Nunca antes na história deste País um presidente enfrentou tantas Comissões Parlamentares de Inquérito com apenas quatro meses e meio de mandato. Mas Luiz Inácio Lula da Silva, autor da conhecida frase, não conseguiu segurar a oposição. Com uma base aliada que mais parece uma geleia, precisando de “agrado” a cada votação, Lula deu o comando para a articulação política do Planalto atrair os insatisfeitos e “resolver” a questão das CPIs, mas pode ter sido muito tarde.
Até agora, três delas já saíram do papel: uma para investigar quem financia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), outra para escarafunchar resultados fraudados de apostas esportivas e mais uma para esmiuçar a crise nas Lojas Americanas.
A expectativa é que, na próxima semana, também seja aberta a tão falada CPI mista dos atos golpistas de 8 de janeiro, composta por deputados e senadores. Mas tanto o governo como a oposição parecem fazer corpo mole para que essa CPI avance no jogo.
Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro ficaram na defensiva após o arsenal de denúncias que o atingiu – da fraude no cartão de vacinas ao escândalo das jóias. Na outra ponta, o Planalto quer todo foco na votação do arcabouço fiscal, que teve o regime de urgência aprovado na noite desta quarta-feira, 17. Mesmo assim, os dois lados dizem estar prontos para a guerra.
“Essa CPMI vai colocar uma pá de cal na teoria terraplanista de que a vítima é responsável pelos atos terroristas”, afirmou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “Em nenhum momento nós recuamos da CPMI. Quem permitiu o vandalismo, de forma premeditada ou por incompetência, precisa ser punido”, insistiu o senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional na gestão Bolsonaro.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também leu, há duas semanas, um requerimento para criar a CPI das ONGs, com o objetivo de investigar a liberação de recursos públicos para organizações não-governamentais.
Fim do mundo
No papel, todos os signatários de CPIs têm boas intenções. Na prática, porém, o verbo “investigar” pode ser trocado por “fustigar” ou coisa pior. E virou máxima em Brasília dizer que todo mundo sabe como começa uma CPI, mas nunca como termina. Entre o primeiro e o último capítulo é provável que ela se transforme em “CPI do fim do mundo”.
Tudo indica que o palanque político com maior potencial para desgastar o governo será o que vai tratar das invasões do MST. Foram 56 desde janeiro e muitas só ganharam destaque com o “Abril Vermelho”.
As principais cadeiras da CPI do MST estão nas mãos de ferrenhos adversários de Lula. O deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente sob Bolsonaro, será o relator; Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) assumirá a presidência e Kim Kataguiri (União Brasil-SP) ficará com a vice. Ao contrário da CPI dos atos golpistas, na qual aliados do governo são maioria, a do MST é dominada por deputados da bancada do agronegócio.
A oposição promete apresentar indícios de ligação do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) com o financiamento de movimentos sociais. Oito diretores regionais do Incra indicados pelo MST e o líder João Pedro Stédile, que acompanhou Lula na viagem à China, no mês passado, serão chamado a depor.
Salles quer ser candidato do PL à Prefeitura de São Paulo, em 2024, e espera o apoio de Bolsonaro. O partido, porém, ainda não decidiu se vai avalizar o seu nome, lançar outro concorrente, como o senador Marcos Pontes (PL-SP), ou até mesmo aderir à campanha do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disputará a reeleição. Diante desse cenário, o Planalto não tem dúvidas de que Salles fará tudo e mais um pouco para ganhar os holofotes no colegiado.
Leia outras colunas de Vera Rosa
As outras duas CPIs – fraude em apostas esportivas e rombo nas Americanas – não têm impacto para o governo, ao menos por enquanto. Uma ala da oposição, no entanto, quer aproveitar a “deixa” para provocar Lula, uma vez que o advogado Cristiano Zanin assumiu a defesa das Americanas no litígio com o BTG Pactual.
Zanin defendeu Lula na Lava Jato e é o nome que ele deseja ver no Supremo Tribunal Federal (STF). Só espera um momento com menos turbulência política para indicá-lo. Não está fácil.
CPIs emblemáticas marcaram as últimas três décadas da República, mas nunca antes começaram numa temporada em que, geralmente, o Congresso está em lua de mel com o governo.
Embora o impeachment do então presidente Fernando Collor tenha sido fruto de uma CPI, Lula tenha enfrentado a do mensalão, Dilma Rousseff, a da Petrobras, e Bolsonaro, a da Covid, nada se compara a esse início de Lula 3. Noves fora, nunca antes na história deste País a lua de mel se transformou numa lua de fel tão rápido.