Um novo crime na política: a violência contra candidatas ou mulheres eleitas


Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas

Por Marcelo Godoy

Primeira mulher a ocupar a prefeitura de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a delegada Ana Tarouco estava habituada a investigar casos da Lei Maria da Penha. Loira, de 41 anos e divorciada, ela coordenava a Polícia Civil naquela região da fronteira com o Uruguai. Filiou-se ao DEM e venceu a eleição de 2020 destacando seu campo político: “Sou de direita”. Um ano depois de assumir, a delegada se tornou uma das primeiras vítimas de um novo crime: a violência contra mulheres candidatas ou eleitas no País.

Constituído pela Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral no ano passado, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas desse crime e de outro, também criado pelo Congresso em 2021: o de violência política contra mulheres em geral. “Esse tema merece atenção das instituições. O combate a essas condutas é uma das prioridades da subprocuradora-geral eleitoral”, disse a coordenadora do grupo, a procuradora regional da República Raquel Branquinho.

A prefeita Ana Tarouco, de Sant'Ana do Livramento/RS, diz: 'Entendo por que as mulheres não querem ir para a política (...) A sociedade não tem limites com as mulheres.' Foto: Ascom/Sant'Ana do Livramento
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O primeiro dos novos delitos foi estabelecido em agosto de 2021, durante a reforma da lei eleitoral. Ele tornou crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor. A pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Um mês depois, os parlamentares criaram outro crime, ainda mais grave, dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático. Ele é mais amplo e pune quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena, neste caso, vai de 3 a 6 anos de cadeia.

“Estamos fazendo um trabalho de conscientização sobre o seu uso (da legislação) por meio do grupo de trabalho”, afirmou Raquel Branquinho. A procuradora encaminha representações para as procuradorias eleitorais estaduais sobre casos que chegaram ao conhecimento do grupo. “Noventa e nove por cento dos casos é de competência da Justiça Eleitoral de 1.º grau.” Como são delitos eleitorais ou de competência da Justiça Federal, normalmente é a Polícia Federal que investiga esses casos.

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Casos

O primeiro deles registrado pela procuradoria envolveu a vereadora Katyene Leite (PTB), em Pedrinhas, no Maranhão. Ela foi impedida por um colega de usar o microfone na Câmara, em 6 de outubro de 2021. Seguiram-se outros nove casos envolvendo vereadoras, deputadas federais e uma prefeita em seis Estados e sete legendas (PTB, PSD, DEM, PT, PSOL Rede e PCdoB). O caso da vereadora do PTB seria enquadrado no delito da lei eleitoral.

Há um padrão cultural nesses casos identificado pela procuradoria: o acusado usa a condição de mulher para desmerecer ideias e projetos. Assim foi com Ana Tarouco. Ela estava viajando quando um vereador do PDT foi à tribuna da Câmara, na véspera do Dia Internacional da Mulher, e, ao comentar uma iniciativa da prefeita, afirmou que ela tinha um cérebro de “caroço de azeitona”. “A violência contra a mulher não é um ato isolado em si. Sou a primeira mulher eleita em uma região de fronteira.”

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O Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, coordenado pela procuradora regional da República Raquel Branquinho, faz um trabalho de conscientização pela aplicação da lei para punir a violência política contra mulheres. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Biquíni

Candidata pela primeira vez, ela concorreu com três ex-prefeitos. Os ataques, segundo Ana, começaram pouco depois da posse. “Uma vereadora disse que eu só recebo os ‘machos’ no gabinete. Isso é comportamento de autoridade pública?” Ela se queixa da falta de solidariedade dos vereadores. “Qualquer coisa que faço vira uma novela. Minhas férias viraram uma novela.”

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A prefeita esteve, em janeiro, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando foi fotografada de biquíni. As imagens foram distribuídas na cidade. “As pessoas falaram: ‘Olha lá, ela está de biquíni na praia’. Sim, estava de biquíni. Queriam que eu estivesse de burca?”

A prefeita não sabe quem tirou as fotos. “Daí tu não entras nas redes sociais porque não quer se indispor. Mas aí o que acontece? Mandam para minha mãe. Minha mãe fica horrorizada. Ela tem 80 anos. A sociedade não tem limites com as mulheres.” Ela também reclama de ter a vida privada devassada. “Não consigo sair à noite. Sou jovem, gosto de dançar, mas, em cinco minutos, está tudo nas redes.” Para Ana, a culpa é da realidade cultural, marcada pelo machismo. “Tenho uma trajetória para não ser reduzida a um caroço de azeitona.”

Na Câmara, tem o apoio de metade dos vereadores. A ofensa do caroço de azeitona trouxe a solidariedade de mulheres do PT. “Nesse momento não devemos ter partido, mas humanidade.” Na avaliação da prefeita, muitas mulheres não se ocupam da política porque a sociedade ainda pensa que elas devem se dedicar à casa e aos filhos. Santana do Livramento tem 80 mil habitantes. “Entendo por que as mulheres não querem ir para a política. Mas a política não é um jogo sem regras.”

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Ministério Público avalia como enquadrar o dano psicológico

Uma das tarefas mais difíceis no combate aos novos crimes contra as mulheres na política será enquadrar a violência psicológica. É o que pensam os procuradores da República. “A violência física e a sexual é mais fácil de provar por meio de laudos. O dano psicológico precisará também de laudo”, disse a procuradora e coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, Raquel Branquinho.

A procuradora entende que, nos casos de parlamentares diuturnamente ultrajadas, que não podem exercer sua função, a denúncia pode ser por violência política. Ela cita ainda o paralelo da Lei Maria da Penha. Outro caso relacionado pelo MPF envolve a vereadora Érika Hilton (PSOL), de 28 anos. Primeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo, ela recebeu mensagens de ódio. “Você vai morrer, satanás do inferno”, dizia uma delas. O caso está com a Polícia Federal. Érika conta que toda vez que vai se deslocar para um lugar, precisa verificar as condições de segurança. “Essa insegurança dificulta o contato com as bases.”

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A vereadora Érika Hilton é aprimeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo e recebeu mensagens de ódio. O caso está com a Polícia Federal. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Aplicação

O MPF ainda discute como enquadrar os casos. “Condutas severas que abalam estrutura democrática do País, vamos de violência política, da Lei de Defesa do Estado Democrático. As demais ofensas, usaremos a lei eleitoral”, disse Luis Carlos dos Santos Gonçalves, da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP).

A PRE-SP deve lançar um fórum contra a violência política. “A gente quer é criar um caminho fácil para que a vítima entre em contato conosco”, afirmou Gonçalves. Caminho semelhante foi tomado pela PRE do Rio, que criou uma área no site do órgão para denúncias de violência de gênero política.

“A vida da mulher na política é complicada. Elas sofrem violência nos partidos, sofrem com a falta de isonomia e apoio efetivo”, disse a procuradora regional eleitoral do Rio, Neide de Oliveira. Para ela, a competência para julgar os casos é da Justiça Federal. Só passaria à Justiça Eleitoral se a violência for praticada em razão da eleição.

Além dos casos de violência de gênero e racismo, a lei de violência política pode ser aplicada contra organizações criminosas, como as milícias no Rio. “Hoje em dia no estado democrático há algo mais violento do que um grupo paramilitar que mata e executa e tem domínio de território, restringindo direitos?” questionou a procuradora Raquel Branquinho.

Primeira mulher a ocupar a prefeitura de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a delegada Ana Tarouco estava habituada a investigar casos da Lei Maria da Penha. Loira, de 41 anos e divorciada, ela coordenava a Polícia Civil naquela região da fronteira com o Uruguai. Filiou-se ao DEM e venceu a eleição de 2020 destacando seu campo político: “Sou de direita”. Um ano depois de assumir, a delegada se tornou uma das primeiras vítimas de um novo crime: a violência contra mulheres candidatas ou eleitas no País.

Constituído pela Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral no ano passado, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas desse crime e de outro, também criado pelo Congresso em 2021: o de violência política contra mulheres em geral. “Esse tema merece atenção das instituições. O combate a essas condutas é uma das prioridades da subprocuradora-geral eleitoral”, disse a coordenadora do grupo, a procuradora regional da República Raquel Branquinho.

A prefeita Ana Tarouco, de Sant'Ana do Livramento/RS, diz: 'Entendo por que as mulheres não querem ir para a política (...) A sociedade não tem limites com as mulheres.' Foto: Ascom/Sant'Ana do Livramento

O primeiro dos novos delitos foi estabelecido em agosto de 2021, durante a reforma da lei eleitoral. Ele tornou crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor. A pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Um mês depois, os parlamentares criaram outro crime, ainda mais grave, dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático. Ele é mais amplo e pune quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena, neste caso, vai de 3 a 6 anos de cadeia.

“Estamos fazendo um trabalho de conscientização sobre o seu uso (da legislação) por meio do grupo de trabalho”, afirmou Raquel Branquinho. A procuradora encaminha representações para as procuradorias eleitorais estaduais sobre casos que chegaram ao conhecimento do grupo. “Noventa e nove por cento dos casos é de competência da Justiça Eleitoral de 1.º grau.” Como são delitos eleitorais ou de competência da Justiça Federal, normalmente é a Polícia Federal que investiga esses casos.

Casos

O primeiro deles registrado pela procuradoria envolveu a vereadora Katyene Leite (PTB), em Pedrinhas, no Maranhão. Ela foi impedida por um colega de usar o microfone na Câmara, em 6 de outubro de 2021. Seguiram-se outros nove casos envolvendo vereadoras, deputadas federais e uma prefeita em seis Estados e sete legendas (PTB, PSD, DEM, PT, PSOL Rede e PCdoB). O caso da vereadora do PTB seria enquadrado no delito da lei eleitoral.

Há um padrão cultural nesses casos identificado pela procuradoria: o acusado usa a condição de mulher para desmerecer ideias e projetos. Assim foi com Ana Tarouco. Ela estava viajando quando um vereador do PDT foi à tribuna da Câmara, na véspera do Dia Internacional da Mulher, e, ao comentar uma iniciativa da prefeita, afirmou que ela tinha um cérebro de “caroço de azeitona”. “A violência contra a mulher não é um ato isolado em si. Sou a primeira mulher eleita em uma região de fronteira.”

O Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, coordenado pela procuradora regional da República Raquel Branquinho, faz um trabalho de conscientização pela aplicação da lei para punir a violência política contra mulheres. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Biquíni

Candidata pela primeira vez, ela concorreu com três ex-prefeitos. Os ataques, segundo Ana, começaram pouco depois da posse. “Uma vereadora disse que eu só recebo os ‘machos’ no gabinete. Isso é comportamento de autoridade pública?” Ela se queixa da falta de solidariedade dos vereadores. “Qualquer coisa que faço vira uma novela. Minhas férias viraram uma novela.”

A prefeita esteve, em janeiro, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando foi fotografada de biquíni. As imagens foram distribuídas na cidade. “As pessoas falaram: ‘Olha lá, ela está de biquíni na praia’. Sim, estava de biquíni. Queriam que eu estivesse de burca?”

A prefeita não sabe quem tirou as fotos. “Daí tu não entras nas redes sociais porque não quer se indispor. Mas aí o que acontece? Mandam para minha mãe. Minha mãe fica horrorizada. Ela tem 80 anos. A sociedade não tem limites com as mulheres.” Ela também reclama de ter a vida privada devassada. “Não consigo sair à noite. Sou jovem, gosto de dançar, mas, em cinco minutos, está tudo nas redes.” Para Ana, a culpa é da realidade cultural, marcada pelo machismo. “Tenho uma trajetória para não ser reduzida a um caroço de azeitona.”

Na Câmara, tem o apoio de metade dos vereadores. A ofensa do caroço de azeitona trouxe a solidariedade de mulheres do PT. “Nesse momento não devemos ter partido, mas humanidade.” Na avaliação da prefeita, muitas mulheres não se ocupam da política porque a sociedade ainda pensa que elas devem se dedicar à casa e aos filhos. Santana do Livramento tem 80 mil habitantes. “Entendo por que as mulheres não querem ir para a política. Mas a política não é um jogo sem regras.”

Ministério Público avalia como enquadrar o dano psicológico

Uma das tarefas mais difíceis no combate aos novos crimes contra as mulheres na política será enquadrar a violência psicológica. É o que pensam os procuradores da República. “A violência física e a sexual é mais fácil de provar por meio de laudos. O dano psicológico precisará também de laudo”, disse a procuradora e coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, Raquel Branquinho.

A procuradora entende que, nos casos de parlamentares diuturnamente ultrajadas, que não podem exercer sua função, a denúncia pode ser por violência política. Ela cita ainda o paralelo da Lei Maria da Penha. Outro caso relacionado pelo MPF envolve a vereadora Érika Hilton (PSOL), de 28 anos. Primeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo, ela recebeu mensagens de ódio. “Você vai morrer, satanás do inferno”, dizia uma delas. O caso está com a Polícia Federal. Érika conta que toda vez que vai se deslocar para um lugar, precisa verificar as condições de segurança. “Essa insegurança dificulta o contato com as bases.”

A vereadora Érika Hilton é aprimeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo e recebeu mensagens de ódio. O caso está com a Polícia Federal. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Aplicação

O MPF ainda discute como enquadrar os casos. “Condutas severas que abalam estrutura democrática do País, vamos de violência política, da Lei de Defesa do Estado Democrático. As demais ofensas, usaremos a lei eleitoral”, disse Luis Carlos dos Santos Gonçalves, da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP).

A PRE-SP deve lançar um fórum contra a violência política. “A gente quer é criar um caminho fácil para que a vítima entre em contato conosco”, afirmou Gonçalves. Caminho semelhante foi tomado pela PRE do Rio, que criou uma área no site do órgão para denúncias de violência de gênero política.

“A vida da mulher na política é complicada. Elas sofrem violência nos partidos, sofrem com a falta de isonomia e apoio efetivo”, disse a procuradora regional eleitoral do Rio, Neide de Oliveira. Para ela, a competência para julgar os casos é da Justiça Federal. Só passaria à Justiça Eleitoral se a violência for praticada em razão da eleição.

Além dos casos de violência de gênero e racismo, a lei de violência política pode ser aplicada contra organizações criminosas, como as milícias no Rio. “Hoje em dia no estado democrático há algo mais violento do que um grupo paramilitar que mata e executa e tem domínio de território, restringindo direitos?” questionou a procuradora Raquel Branquinho.

Primeira mulher a ocupar a prefeitura de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a delegada Ana Tarouco estava habituada a investigar casos da Lei Maria da Penha. Loira, de 41 anos e divorciada, ela coordenava a Polícia Civil naquela região da fronteira com o Uruguai. Filiou-se ao DEM e venceu a eleição de 2020 destacando seu campo político: “Sou de direita”. Um ano depois de assumir, a delegada se tornou uma das primeiras vítimas de um novo crime: a violência contra mulheres candidatas ou eleitas no País.

Constituído pela Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral no ano passado, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas desse crime e de outro, também criado pelo Congresso em 2021: o de violência política contra mulheres em geral. “Esse tema merece atenção das instituições. O combate a essas condutas é uma das prioridades da subprocuradora-geral eleitoral”, disse a coordenadora do grupo, a procuradora regional da República Raquel Branquinho.

A prefeita Ana Tarouco, de Sant'Ana do Livramento/RS, diz: 'Entendo por que as mulheres não querem ir para a política (...) A sociedade não tem limites com as mulheres.' Foto: Ascom/Sant'Ana do Livramento

O primeiro dos novos delitos foi estabelecido em agosto de 2021, durante a reforma da lei eleitoral. Ele tornou crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor. A pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Um mês depois, os parlamentares criaram outro crime, ainda mais grave, dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático. Ele é mais amplo e pune quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena, neste caso, vai de 3 a 6 anos de cadeia.

“Estamos fazendo um trabalho de conscientização sobre o seu uso (da legislação) por meio do grupo de trabalho”, afirmou Raquel Branquinho. A procuradora encaminha representações para as procuradorias eleitorais estaduais sobre casos que chegaram ao conhecimento do grupo. “Noventa e nove por cento dos casos é de competência da Justiça Eleitoral de 1.º grau.” Como são delitos eleitorais ou de competência da Justiça Federal, normalmente é a Polícia Federal que investiga esses casos.

Casos

O primeiro deles registrado pela procuradoria envolveu a vereadora Katyene Leite (PTB), em Pedrinhas, no Maranhão. Ela foi impedida por um colega de usar o microfone na Câmara, em 6 de outubro de 2021. Seguiram-se outros nove casos envolvendo vereadoras, deputadas federais e uma prefeita em seis Estados e sete legendas (PTB, PSD, DEM, PT, PSOL Rede e PCdoB). O caso da vereadora do PTB seria enquadrado no delito da lei eleitoral.

Há um padrão cultural nesses casos identificado pela procuradoria: o acusado usa a condição de mulher para desmerecer ideias e projetos. Assim foi com Ana Tarouco. Ela estava viajando quando um vereador do PDT foi à tribuna da Câmara, na véspera do Dia Internacional da Mulher, e, ao comentar uma iniciativa da prefeita, afirmou que ela tinha um cérebro de “caroço de azeitona”. “A violência contra a mulher não é um ato isolado em si. Sou a primeira mulher eleita em uma região de fronteira.”

O Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, coordenado pela procuradora regional da República Raquel Branquinho, faz um trabalho de conscientização pela aplicação da lei para punir a violência política contra mulheres. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Biquíni

Candidata pela primeira vez, ela concorreu com três ex-prefeitos. Os ataques, segundo Ana, começaram pouco depois da posse. “Uma vereadora disse que eu só recebo os ‘machos’ no gabinete. Isso é comportamento de autoridade pública?” Ela se queixa da falta de solidariedade dos vereadores. “Qualquer coisa que faço vira uma novela. Minhas férias viraram uma novela.”

A prefeita esteve, em janeiro, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando foi fotografada de biquíni. As imagens foram distribuídas na cidade. “As pessoas falaram: ‘Olha lá, ela está de biquíni na praia’. Sim, estava de biquíni. Queriam que eu estivesse de burca?”

A prefeita não sabe quem tirou as fotos. “Daí tu não entras nas redes sociais porque não quer se indispor. Mas aí o que acontece? Mandam para minha mãe. Minha mãe fica horrorizada. Ela tem 80 anos. A sociedade não tem limites com as mulheres.” Ela também reclama de ter a vida privada devassada. “Não consigo sair à noite. Sou jovem, gosto de dançar, mas, em cinco minutos, está tudo nas redes.” Para Ana, a culpa é da realidade cultural, marcada pelo machismo. “Tenho uma trajetória para não ser reduzida a um caroço de azeitona.”

Na Câmara, tem o apoio de metade dos vereadores. A ofensa do caroço de azeitona trouxe a solidariedade de mulheres do PT. “Nesse momento não devemos ter partido, mas humanidade.” Na avaliação da prefeita, muitas mulheres não se ocupam da política porque a sociedade ainda pensa que elas devem se dedicar à casa e aos filhos. Santana do Livramento tem 80 mil habitantes. “Entendo por que as mulheres não querem ir para a política. Mas a política não é um jogo sem regras.”

Ministério Público avalia como enquadrar o dano psicológico

Uma das tarefas mais difíceis no combate aos novos crimes contra as mulheres na política será enquadrar a violência psicológica. É o que pensam os procuradores da República. “A violência física e a sexual é mais fácil de provar por meio de laudos. O dano psicológico precisará também de laudo”, disse a procuradora e coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, Raquel Branquinho.

A procuradora entende que, nos casos de parlamentares diuturnamente ultrajadas, que não podem exercer sua função, a denúncia pode ser por violência política. Ela cita ainda o paralelo da Lei Maria da Penha. Outro caso relacionado pelo MPF envolve a vereadora Érika Hilton (PSOL), de 28 anos. Primeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo, ela recebeu mensagens de ódio. “Você vai morrer, satanás do inferno”, dizia uma delas. O caso está com a Polícia Federal. Érika conta que toda vez que vai se deslocar para um lugar, precisa verificar as condições de segurança. “Essa insegurança dificulta o contato com as bases.”

A vereadora Érika Hilton é aprimeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo e recebeu mensagens de ódio. O caso está com a Polícia Federal. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Aplicação

O MPF ainda discute como enquadrar os casos. “Condutas severas que abalam estrutura democrática do País, vamos de violência política, da Lei de Defesa do Estado Democrático. As demais ofensas, usaremos a lei eleitoral”, disse Luis Carlos dos Santos Gonçalves, da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP).

A PRE-SP deve lançar um fórum contra a violência política. “A gente quer é criar um caminho fácil para que a vítima entre em contato conosco”, afirmou Gonçalves. Caminho semelhante foi tomado pela PRE do Rio, que criou uma área no site do órgão para denúncias de violência de gênero política.

“A vida da mulher na política é complicada. Elas sofrem violência nos partidos, sofrem com a falta de isonomia e apoio efetivo”, disse a procuradora regional eleitoral do Rio, Neide de Oliveira. Para ela, a competência para julgar os casos é da Justiça Federal. Só passaria à Justiça Eleitoral se a violência for praticada em razão da eleição.

Além dos casos de violência de gênero e racismo, a lei de violência política pode ser aplicada contra organizações criminosas, como as milícias no Rio. “Hoje em dia no estado democrático há algo mais violento do que um grupo paramilitar que mata e executa e tem domínio de território, restringindo direitos?” questionou a procuradora Raquel Branquinho.

Primeira mulher a ocupar a prefeitura de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a delegada Ana Tarouco estava habituada a investigar casos da Lei Maria da Penha. Loira, de 41 anos e divorciada, ela coordenava a Polícia Civil naquela região da fronteira com o Uruguai. Filiou-se ao DEM e venceu a eleição de 2020 destacando seu campo político: “Sou de direita”. Um ano depois de assumir, a delegada se tornou uma das primeiras vítimas de um novo crime: a violência contra mulheres candidatas ou eleitas no País.

Constituído pela Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral no ano passado, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero colecionou, desde dezembro, dez casos com 12 vítimas desse crime e de outro, também criado pelo Congresso em 2021: o de violência política contra mulheres em geral. “Esse tema merece atenção das instituições. O combate a essas condutas é uma das prioridades da subprocuradora-geral eleitoral”, disse a coordenadora do grupo, a procuradora regional da República Raquel Branquinho.

A prefeita Ana Tarouco, de Sant'Ana do Livramento/RS, diz: 'Entendo por que as mulheres não querem ir para a política (...) A sociedade não tem limites com as mulheres.' Foto: Ascom/Sant'Ana do Livramento

O primeiro dos novos delitos foi estabelecido em agosto de 2021, durante a reforma da lei eleitoral. Ele tornou crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidatas ou mulheres eleitas com a finalidade de dificultar a campanha ou o exercício do mandato usando menosprezo ou discriminação à condição feminina, à sua raça, etnia ou cor. A pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Um mês depois, os parlamentares criaram outro crime, ainda mais grave, dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático. Ele é mais amplo e pune quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena, neste caso, vai de 3 a 6 anos de cadeia.

“Estamos fazendo um trabalho de conscientização sobre o seu uso (da legislação) por meio do grupo de trabalho”, afirmou Raquel Branquinho. A procuradora encaminha representações para as procuradorias eleitorais estaduais sobre casos que chegaram ao conhecimento do grupo. “Noventa e nove por cento dos casos é de competência da Justiça Eleitoral de 1.º grau.” Como são delitos eleitorais ou de competência da Justiça Federal, normalmente é a Polícia Federal que investiga esses casos.

Casos

O primeiro deles registrado pela procuradoria envolveu a vereadora Katyene Leite (PTB), em Pedrinhas, no Maranhão. Ela foi impedida por um colega de usar o microfone na Câmara, em 6 de outubro de 2021. Seguiram-se outros nove casos envolvendo vereadoras, deputadas federais e uma prefeita em seis Estados e sete legendas (PTB, PSD, DEM, PT, PSOL Rede e PCdoB). O caso da vereadora do PTB seria enquadrado no delito da lei eleitoral.

Há um padrão cultural nesses casos identificado pela procuradoria: o acusado usa a condição de mulher para desmerecer ideias e projetos. Assim foi com Ana Tarouco. Ela estava viajando quando um vereador do PDT foi à tribuna da Câmara, na véspera do Dia Internacional da Mulher, e, ao comentar uma iniciativa da prefeita, afirmou que ela tinha um cérebro de “caroço de azeitona”. “A violência contra a mulher não é um ato isolado em si. Sou a primeira mulher eleita em uma região de fronteira.”

O Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, coordenado pela procuradora regional da República Raquel Branquinho, faz um trabalho de conscientização pela aplicação da lei para punir a violência política contra mulheres. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Biquíni

Candidata pela primeira vez, ela concorreu com três ex-prefeitos. Os ataques, segundo Ana, começaram pouco depois da posse. “Uma vereadora disse que eu só recebo os ‘machos’ no gabinete. Isso é comportamento de autoridade pública?” Ela se queixa da falta de solidariedade dos vereadores. “Qualquer coisa que faço vira uma novela. Minhas férias viraram uma novela.”

A prefeita esteve, em janeiro, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando foi fotografada de biquíni. As imagens foram distribuídas na cidade. “As pessoas falaram: ‘Olha lá, ela está de biquíni na praia’. Sim, estava de biquíni. Queriam que eu estivesse de burca?”

A prefeita não sabe quem tirou as fotos. “Daí tu não entras nas redes sociais porque não quer se indispor. Mas aí o que acontece? Mandam para minha mãe. Minha mãe fica horrorizada. Ela tem 80 anos. A sociedade não tem limites com as mulheres.” Ela também reclama de ter a vida privada devassada. “Não consigo sair à noite. Sou jovem, gosto de dançar, mas, em cinco minutos, está tudo nas redes.” Para Ana, a culpa é da realidade cultural, marcada pelo machismo. “Tenho uma trajetória para não ser reduzida a um caroço de azeitona.”

Na Câmara, tem o apoio de metade dos vereadores. A ofensa do caroço de azeitona trouxe a solidariedade de mulheres do PT. “Nesse momento não devemos ter partido, mas humanidade.” Na avaliação da prefeita, muitas mulheres não se ocupam da política porque a sociedade ainda pensa que elas devem se dedicar à casa e aos filhos. Santana do Livramento tem 80 mil habitantes. “Entendo por que as mulheres não querem ir para a política. Mas a política não é um jogo sem regras.”

Ministério Público avalia como enquadrar o dano psicológico

Uma das tarefas mais difíceis no combate aos novos crimes contra as mulheres na política será enquadrar a violência psicológica. É o que pensam os procuradores da República. “A violência física e a sexual é mais fácil de provar por meio de laudos. O dano psicológico precisará também de laudo”, disse a procuradora e coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero, Raquel Branquinho.

A procuradora entende que, nos casos de parlamentares diuturnamente ultrajadas, que não podem exercer sua função, a denúncia pode ser por violência política. Ela cita ainda o paralelo da Lei Maria da Penha. Outro caso relacionado pelo MPF envolve a vereadora Érika Hilton (PSOL), de 28 anos. Primeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo, ela recebeu mensagens de ódio. “Você vai morrer, satanás do inferno”, dizia uma delas. O caso está com a Polícia Federal. Érika conta que toda vez que vai se deslocar para um lugar, precisa verificar as condições de segurança. “Essa insegurança dificulta o contato com as bases.”

A vereadora Érika Hilton é aprimeira mulher trans eleita para o Câmara de São Paulo e recebeu mensagens de ódio. O caso está com a Polícia Federal. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Aplicação

O MPF ainda discute como enquadrar os casos. “Condutas severas que abalam estrutura democrática do País, vamos de violência política, da Lei de Defesa do Estado Democrático. As demais ofensas, usaremos a lei eleitoral”, disse Luis Carlos dos Santos Gonçalves, da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP).

A PRE-SP deve lançar um fórum contra a violência política. “A gente quer é criar um caminho fácil para que a vítima entre em contato conosco”, afirmou Gonçalves. Caminho semelhante foi tomado pela PRE do Rio, que criou uma área no site do órgão para denúncias de violência de gênero política.

“A vida da mulher na política é complicada. Elas sofrem violência nos partidos, sofrem com a falta de isonomia e apoio efetivo”, disse a procuradora regional eleitoral do Rio, Neide de Oliveira. Para ela, a competência para julgar os casos é da Justiça Federal. Só passaria à Justiça Eleitoral se a violência for praticada em razão da eleição.

Além dos casos de violência de gênero e racismo, a lei de violência política pode ser aplicada contra organizações criminosas, como as milícias no Rio. “Hoje em dia no estado democrático há algo mais violento do que um grupo paramilitar que mata e executa e tem domínio de território, restringindo direitos?” questionou a procuradora Raquel Branquinho.

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