O retorno de Jair Bolsonaro ao Brasil dá munição aos adversários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a onze dias de o governo completar 100 dias, ainda à procura de um rumo na política e na economia. Não fosse a apresentação da nova âncora fiscal, que coincide com a chegada de Bolsonaro, Lula teria pouca coisa para mostrar até agora, além da bateção de cabeça entre ministros, do fogo amigo no PT, da reprise de programas sociais e da inauguração do letreiro do Ministério da Cultura.
No Palácio Planalto, auxiliares do presidente afirmam que ele não deixará brecha para o protagonismo de Bolsonaro, como acabou fazendo com o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). Ao contrário: a estratégia é conquistar pedaços de partidos do Centrão que foram aliados de Bolsonaro – como o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL) – e continuam dispostos a surfar na onda governista, mesmo porque já estiveram com o PT em um passado não muito distante.
Nos últimos dias, Lula marcou um gol contra ao dizer que Moro, ex-ministro de Bolsonaro e ex-juiz da Lava Jato, teria participado de uma “armação”. O comentário foi feito logo depois de ministros como o da Justiça, Flávio Dino, elogiarem a isenção da Polícia Federal, que descobriu um plano da facção criminosa PCC para sequestrar e matar Moro, além de outras autoridades.
A intenção do governo, agora, é isolar o ex-presidente, Moro e os radicais que apoiaram o vandalismo na Praça dos Três Poderes, mas, ao mesmo tempo, falar com a ala do bolsonarismo da qual Lula precisa se aproximar, como a do agronegócio e a dos evangélicos. Mas isso foi combinado com os russos? Ao que tudo indica, não. Tanto que, nas redes sociais, petistas de alto escalão se apressaram em jogar os holofotes sobre Bolsonaro e manter acesa a chama da polarização.
Apesar de desconstruído, o ex-presidente que perdeu capital político após a tentativa de golpe de 8 de janeiro e do escândalo das joias recebidas da Arábia Saudita ainda atormenta Lula e o PT nessa volta dos Estados Unidos. A Polícia Federal marcou para quarta-feira, 5, o depoimento de Bolsonaro no inquérito que investiga a entrada ilegal de joias cravejadas de diamantes no Brasil. Trata-se de uma história muito mal contada, que levanta suspeitas de peculato. Afinal, por que o regime saudita teria tanto interesse em dar presentes de R$ 18,5 milhões a Bolsonaro?
Mesmo assim, longe de estar morto politicamente, o capitão reformado do Exército – que sempre se apresentou como um homem simples, admirador de tubaína – ainda pode chacoalhar a oposição, se o governo Lula permanecer refém do Centrão e não se aprumar. E, nesse caso, de nada vai adiantar a ironia de dirigentes do PT ao perguntar: “Tudo joia?”