Vinte anos depois de ganhar pela primeira vez a eleição presidencial, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem neste domingo, 30, a vitória mais importante de sua trajetória. O desafio, porém, será bem maior do que nos dois mandatos anteriores. Lula terá de reconciliar um país despedaçado, manter unido o amplo arco de alianças que o apoiou, entregar melhorias sociais num cenário de crise econômica e enfrentar a ascensão do populismo de direita.
Jair Bolsonaro (PL) perdeu para seu desafiante numa disputa apertada, voto a voto, mas deixa uma legião de seguidores na sociedade, além de uma bancada com musculatura política no Congresso, onde o Centrão dá as cartas mais fortalecido pelo resultado das urnas.
Lula adotou o discurso da “pacificação nacional” para restaurar a democracia. É voz corrente na esquerda, porém, que será preciso derrotar o bolsonarismo no pós-eleição.
Nos bastidores, a cúpula do PT afirma que, se isso não ocorrer, Bolsonaro e seus apoiadores tentarão um “terceiro turno” para desestabilizar o novo governo. A principal trincheira nessa estratégia será justamente São Paulo, onde Tarcísio de Freitas, aliado do atual presidente, venceu o petista Fernando Haddad no duelo pelo Palácio dos Bandeirantes.
Na teoria, o PT que voltará ao Planalto em 1.º de janeiro de 2023, quase sete anos após o impeachment de Dilma Rousseff, sabe do risco de promover uma revanche no estilo “nós contra eles”. Mesmo porque o “eles” de agora não é mais o PSDB velho de guerra, que sucumbiu e virou nanico. Na política, no entanto, o aprendizado pode demorar muito mais do que um ciclo.
O vice Geraldo Alckmin, ex-tucano histórico e hoje no PSB, terá papel importante no movimento para colar os cacos de um País dividido ao meio. Não será uma tarefa fácil.
Para piorar, a partir de 2023 haverá um rombo nas contas públicas, na casa de R$ 400 bilhões. O cálculo inclui despesas não cobertas pelo orçamento, muitas delas embaladas pelo pacote de bondades lançado por Bolsonaro na última hora, na tentativa de derrotar Lula, além de perdas de arrecadação.
A equipe do presidente eleito definiu a situação como um “abismo social” contratado. Diante desse quadro, Lula precisará agir antes mesmo de tomar posse. O Congresso terá de colaborar num momento em que o Centrão mais encorpado tende a pôr a faca no seu pescoço, criando dificuldades para vender facilidades. E ainda há eleições para o comando da Câmara e do Senado, em fevereiro.
Daqui para a frente, tudo dependerá da capacidade de Lula e seu time de unir a sociedade em torno de um programa de governo ainda não divulgado, alimentando a esperança de novos tempos. Na prática, os primeiros cem dias do Ano Novo serão cruciais para que as nuvens da política não mudem de direção.