BRASÍLIA – A disputa provocada no governo Lula pelo pedido da Petrobras para fazer prospecção de petróleo na foz do Rio Amazonas está cada vez mais acirrada. Diante do impasse, a Advocacia-Geral da União (AGU) propôs que a Câmara de Conciliação da Administração Pública Federal seja acionada para mediar o conflito. O Ibama, porém, não aceita essa negociação.
“Em licenciamento não se faz acordo. Se a decisão fosse política, caberia. Mas, por ser técnica, não cabe conciliação”, disse ao Estadão o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Na mesma linha, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi categórica. “Em um governo republicano e democrático, decisões técnicas são respeitadas. A palavra está com o Ibama”, afirmou ela.
A oferta feita pela AGU foi apresentada no mês passado ao Palácio do Planalto, mas, para sair do papel, precisa do pedido de uma das partes.
“É plenamente possível buscar soluções para que os estudos da Petrobras sejam feitos em harmonia com a legislação ambiental”, avaliou o ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, hoje um dos nomes cotados para assumir, neste ano, a segunda cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na reunião ministerial do último dia 15, no Planalto, Messias fez questão de destacar que a AGU está “de portas abertas” para ajudar a dirimir divergências e controvérsias dentro do governo.
A Câmara de Conciliação da AGU já selou acordos considerados impossíveis, como o da compensação de dívidas do município de São Paulo com a União, no valor de R$ 23,9 bilhões, para abater créditos decorrentes do uso do Campo de Marte pelo governo federal.
No caso da região batizada pela Petrobras como novo pré-sal, no entanto, o entendimento parece bem mais complicado.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse ao Estadão já ter sugerido a entrada da AGU para tentar resolver o imbróglio.
“Não existe dicotomia entre meio ambiente e desenvolvimento econômico. O governo de Jair Bolsonaro era o desequilíbrio ambiental. Agora, nós não podemos ser o desequilíbrio para o outro lado”, observou Silveira.
O Ibama negou, em 17 de maio, pedido da Petrobras para atividade de perfuração marítima na bacia da foz do Rio Amazonas, sob o argumento de que a companhia não conseguiu comprovar a proteção da diversidade biológica e a segurança de comunidades indígenas da região. Oito dias depois, a Petrobras solicitou a reconsideração da análise.
“Somente neste ano, emitimos 23 licenças para a Petrobras, que é o maior cliente do Ibama. Há outros 100 pedidos, mas não tem essa de “vai furar a fila”, “vai entrar de novo e vai ser primeiro”. É uma decisão da equipe técnica”, insistiu Agostinho.
A questão ambiental e climática perpassa todo o governo Lula, como se viu na passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Paris, na semana passada. Mas o racha na equipe, cada vez mais evidente, preocupa o Planalto.
Além do Brasil, países como Estados Unidos, China, Japão, Portugal, França e Inglaterra contam com investimentos na região da Margem Equatorial, que possui potencial de apresentar grandes reservas de petróleo e gás.
“O Brasil tem a última oportunidade de conhecer seu novo pré-sal, que pode estar na Margem Equatorial, entre a costa do Amapá e o Rio Grande do Norte”, comentou Silveira, que integrou a comitiva de Lula à França e acompanhou as discussões sobre um novo pacto global de financiamento da transição energética.
Um dia depois de o Ibama indeferir o pedido da Petrobras, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (AP), deixou o partido Rede-Sustentabilidade, o mesmo de Marina. O estopim para a sua saída foi a divergência com a ministra em relação a esse tema, entre outros motivos.
“A ciência é avessa ao dogma”, alfinetou Randolfe. “Acho ótima a iniciativa da AGU e vou trabalhar para que se busque essa intermediação.”
Na prática, a última palavra será dada por Lula, que, até agora, disse não ver efeito negativo na prospecção de petróleo numa área que está a cerca de 530 km da foz do Amazonas. Ambientalistas sustentam, porém, que explorar a Margem Equatorial quando o mundo defende a diminuição das emissões de carbono é uma atitude contraditória.
Em conversas reservadas, a ministra do Meio Ambiente garantiu que vai resistir às “intempéries”, mesmo com as atribuições da pasta esvaziadas, porque precisa lutar dentro do governo por suas posições.
“A madeira não cresce com sossego. Quanto mais forte o vento, mais fortes são as árvores”, comparou Marina.