BRASÍLIA – A nova configuração do governo aprovada por uma comissão mista do Congresso, nesta quarta-feira, 24, indica que o Centrão adotou o semipresidencialismo. A proposta que recebeu sinal verde, com placar de 15 votos a 3, esvazia os ministérios do Meio Ambiente, dos Povos Originários e até o do Desenvolvimento Agrário. As principais mudanças não apenas representam uma vitória dos ruralistas nessa disputa, mas revelam que o Centrão encurralou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Palácio do Planalto teve de aceitar as alterações na Medida Provisória (MP) enviada ao Congresso para reestruturar os ministérios porque, se assim não o fizesse, o desenho da Esplanada voltaria a ser como era no governo de Jair Bolsonaro, uma vez que a iniciativa perde a validade em 1.º de junho. Diante desse imbróglio, a estratégia definida pelo governo foi a da redução de danos.
Lula tem hoje 37 ministérios, mexeu em estruturas, levou repartições de um lugar para outro, criou e extinguiu departamentos, mas precisa da autorização do Legislativo para esse projeto ficar de pé.
Um dia depois de a Câmara aprovar o arcabouço fiscal e o governo comemorar a vitória, o recado foi dado pelo Centrão, com todas as letras. E a leitura política é a de que o Congresso também vai dar as cartas no governo até que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), voltem a ter o controle sobre a distribuição das emendas do orçamento. Em outras palavras: embora o Supremo Tribunal Federal (ST) tenha posto um fim retórico ao orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, o uso do cachimbo fez a boca torta no Congresso.
Pacheco continua representado na tarefa de cobrar o governo pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que indicou ministros do partido e, ao lado do líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), tem afilhados no comando da Codevasf.
Alcolumbre, aliás, é justamente quem preside a comissão mista – formada por deputados e senadores – para avaliar a Medida Provisória enviada por Lula para reestruturar ministérios e repartições.
Lira chegou a dizer que o expressivo placar de votação do arcabouço fiscal – com 372 votos a favor do projeto e 108 contrários – não significava uma vitória do Planalto, mas, sim, do Brasil.
Nesse cenário, o ministério mais prejudicado no relatório produzido pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), e aprovado nesta quarta-feira, 24, foi o do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva.
Horas antes da votação da Medida Provisória na comissão mista, Marina criticou as mudanças enxertadas pelo Congresso na estrutura dos ministérios e disse que esse modelo provocaria impacto na imagem ambiental do Brasil no exterior porque pareceria a reedição do governo de Jair Bolsonaro.
“Não basta a credibilidade do presidente Lula ou da ministra do Meio Ambiente”, afirmou Marina, referindo-se a ela mesma na terceira pessoa. “O mundo vai olhar para o arcabouço legal e ver que a estrutura do governo não é a que ganhou as eleições. É a estrutura do governo que perdeu. Isso vai fechar todas as nossas portas. É um erro estratégico”, insistiu.
Não adiantou. Embora todas as mudanças ainda tenham de passar, no prazo recorde de uma semana, pela avaliação dos plenários da Câmara e do Senado, o texto que saiu nesta quarta feira, 24, da comissão mista já indica que o Congresso também quer governar.
O Meio Ambiente foi depenado e perdeu o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão. A administração dos resíduos sólidos, por sua vez, ficará com Cidades, pasta controlada pelo MDB.
Até agora, aparentemente, Marina venceu o primeiro round da briga com o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras para impedir a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Ganhou, mas não levou. Além de enfrentar pressão para o Ibama mudar seu posicionamento, sofreu nesta quarta-feira um forte revés.
Se nada mudar nas votações de plenário, a Agência Nacional de Águas (ANA) será agora subordinada ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional e outras divisões do Meio Ambiente passarão por um processo de esvaziamento.
Na outra ponta, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) terá gestão compartilhada entre o Ministério da Agricultura, chefiado por Carlos Fávaro (PSD), e o do Desenvolvimento Agrário, nas mãos de Paulo Teixeira (PT). Mas a estrutura mais importante da Conab, como comercialização, abastecimento e garantia de preços mínimos, sairá do domínio petista. Já a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), hoje sob o guarda-chuva do ministério comandado por Sônia Guajajara, vai ser realocada para a Justiça, com Flávio Dino à frente.
Na prática, embora a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê mudanças no sistema de governo e estabelece o semipresidencialismo no Brasil não tenha avançado no Congresso, é exatamente disso que se trata. E, nesse jogo, ninguém tem dúvidas de quem quer ser o primeiro-ministro.