemplo é o processo de tratativa com as redes sociais para conter as notícias falsas.

Sob o comando do então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, o TSE se aproximou das empresas de tecnologia responsáveis pelo funcionamento das plataformas digitais YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook no País. Mas, embora tenham sido adotadas medidas de ataque ao poder econômico dos propagadores de notícias falsas, como a desmonetização de canais e páginas que propagam fake news, as negociações coletivas deixaram de fora dois dos principais redutos bolsonaristas nas redes sociais: os aplicativos de mensagem WhatsApp e Telegram. Apesar de não remunerarem financeiramente os produtores de conteúdo - e por isso não terem sido convocados pelos TSE para as reuniões -, ambos permitem a circulação de links com conteúdos falsos oriundos de outras plataformas. 

Ao Estadão, o WhatsApp informou que retomou reuniões de trabalho com o TSE no segundo semestre de 2021 e que em 2022 “seguirá como parceiro prioritário do Tribunal Superior Eleitoral, seguindo a liderança da instituição no trabalho para combater notícias falsas e assegurar que os eleitores tenham acesso a informações confiáveis e oficiais”. 

Além disso, não foram formalizados compromissos das empresas em reformular suas políticas para conter o ambiente hostil nas redes sociais. Como mostrou o Estadão, redes sociais como o Telegram e o Gettr ­­– aplicativo semelhante ao Twitter que atraiu a extrema-direita pela falta de moderação de conteúdo – setornaram abrigo de bolsonaristas foragidos da Justiça, como o blogueiro Allan dos Santos, e têm se notabilizado por ser espaços de livre circulação de notícias falsas.

Telegram

Na avaliação de Carlos Affonso Souza, professor de Direito e Tecnologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a rede social representa um dos problemas anunciados para as eleições deste ano e deve ser contestada a tempo de evitar problemas como os observados em disputas anteriores. “É importante levar a sério o papel do Telegram. Ele não respondeu às solicitações de informações da CPI da Covid, não tem se mostrado responsivo às demandas de diversos órgãos no Brasil. Esse é um ponto de atenção”, afirmou Souza.

Grupo no MPF quer impedir propaganda eleitoral pelo aplicativo russo pelo fato dele não ter representação no Brasil e não cumprir ordens da Justiça. Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration

No fim do ano passado, o TSE apresentou uma nova iniciativa para garantir soluções mais eficazes do que as de 2018 no enfrentamento às redes de desinformação na internet. O tribunal aprovou, por unanimidade, resoluções sobre o funcionamento das propagandas eleitorais. No texto, os ministros estabelecem pena de prisão de dois meses a um ano a cidadãos comuns e candidatos que veicularem notícias falsas contendo calúnia, difamação e injúria para beneficiar candidaturas, partidos e federações.

A Corte, porém, não atacou outros tipos de distorções que não necessariamente se enquadram em crimes já previstos no Código de Processo Penal, como o fenômeno observado em 2018 de atribuir projetos de lei inexistentes a determinados candidatos.

O Estadão apurou que o tribunal previa discutir e aprovar um modelo de regulação que definisse parâmetros para cortar repasses financeiros a canais e páginas responsáveis pela veiculação de notícias falsas nas redes sociais. Até agora, porém, a ideia não foi levada adiante. A proposta vinha sendo negociada ao longo do ano pelo ex-corregedor-geral da Justiça Eleitoral Luis Felipe Salomão com os representantes das empresas de redes sociais no País. O ministro deixou a Corte em outubro e passou o controle das discussões para o novo corregedor, Mauro Campbell Marques.

Desde que assumiu a gestão da Corregedoria Geral, o magistrado não realizou reuniões públicas com as big techs, mas, segundo interlocutores, pretendia avançar no projeto de regulação para garantir um instrumento de ataque à fonte financeira da desinformação durante as eleições.

O coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abrabep), Luís Fernando Pereira, afirma que o TSE falhou, em 2018, por apostar numa resposta jurisdicional. “Toda vez que havia fake news, havia a necessidade de propor uma ação judicial, que merecia parecer do Ministério Público e decisão judicial. Mas o tempo orgânico do processo é incapaz de concorrer com a velocidade das fake news”, avaliou. “O novo ecossistema onde convivem as fake news é incompatível com a reação mais lenta do Judiciário.”

Para a pesquisadora Flávia Lefèvre, do coletivo de internet e comunicação Intervozes, as negociações com as empresas ficaram aquém do ideal para combater a desinformação em ano eleitoral, sobretudo porque não garantiram acordos para limitar a distribuição de conteúdo mentiroso.

Fantasmas

Durante as eleições deste ano, o Facebook e o Instagram vão adotar tarjas que levam diretamente ao site do TSE para informações confiáveis sobre o pleito, o que não impede a replicação de conteúdo mentiroso. “As reuniões do TSE com as redes sociais fazem um efeito relativo, porque a falta de transparência algorítmica por parte dessas empresas é um empecilho para que qualquer acordo tenha um efeito plenamente positivo”, destacou Lefèvre. “É possível minimizar os prejuízos, mas a falta de abertura aos algoritmos utilizados para gerenciar conteúdos reduzem a importância dos acordos que podem ser feitos.”

Carlos Affonso Souza observou, no entanto, que os eventuais erros do tribunal, há quatro anos, devem ser corrigidos a tempo de as autoridades focarem nos problemas que já se anunciam para 2022. “O risco é que o sentimento de que o TSE teria ficado aquém em 2018 faça com que todas as iniciativas que venham a ser aplicadas em 2022 estejam com os olhos em 2018. Seria um grande equívoco. Seria não aprender com as lições de 2018 e não aprender com o fato de que a tecnologia se transforma”, disse Souza. “A pauta deste ano não pode ser simplesmente correr atrás dos fantasmas do que poderia ter sido feito nas últimas eleições nacionais.”

Procurados pela reportagem, o Facebook e o Instagram confirmaram a adoção dos “rótulos de propaganda eleitoral” para garantir a checagem de informações na rede social durante a campanha deste ano. O TSE não respondeu aos questionamentos enviados pelo Estadão.

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