O embate protagonizado pelo empresário Elon Musk com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes serviu para escancarar mais um capítulo da disputa entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ao defender a regulação das redes sociais para acabar com o “vale-tudo” no ambiente digital, Pacheco jogou os holofotes sobre a paralisia do tema na Câmara.
A estratégia irritou Lira, para quem o colega parece sempre mais interessado em fazer um contraponto e aparecer mais do que ele. Foi assim, por exemplo, no caso em que Pacheco derrubou um trecho da Medida Provisória que aumentava a alíquota de contribuição previdenciária das prefeituras de 8% para 20%.
O presidente do Senado capitalizou sozinho, no último dia 1.°, os dividendos políticos da iniciativa, num ano de eleições municipais. Na noite desta terça-feira, 9, os deputados reagiram e aprovaram requerimento de urgência do projeto enviado pelo Executivo, que propõe um novo modelo para atender as cidades menores e mais pobres.
Nem tudo, porém, é tão fácil. A seis meses das eleições, há muitos fatores que contribuem para Lira não querer pautar de novo a proposta destinada a coibir a disseminação de discursos de ódio e notícias falsas nas redes sociais, batizada de PL das Fake News. Um dos principais motivos, no entanto, é manter a “ponte” com aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Conhecido pelo pragmatismo político, Lira não vai mexer em um vespeiro que atiça a base bolsonarista num momento em que também precisa dos votos desse grupo para eleger seu sucessor ao comando da Casa, em fevereiro de 2025. No Salão Azul do Senado, a situação parece mais definida e a maioria das apostas gira em torno da eleição do ex-presidente da Casa Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), padrinho político de Pacheco.
Lira adotou o silêncio sobre os ataques de Musk na direção de Moraes. O dono do X (antigo Twitter) defendeu o impeachment do magistrado, a quem chamou de “ditador brutal”, e disse que ele mantinha o presidente Lula “na coleira” após ter “interferido” nas eleições. Não foi só: ameaçou não cumprir determinações da Corte que pedem a suspensão de contas no X e compartilhou mensagens de discípulos de Bolsonaro.
“Não tenho nada a comentar sobre isso”, desconversou o presidente da Câmara, que lidera o Centrão. Embora o PP integre a base do governo e ocupe o Ministério do Esporte, além da presidência e das diretorias da Caixa, Lira não rompeu com Bolsonaro e quer distância dessa briga.
Diante do agravamento da crise, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu encaminhar para julgamento, até o fim de junho, a ação que trata da responsabilidade de plataformas quando houver conteúdos nocivos nas redes sociais.
Enquanto isso, Pacheco aproveita o confronto para cobrar a regulação das redes e dar outra estocada em Lira. O projeto de lei que não andou na Câmara recebeu sinal verde do Senado ainda em 2020. No ano passado, porém, foi retirado de pauta por pressão das big techs e também de apoiadores de Bolsonaro.
“No final das contas, é uma busca indiscriminada, antiética e criminosa pelo lucro. Isso, obviamente, tem que ser contido por lei e esse é nosso papel enquanto Congresso Nacional”, insistiu Pacheco.
Grupo de trabalho é para tirar assunto de cena
A decisão anunciada por Lira de criar um grupo de trabalho para produzir nova proposta foi vista no Congresso como uma forma de sepultar a votação. Não sem motivo: no mundo político, toda vez que uma autoridade quer tirar um assunto de cena, monta um grupo de trabalho para estudar o assunto.
“Perdermos tempo com uma discussão que não vai à frente será muito pior do que fazermos, como sempre fizemos, grupos de trabalho para assuntos delicados na Casa”, argumentou o presidente da Câmara, ao destacar que a decisão foi tomada pelo colégio de líderes. Lira lembrou os problemas na tramitação do projeto, como os que vinculavam o texto à censura. “Quando aparece uma narrativa como essa, não há apoio. Não é questão de governo e oposição.”
Com o grupo de trabalho, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News, será substituído por outro colega. “Sinceramente, ainda não entendi o que vai ser encaminhado, além da não votação do projeto de lei”, afirmou Silva à Coluna. “Esse grupo de trabalho terá qual prazo? Qual objeto? Qual composição? Quando o Legislativo decide não decidir, não pode mais reclamar de ‘ativismo judicial’ por parte do Supremo”.
Questionado por jornalistas, Lira respondeu que o grupo, ainda não formado, terá de 30 a 40 dias para apresentar nova proposta. Detalhe: junho é mês de festa junina e os deputados e senadores, sobretudo os do Nordeste, desaparecem de Brasília. Logo depois, em julho, começa o recesso parlamentar. Além disso, 2024 é um ano mais curto por causa da campanha eleitoral.
Pelo sim, pelo não, já tem gente fazendo “bolão” no Salão Verde. A maior aposta é que o PL das Fake News não vai ressuscitar. Ao que tudo indica, não tão cedo assim...