Será em torno do conteúdo dos prontuários médicos dos pacientes da Prevent Senior que o debate sobre o caso da operadora de saúde será analisado pela Justiça. Familiares de pacientes alegam que ali estão registradas informações que eles desconheciam e autorizações inexistentes para tratamentos. O Estadão consultou os documentos, ouviu os familiares e ouviu a empresa sobre cada um dos casos. Veja a seguir, quatro exemplos.
O primeiro deles envolve a aposentada Policena da Silva Lança, de 80 anos. Ela morreu em abril de 2021, no Hospital Sancta Maggiore, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Seu prontuário diz que uma médica da rede registrou que conversou com suas filhas “sobre a necessidade e importância de priorizar medidas de conforto e dignidade” para “evitar medidas fúteis de manutenção à vida que venham trazer ainda mais sofrimento à paciente”. A médica afirma ter “deliberado com a família” que não tomaria “medidas invasivas”, como levá-la à UTI ou realizar manobras de reanimação para reverter paradas cardiorrespiratórias.
No prontuário, consta ainda que médicos da Prevent “aguardam esposo para alinhamento para plano de cuidados”. Policena, porém, era viúva desde 1981. A filha, Maria de Fátima Lança, nega ter autorizado o tratamento paliativo e afirma que descobriu somente no prontuário médico que haviam aplicado flutamida, remédio para câncer de próstata ineficaz e que, atualmente, a Prevent Senior está proibida de usar. A Prevent não quis comentar os dados que constam no prontuário, alegando que eles são sigilosos.
Outro caso envolve Fábio Seinas, um paciente que morreu aos 51 anos, no hospital de campanha da Rua Casa do Ator. Sua mulher, Andrea Rotta, afirma que descobriu no prontuário médico que Seinas foi medicado com flutamida. Ela e o marido foram medicados com o kit covid no início do contágio. A Prevent também não quis comentar o caso específico de Seinas, alegando também aqui estar limitada pelo sigilo das informações.
Para Entender
O terceiro caso é o de Terezinha de Jesus, que morreu aos 86 anos, em março de 2021. Em seu prontuário, consta que no dia 23 do mês anterior uma médica “conversou com as filhas”, que teriam “compreendido” a “terminalidade” da paciente. Ao Estadão, a família negou ter aceitado ou ter autorizado o início dos cuidados paliativos e a interrupção de outros tratamentos um mês antes do falecimento de Terezinha. Trata-se de mais um caso em que a Prevent diz não poder se manifestar, o que só deve acontecer dentro da investigação feita pelo Ministério Público estadual.
O último caso é o de Joanna Marinho Navarro. Ela morreu aos 94 anos e também foi submetida a tratamento com flutamida, segundo consta no prontuário. O neto, Tomas Monje, afirma que em nenhum momento médicos informaram sobre o medicamento e que seu uso foi descoberto somente após a morte de Joanna, quando a família obteve o prontuário. Para saber quem está com a razão nesses casos é que a promotoria decidiu submetê-los à perícia médica para verificar se os procedimentos adotados obedeceram os parâmetros e normas da ética médica. A investigação da força-tarefa do Ministério Público continua em andamento.
Após ter acesso aos prontuários e entrevistar os familiares, a reportagem do Estadão procurou a Prevent para que ela pudesse prestar esclarecimento de cada caso. Em resposta, a empresa mandou a seguinte:
“A Prevent Senior reafirma sua convicção de que investigações técnicas, sem contornos políticos, possam restabelecer a verdade dos fatos, como já ocorreu no relatório final enviado ao Ministério Público pela Polícia Civil de São Paulo, que inocentou os profissionais da empresa da prática de crimes e irregularidades. A empresa tem total confiança na responsabilidade dos promotores das várias esferas do Ministério Público e não pode comentar casos específicos sem ferir o sigilo de prontuários médicos, protegidos legalmente”.