Inelegível até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deverá adotar uma intrincada estratégia política nas eleições municipais do ano que vem. O PL caminha para apoiar a candidatura à reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB), mas Bolsonaro incentiva o deputado Ricardo Salles (PL-SP) a entrar no páreo, ainda que seja por outro partido, para defender o seu governo.
“Não posso ‘peitar’ o Valdemar”, disse o ex-presidente a Salles, recentemente, em conversa testemunhada por vários parlamentares. A referência era a Valdemar Costa Neto, o comandante do PL, que é desafeto do deputado e defende o apoio a Nunes.
Desgastado na política, com salário e aluguel de casa pagos pelo partido, Bolsonaro aceitou a indicação de Valdemar, mas fez uma exigência: quer escolher o vice da chapa.
Na manhã do último dia 15, o prefeito foi visitar Bolsonaro no hospital onde ele estava internado, em São Paulo, após passar por duas cirurgias. A conversa começou com a comemoração pela alta médica, passou pelo Palmeiras – time do coração de ambos – e chegou à eleição de 2024.
“A nossa relação não muda se o PL tiver candidato”, avisou o prefeito ao ex-presidente. “Fique tranquilo”, respondeu Bolsonaro, em declaração interpretada por Nunes como aval.
Levantamentos encomendados pela cúpula do PL mostram que o partido deve apresentar um nome de centro para enfrentar o deputado Guilherme Boulos na disputa paulistana. Pré-candidato do PSOL à Prefeitura, Boulos tem o apoio do PT – apesar dos protestos de uma ala do partido – e lidera as pesquisas de intenção de voto.
“A capital de São Paulo não é de direita nem de esquerda. É de centro”, afirmou Valdemar ao Estadão. “Se quisermos vencer Boulos, é preciso levar em conta isso.”
Equilibrista
Nunes, por sua vez, tenta se equilibrar entre duas canoas: quer o bônus dos votos de bolsonaristas, mas não o ônus das denúncias que pesam contra o ex-presidente. O cenário ideal, para ele, seria esconder Bolsonaro na campanha.
Desde que o ex-inquilino do Palácio do Planalto virou alvo de diligências – da participação na trama para dar um golpe em 8 de janeiro ao escândalo do desvio de joias –, o prefeito protagoniza um vaivém de declarações sobre sua proximidade com ele.
“Sou ricardista, não bolsonarista”, definiu Nunes, em mais de uma ocasião. No dia 5 de setembro, ao ser indagado por alunos da Faap se ficaria ao lado de Bolsonaro, mesmo sendo prefeito de uma cidade que teve milhares de mortes na pandemia de Covid-19, ele também se esquivou. “Eu? Do lado do Bolsonaro?”
Foi a gota d´´água para o núcleo duro do bolsonarismo. “Cada sinalização que Ricardo Nunes dá de distanciamento de Bolsonaro nos obriga a procurar uma alternativa mais alinhada com nossas bandeiras”, disse à Coluna do Estadão o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente. “A era dos gafanhotos acabou”, anunciou no X (antigo Twitter) o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten.
Ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles sabe que a chance de ser candidato pelo PL é zero. Incentivado por Bolsonaro, porém, ele está negociando a saída do partido para concorrer à Prefeitura por outra legenda. Nesse caso, em tese, o ex-presidente teria dois “palanques”, mas sem aparecer no do ex-ministro, que faria sua defesa. Valdemar e aliados de Nunes acham que essa estratégia é uma “loucura”, pois divide os votos do bolsonarismo.
Para não perder o mandato, no entanto, Salles precisará da “liberação” do próprio Valdemar, o mandachuva do PL, a quem já chamou de “oportunista”. Bolsonaro se comprometeu a ajudá-lo nessa empreitada.
O adjetivo “oportunista” também foi usado por Salles – ex-relator da CPI do MST, que terminou sem votar nada – para se referir a Nunes e ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e seu colega de Esplanada.
“Se tem um lugar no Brasil, hoje, que não tem um governo de direita é São Paulo”, provocou o deputado, em julho, durante uma reunião do PL.
Tarcísio estava no encontro, mas não na hora da alfinetada. Quase três meses depois, ao participar da cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em 28 de setembro, ele foi questionado por repórteres sobre como era ser governador de São Paulo. “É divertido”, respondeu, com um riso nervoso.
Nesta história, Tarcísio apoia novo mandato para Nunes, que pede um sinal de Bolsonaro, que está entre os dois Ricardos e não quer se indispor com Valdemar, que detesta Salles, que diz que “quem com os porcos anda, farelo come”. E, enquanto isso, a boiada vai passando...