Ao tuitar que a via democrática não permite as “transformações” do País na velocidade que “nós desejamos”, o vereador Carlos, filho de Jair Bolsonaro, fez a manifestação mais explícita até aqui de alguém do entorno do presidente de flerte com a supressão das instituições e da democracia.
Não é de hoje que o filho 02 e outros próceres do governo, como o assessor especial Filipe G. Martins e o guru Olavo de Carvalho, investem contra as instituições e o centro democrático, como se fossem inimigos dessas transformações – quaisquer que sejam elas –, do presidente e do “povo” – traduzido pelo genérico “nós” do tuíte.
Já ocuparam o papel de vilão, alternada ou concomitantemente, a imprensa, o STF, o Congresso, os adversários políticos e até ex-colaboradores que ousaram divergir das decisões de governo.
Ao transferir para os adversários e para as instituições a fatura da insatisfação da sociedade com frustrações diversas – que vão da demora na recuperação econômica à justa indignação com a corrupção e os privilégios –, o grupo que se autodesigna como ala “antiestablishment” do governo ao mesmo tempo faz uma cortina de fumaça para decisões impopulares do presidente e fomenta um ambiente em que teses golpistas vicejam.
Não são poucos os exemplos no mundo de democracias que foram corroídas por dentro a partir do enfraquecimento paulatino, mas com método, das instituições que integram o sistema de freios e contrapesos e dos órgãos de controle.
A despeito do discurso do filho – que sempre conta com uma certa condescendência por ser meio “fora da casinha”, mas escreve da cabeceira do pai –, são decisões do presidente que atrasam, atualmente, uma das “transformações” prometidas na campanha, a do combate à corrupção.
Mesmo não tendo em sua trajetória de deputado sindicalista, corporativista, pró-estatais e infiel a partidos nenhuma obra dedicada ao combate sistemático a privilégios, corrupção estrutural e desmandos de políticos, Bolsonaro conseguiu fazer prosperar na campanha o discurso de que era o mais indicado para empunhar essa bandeira. Como se apenas o contraponto ao PT lhe desse essas credenciais.
Não dava. O histórico político dos gabinetes da família Bolsonaro é o das mais velhas práticas da política: empregar cabos eleitorais, alguns deles fantasmas, muitos deles com ligações perigosas com milícias e outros grupos, com indícios fortes de prática de rachadinha de salários. Jair nunca atuou em nenhuma das grandes CPIs ou no Conselho de Ética da Câmara. Quem caiu na balela o fez porque quis.
Uma vez empossado, Bolsonaro se pôs paulatina, mas sistematicamente, a minar Sérgio Moro, a quem designou como superministro, mas cuja reputação se esforça para desgastar dia a dia com ações, enquanto posa graciosamente para fotos a seu lado. Foi o que fez com o Coaf e com a Polícia Federal.
Além disso, salta aos olhos a aliança antes improvável com o presidente do STF, Dias Toffoli, antes tratado por Bolsonaro como um petista sem credenciais para ocupar o Supremo. Desde a decisão que livrou a barra do filho Flávio, Toffoli caiu nas graças do bolsonarismo, com direito à atuação do senador para melar a CPI da Lava Toga.
Portanto, se de um lado testa a tese de um fast-track na democracia para animar sua tropa, que estava dispersa e desconfiada, de outro o bolsonarismo age dia a dia no sentido oposto ao que levou boa parte do eleitorado a optar por ele. Dois cavalos de pau simultâneos.
Aqueles que passam pano dizendo que ao menos a orientação econômica do governo vai no rumo certo ignoram, talvez deliberadamente, que não há confiança possível num país que flerta com teses autoritárias, quando não abertamente golpistas.