A reação ao assassinato, pela polícia de Minneapolis, do ex-segurança George Floyd, em 25 de maio, foi o estopim para a eclosão de manifestações que se espalharam primeiro pelos Estados Unidos, mas que começam a ganhar o mundo, contra o racismo e o fascismo.
Não é a primeira vez que o mundo assiste a movimentos de rua combinados, que vão ganhando corpo e agregando insatisfações sociais e políticas antes latentes. Aconteceu em 1968. Mais recentemente, ocorreu em 2013, no Brasil e também em diversos países. No ano passado, protestos varreram diversos países da América Latina.
E agora? O que o movimento racial dos Estados Unidos e os ainda localizados, mas inquietantes, confrontos no Brasil entre bolsonaristas e oposicionistas têm de inédito? O óbvio: são movimentos que, para além do chavão “começaram pacíficos, mas descambaram para a violência”, ocorrem em meio à maior pandemia em mais de um século. E isso não é um detalhe desprezível.
No momento em que a França, por exemplo, começa a ensaiar uma reabertura para o turismo e outras atividades econômicas, Paris se viu com as ruas apinhadas de pessoas protestando também contra a violência policial contra negros.
Os Estados Unidos e o Brasil nem chegaram ainda a sair da quarentena, que tanto lá quanto cá se dá de forma irregular, desordenada e tumultuada por presidentes ciclotímicos e desinteressados no combate efetivo ao coronavírus.
Não são os únicos traços em comum das novas jornadas de junho, cuja dimensão ainda somos incapazes de prever. Se em 2013 os motivos iniciais podiam parecer frívolos, agora já se parte de questões que, para dar significado universal à frase repetida por Floyd para o policial branco que o asfixiou, impedem a sociedade de respirar.
Racismo, surgimento de um neofascismo que incorpora elementos de supremacia racial e autoritarismo político, tudo turbinado pelas redes sociais, um mundo assolado por mortes e devastação econômica e um futuro que ninguém ousa desenhar são componentes capazes de fazer a revolta social escalar a níveis nem ensaiados há sete anos, ou mais recentemente.
A Terra está em transe. Governantes desprovidos de empatia social e compreensão de seu dever, como Jair Bolsonaro e Donald Trump, encaram momentos cruciais como esses da história da humanidade como oportunidades vulgares para fotos, seja desengonçado em cima de um cavalo, como o nosso, ou portando uma Bíblia com a qual não tem nenhuma intimidade, como no do “amigo” artificialmente tingido.
O de cá copia o de lá, a ponto de receber de bom grado, com reverência tacanha, carregamentos rejeitados de cloroquina do primo ab(e)astado que se cansou antes de insistir num tratamento ineficaz.
A força das imagens de pessoas indo às ruas contrariando o necessário distanciamento social mostra o quanto governos são estéreis para conduzir nações nessa crise inédita. É uma pandemia, como já houve outras até mais letais, mas ela chega num mundo hiperpovoado, marcado por diferenças sociais, econômicas e culturais brutais e incapaz de uma governança solidária, algo que garantiu o caminho em outros momentos-chave da História, como os pós-guerras mundiais.
A Terra pode ser uma visão emocionante quando observada, em toda a sua circunferência, pelas lentes de um foguete que busca o infinito, como nós, quarentenados de todo o mundo, vimos no último fim de semana no lançamento do Falcon 9.
Mas, assolada pela peste, pela iniquidade e pela mediocridade de alguns dos seus principais líderes, é um planeta inóspito para os humanos de 2020, que não hesitam em encarar até o vírus e o risco de morte para ir às ruas e poder gritar: “Não consigo respirar”.