O manifesto que o União Brasil apresentará no fim deste mês vai além do grito de independência em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Intitulado “Um Caminho para o União Brasil”, o documento diz que a governabilidade não se dará pela construção de uma base congressual “subserviente” ao Executivo e defende o “empoderamento” do Congresso. Para bom entendedor, é um recado curto e grosso destinado a Lula: ou o governo atende à ala do partido não contemplada no primeiro escalão ou não terá os votos esperados da bancada na Câmara, que, com 59 deputados, é a terceira maior força política.
Sob o argumento de que “o presidencialismo de coalizão fracassou”, o texto afirma que a necessidade de construir consensos e harmonizar a relação entre os Poderes “não pode ser confundida com fisiologismo” por significar “um passo firme em direção ao fortalecimento das instituições”.
A versão preliminar do manifesto, obtida pela Coluna, foi redigida em 3 de janeiro, cinco dias depois de Lula entregar três ministérios para o União Brasil. Daniela do Waguinho ganhou Turismo e foi acusada de ligação com milícias do Rio; aliado do líder do União Brasil, Elmar Nascimento, o deputado Juscelino Filho ficou com Comunicações e o ex-governador do Amapá Waldez Góes, com Integração e Desenvolvimento Regional. Detalhe: Góes é filiado ao PDT, mas entrou na cota do União por indicação do senador Davi Alcolumbre.
Fruto da fusão entre o DEM e o PSL, o União Brasil não gosta do rótulo de Centrão e sustenta que, no campo ideológico, se posiciona “ao centro” do espectro político. “É evidente que isso não significa uma oposição insensata aos projetos que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva venha a apresentar. Há, sempre, espaço para o diálogo e o entendimento. Precisamos construir, e não mais segregar”, diz um trecho do documento.
Escrito antes dos atos de vandalismo de 8 de janeiro, promovidos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na Praça dos Três Poderes, o manifesto tem o apoio dos deputados Danilo Forte, Elmar Nascimento, Arthur Maia, Mendonça Filho (eleito), Professora Dorinha (futura senadora), do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, entre outros.
O texto ainda receberá acréscimos. A invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) será criticada com veemência, mas, ao menos por enquanto, há dúvidas sobre o uso da palavra “golpe”. A ideia é destacar a defesa da democracia, o respeito ao estado democrático de direito e propostas como reforma tributária sem aumento de impostos para o setor produtivo, além do incentivo à geração de energia renovável. Seria algo como “Uma Ponte para o Futuro”, plataforma lançada pelo MDB de Michel Temer, em outubro de 2015, meses antes do impeachment de Dilma Rousseff?
Não chega a tanto. O grito de “independência” do União Brasil, dono de três ministérios, lembra a tradicional estratégia da faca no pescoço do governo. Mas é mais do que isso: dividido, o partido que resultou do ajuntamento de diferentes tribos está à procura de uma identidade para sobreviver. Só que as tribos da Câmara e do Senado vivem às turras. Na prática, a maioria é bolsonarista, mas dá cotoveladas para conquistar um lugar ao sol na equipe de Lula.