A gratidão e o confessionário frequentaram o noticiário político nesta semana com um mesmo personagem: o senador Davi Alcolumbre (União-AP). Desde que deixou a presidência do Senado, no ano passado, Alcolumbre tem feito movimentos que intrigam tanto o Congresso quanto o Palácio do Planalto. Agora, porém, decidiu se expor mais e por a “cara toda no fogo”, expressão um dia usada pelo presidente Jair Bolsonaro ao defender o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro.
Em entrevista ao Estadão, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) disse que, após a eleição de Rodrigo Pacheco para o comando do Senado, em fevereiro de 2021, recebeu R$ 50 milhões em emendas parlamentares do orçamento secreto. O montante, segundo do Val, foi pago a ele como “gratidão” pelo apoio à campanha de Pacheco.
Do Val rechaçou o termo “compra de votos”, sob o argumento de que teria direito a emendas, só que numa quantia cinco vezes menor. Mas o intermediário pelo pagamento da “gratidão” foi quem? Alcolumbre, o homem que coordenou a campanha de Pacheco à sua própria sucessão no comando do Senado. Naquela ocasião, fechou com o então candidato o compromisso para um revezamento na cadeira. Hoje, espera ter o apoio do afilhado para voltar à presidência da Casa, na disputa de 2023. Será?
Ainda nesta semana, Alcolumbre protagonizou dois outros episódios que chamaram a atenção. Na terça-feira, 5, ajudou Pacheco a articular o enterro da CPI para investigar denúncias de corrupção no MEC, caso revelado pelo Estadão, em março. O discurso oficial é o de que a CPI ficará para depois das eleições, mas, na prática, todos sabem que essa foi a saída encontrada pelos governistas para barrar a investigação. “CPI do MEC? Chance zero”, resumiu o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).
Um dia depois, na quarta-feira, 6, Alcolumbre se expôs ainda mais. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, o senador tentou votar às pressas a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de sua autoria, que permite a nomeação de parlamentares para o cargo de embaixador, sem perda de mandato. Só que ali sofreu um revés.
“Parece que foi decretado estado de sítio aqui”, protestou o senador Esperidião Amin (Progressistas-SC), dirigindo-se a Alcolumbre, ao observar que havia pessoas no corredor impedidas de entrar na sala da Comissão de Constituição e Justiça para assistir àquela sessão.
Diante da perplexidade do interlocutor, Amin prosseguiu com as críticas. “Eu tive de atender um padre ali fora”, contou ele, numa referência ao padre Valdir Primm, do Hospital Dom Joaquim (SC), que estava ali para lhe entregar uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. “Fez muito bem porque foi para se confessar. Está tudo tranquilo”, ironizou Alcolumbre. “Antes fosse porque aí eu usaria a sua sala, o seu confessionário, que Vossa Excelência não tem usado”, devolveu Amin.
Depois de muito bate-boca, a votação foi adiada duas vezes porque Alcolumbre acabou sendo obrigado a recuar ainda mais. A apreciação da PEC ficou agora para o período posterior ao recesso parlamentar. A proposta em discussão põe 185 cargos diplomáticos na mesa da barganha entre o Planalto e o Congresso e deixa o Itamaraty à mercê do loteamento político.
Até o Planalto, que parecia ver a PEC com simpatia e não queria contrariar Alcolumbre, mudou de posição após os protestos. Em notas técnicas divulgadas na quarta-feira, a Casa Civil e o Itamaraty se posicionaram contra a ideia, que abre caminho para parlamentares ganharem “uma boquinha” no exterior, como definiu Amin.
“Essa proposta vai na linha da destruição geral da República, mas o senador Alcolumbre disse que isso é para eliminar a discriminação que pesa contra os parlamentares”, afirmou o ex-chanceler Aloysio Nunes. “Eu fui parlamentar por vinte anos e nunca me senti discriminado. É que sou couro duro. Talvez ele seja mais sensível.”
Não foi só Alcolumbre, porém, que agiu para votar propostas a jato, nos últimos dias. Nesta quinta-feira, 7, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), convocou uma sessão às 6h30 para tentar aprovar a PEC Kamikaze, que amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e concede outras “bondades” – na prática, “bombas” que vão estourar mais adiante –, a menos de 90 dias das eleições. A sessão durou apenas um minuto e os líderes não puderam falar.
Apesar do estado de emergência política para salvar a eleição de Bolsonaro, Lira precisou adiar a votação para a semana que vem, por medo de falta de quórum. “Essa é a PEC da compra de votos”, atacou a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP). “A base obedece a comandos, como se fosse adestrada pelo presidente da República, e depois ganha petiscos”, completou Joice, que foi líder do governo Bolsonaro quando era do PSL, mas rompeu com o presidente e mudou de partido.
Por trás de todas essas articulações existe, ainda, a disputa pelo comando do Congresso, em fevereiro de 2023. Lira é candidato a novo mandato à frente da Câmara e Pacheco deseja ser reeleito para a presidência do Senado.
Os movimentos de Alcolumbre, no entanto, indicam que ele também está em campanha para tentar retornar ao antigo posto. Há no Planalto, porém, quem diga que o senador corre até mesmo o risco de não se reeleger. Procurado, Alcolumbre não se manifestou.
O senador comprou briga com evangélicos, e com o próprio Bolsonaro, quando segurou por mais de quatro meses, no ano passado, a sabatina do ex-ministro André Mendonça, indicado pelo presidente para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
À época, ministros palacianos observavam que ele agia assim em represália ao governo, por entender que Bolsonaro não lhe dava o apoio devido. Ninguém nunca descobriu o que seria isso. Mas, como diz Aloysio Nunes, o senador é “couro duro”. Saiu do limbo político e ganhou os holofotes. Mesmo sendo as luzes da crise.