As pesquisas divulgadas no fim de semana pelo Datafolha pintam um cenário tão desanimador quanto a nossa absoluta ausência de estratégia para uma campanha de vacinação eficaz contra o novo coronavírus: elas mostram que boa parte da sociedade brasileira foi inoculada pela boçalidade de Jair Bolsonaro, e que ela se alastra por terrenos perigosos e dá a esse presidente, o pior da República, uma resiliência inacreditável num cenário de mortes e crise econômica.
O presidente, com seu comportamento indigno da cadeira que ocupa, voltou a dizer nesta terça-feira que não se vacinará contra o novo coronavírus.
Como tantas vezes tem feito nos últimos dois anos, novamente se comportou como um inconsequente, ao promover aglomerações na Ceagesp e instar uma criança a tirar a máscara para ser compreendida, e mostrou o ridículo de que é feito ao se enfurnar no meio da bandinha da Polícia Militar do Estado de São Paulo, numa pose ridícula de prefeito de Sucupira.
Esse tipo de postura se impregnou em setores da sociedade de forma mais deletéria do que poderíamos imaginar antes da pandemia. No Brasil, movimentos antivacina nunca tiveram grande aderência, mas com Bolsonaro até isso vai sendo corroído.
A pesquisa Datafolha mostra que são 22% os que dizem que não pretendem se vacinar. Eram 9% em agosto! Entre os que dizem confiar em Bolsonaro, esse índice vai a 33%. E os que dizem que não aceitariam se vacinar com imunizante chinês são 47%.
É impressionante a adesão de uma parcela imensa dos brasileiros à desinformação absoluta em relação às vacinas, praticada de forma deliberada e estudada pelo presidente e por seus asseclas.
Isso no momento em que o País já vive uma segunda onda de contágio pelo SarsCov2 e não tem perspectiva de receber vacinas que não sejam a Coronavac, produzida pelo Butantã, pelo fato de Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o inepto general Eduardo Pazuello, não terem feito seu trabalho.
Combinado com os outros dados da pesquisa, que mostram aprovação de 37% dos brasileiros a Bolsonaro e que 44% livram o presidente de culpa pela má condução do combate à pandemia, temos um cenário desolador em que vamos ficar no fim da fila da vacina sem que a população exija de forma altiva o seu direito a ser vacinada para que o País comece a superar a maior epidemia que o atingiu desde 1918!
Trata-se de uma corrosão muito rápida e profunda dos valores que guiam a vida em sociedade — entre os quais a constatação, que deveria ser óbvia, de que a vacinação é um direito, sim, mas também um dever de um indivíduo em relação à coletividade e à saúde pública.
A completa falta de preocupação de Bolsonaro com as mais de 181 mil mortes de brasileiros e sua incapacidade de recomendar àqueles que governa qualquer conduta que não seja individualista, egoísta e baseada numa visão estreita e mesquinha de mundo vão moldando o pensamento de uma parcela do povo brasileiro à imagem e semelhança do capitão. E sua imagem é a de alguém que banaliza a vida.
Diante de tal estado de apatia combinada com cinismo cabe como último recurso contar com o funcionamento ainda que precário das instituições. Hoje o Supremo Tribunal Federal terá a chance de colocar nos trilhos o Plano Nacional de Imunização indigente divulgado pelo general Pazuello, e estabelecer regras para que sim, a vacinação (quando houver vacina) seja obrigatória para matrícula e frequência em escolas, viagens de avião, inscrição em concursos, frequência em academias de ginástica etc.
Porque só esperar o bom senso dos brasileiros, como mostram as pesquisas e as cenas de aglomeração em várias cidades e as promovidas pelo presidente, não será suficiente.
*EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTADORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA