Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) fechou o cerco contra Jair Bolsonaro, aliados do ex-presidente aumentaram o tom do confronto com a Corte. O STF já tem maioria para estabelecer que não existe possibilidade de intervenção militar “dentro das quatro linhas da Constituição”, como dizia Bolsonaro. Além disso, está a um passo de ampliar o alcance do foro privilegiado para autoridades, mesmo que sejam “ex” e não ocupem mais cargos, o que tem potencial para desengavetar processos contra Bolsonaro arquivados em primeira instância.
A próxima batalha será o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, que mobiliza o mundo evangélico na cruzada contra “demônios” da esquerda e preocupa o Palácio do Planalto. É justamente aí que entra o ministro do STF Dias Toffoli.
No último dia 6, Toffoli pediu mais tempo para analisar o caso e adiou a decisão. Pode agora apresentar o voto até o início de junho. Com a estratégia, o magistrado tem buscado entendimento dentro e fora do Supremo.
Um de seus interlocutores é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte e a posse de qualquer droga, independentemente da quantidade. O outro é o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A proposta de Pacheco entrou em cena como reação ao que senadores chamam de “ativismo judicial” do Supremo.
Toffoli vai surpreender ao abrir uma nova corrente na Corte: ele votará pela constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que foi aprovada pelo Legislativo em 2006 e não prevê pena de prisão para usuários, mas, sim, sanções alternativas. Será, porém, conservador. Ao contrário dos ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber (já aposentada), Toffoli se posicionará contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.
A ideia do magistrado é dar um prazo de 18 meses para a Anvisa, o Congresso e o Executivo estabelecerem uma política pública em relação aos usuários, até mesmo com a oferta de tratamento para dependentes químicos. Pela proposta, caberá a essas instâncias, e não ao Supremo, regulamentar a quantidade de maconha que diferenciará o consumidor do traficante e como será feita a comercialização.
No momento em que a Alemanha se torna o terceiro país europeu a autorizar o uso recreativo da maconha e o Brasil tem 28% da população carcerária presa por crimes previstos na Lei de Drogas, há perguntas sem resposta de todos os lados. Dois exemplos: 1) Quem vai vender a droga?; 2) Como evitar que consumidores procurem traficantes para fazer a compra? Não será o STF a decidir isso.
Ministro tomou decisões polêmicas sobre Lava Jato
Indicado para o cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Toffoli tomou decisões polêmicas nos últimos tempos, como as que suspenderam multas bilionárias em acordos de leniência da Lava Jato. Agora, nesse julgamento, está disposto a se aliar ao ministro evangélico André Mendonça, a Kassio Nunes Marques – os dois nomeados por Bolsonaro – e também a Cristiano Zanin, que foi advogado de Lula. Os três avaliaram que há problemas de saúde e de segurança da população que precisam ser levados em conta.
Falta, porém, apenas um voto para descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio. Além de Toffoli, os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia ainda não se manifestaram. Flávio Dino não entra nesse caso porque Rosa Weber votou antes de deixar a Corte.
Na prática, Toffoli começou a agir para evitar a rota de colisão do STF com o Congresso. Nos bastidores, ele tenta construir um acordo para virar o jogo, uma vez que ministros ainda têm chance de ajustar seus votos e definir um novo modelo regulatório.
Se isso ocorrer, a PEC de Pacheco pode acabar morrendo na praia. Aprovada na CCJ, a proposta é politicamente interessante para o discurso da oposição e até mesmo do senador, que é pré-candidato ao governo de Minas, em 2026, e precisa dos votos da direita. Mas não é de fácil tramitação porque ainda precisa passar por duas votações no plenário do Senado e da Câmara.
De quebra, com tantas articulações, Toffoli dá uma força para Lula, mesmo se não for esta a sua intenção. É que, com a popularidade em queda, o governo pode até ampliar a imunidade tributária aos templos e distribuir emendas parlamentares, mas tem perdido feio a batalha da comunicação com os evangélicos. Trata-se de um segmento que representa 30% do eleitorado e vive uma simbiose com o bolsonarismo.
Diante de um cenário assim, de nada adiantam campanhas publicitárias como “Fé no Brasil”, para fazer um aceno esporádico a esse público, se eleitores conservadores pobres e moradores da periferia continuarem esquecidos pelo PT.