Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu o sincericídio de dizer que o governo pode descumprir a meta de déficit zero para 2024, o apetite dos partidos do Centrão só aumentou. Em público, o discurso oficial é o de que o Executivo precisa fazer o ajuste das contas públicas. Nos bastidores, porém, a conversa é outra.
A cúpula do Centrão não se contentou com o comando dos ministérios do Esporte, dos Portos e Aeroportos nem com a presidência da Caixa Econômica Federal. Quer as 12 vice-presidências da Caixa, a Funasa ressuscitada e também diretorias do Banco do Brasil e da Petrobras, estatal que foi pivô do escândalo do petrolão.
A convocação de uma assembleia extraordinária da Petrobras para o próximo dia 30, com o objetivo de avaliar mudanças no estatuto social da empresa, foi interpretada no Congresso como a oportunidade para derrubar de vez os vetos estabelecidos pela Lei das Estatais a indicações políticas.
Em março, um mês antes de se aposentar, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski já havia suspendido, em decisão liminar, a regra que proíbe a nomeação de políticos (ministros, secretários e dirigentes de partidos, entre outros) para a direção de estatais.
Diante da confusão provocada pela notícia de mudança no estatuto da Petrobras, o presidente da companhia, Jean Paul Prates, assegurou, na semana passada, que “não há qualquer redução nas exigências em relação à Lei das Estatais”.
Grupo quer obrigar Lula a pagar emendas
Nos últimos dias, o Centrão tem atuado, ainda, para embutir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo que obriga o governo a pagar emendas de liderança e de comissões, faça chuva ou faça sol.
Se prosperasse a meta de déficit zero, coisa em que ninguém mais acredita, Lula fatalmente teria de cortar algo em torno de R$ 53 bilhões do Orçamento no início de 2024, ano de eleições municipais. Nesse cenário, as emendas que destinam recursos para redutos eleitorais de parlamentares virariam pó.
Na prática, pode-se dizer que a ala política do governo, capitaneada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, venceu a primeira batalha com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Costa e até mesmo uma parte da equipe econômica argumentavam que, se Haddad não recuasse, programas de investimentos, como o PAC, seriam uma ficção e a popularidade do presidente despencaria.
No café da manhã de sexta-feira com jornalistas, do qual participei, Lula deu a senha para o descumprimento da meta fiscal. Admitiu naquele encontro, no Palácio do Planalto, que 2024 será um ano muito difícil. Não foi só: disse estar disposto a mudar a percepção da sociedade de que o governo “só pensa em pobre”. Há tempos o PT tenta, sem sucesso, conquistar a classe média.
Lula critica a “ganância” do mercado, mas não a do Centrão. Nesta terça-feira, em reunião com ministros, dirigentes e líderes de partidos, o presidente defendeu, mais uma vez, a aliança com esse grupo, que tem à frente o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL). E indicou, de novo, que o País não precisa zerar o déficit.
”O fato de revisar a meta não significa que se vá gastar mais. Afinal, votamos o arcabouço fiscal para ter estabilidade econômica”, concordou, mais tarde, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator da LDO. “Mas o que dá estabilidade política é a execução do Orçamento. Não somos ingênuos de achar que não haverá problema em ano eleitoral.”
Ingenuidade, aliás, é uma palavra que não consta do dicionário político do Centrão. Por isso mesmo, a guerra continua.