FLORIANÓPOLIS - Cassada na madrugada do último sábado, 4, a vereadora Maria Tereza Capra (PT), vai à Justiça tentar recuperar seu mandato na Câmara Municipal de São Miguel do Oeste. ‘Condenada’ pelos colegas com 10 votos a favor e apenas o seu próprio contrário à punição máxima determinada por uma comissão de inquérito e ética parlamentar, ela não recua da acusação de que apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro têm repetido e “naturalizado” o uso de um gesto de “clara inspiração” nazista na cidade, o chamado “Sieg Heil”.
Após quase três meses refugiada na casa de familiares em Porto Alegre (RS), Capra retornou ao município de pouco mais de 40 mil habitantes, na fronteira com a Argentina, para participar da sessão de julgamento. A parlamentar se “autoexilou” na capital gaúcha temendo as diversas ameaças que recebeu após denunciar o suposto gesto nazista durante o protesto golpista em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército no município, no dia 2 de novembro. “Meu carro foi riscado, desenharam uma menina com um x por cima, uma clara referência a eliminação”, disse Maria Tereza Capra.
Como mostrou o Estadão, algumas horas antes da votação na Câmara, ela recebeu um e-mail com explícita ameaça de morte. Mensagens similares, com ofensas também racistas e misóginas, foram enviadas a outras duas vereadoras catarinenses, Ana Lúcia Martins (PT), de Joinville, e Giovana Mondardo (PCdoB), de Criciúma, que também condenaram o suposto gesto nazista na manifestação de apoiadores de Bolsonaro. Ana Lúcia sofreu ataques racistas, sendo chamada de “macaca imunda”, enquanto Giovana Mondardo recebeu um e-mail violento e ofensivo, em que o autor a chama de “prostituta” e diz que vai matá-la.
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Segundo Maria Tereza, o gesto nazista ocorreu em outros momentos na cidade e, na avaliação dela, seria uma forma de naturalizar algo que “não pode ser natural”. Ela cita o evento de inauguração da Casa de Apoio de São Miguel Do Oeste, entidade que hospeda familiares de pacientes internados no hospital local, ocorrido em 16 de dezembro de 2022. “Eles estenderam o braço novamente. Dizem que é uma espécie de benção cristã, mas é notório que muitos dos que estavam presentes ficaram constrangidos, pois são duas coisas diferentes”, afirmou a vereadora cassada. Ela cita outra situação, também em frente ao regimento do Exército na cidade, no fim do ano passado, quando diz ter visto o vídeo de uma menina pequena marchando atrás do irmão mais velho, que portava uma bandeira brasileira. A menina, de cerca de 5 anos, mantinha o braço estendido, “repetindo o gesto que viu os adultos fazerem”. A imagem circulou em grupos de WhatsApp do município.
Maria Tereza Capra diz que pretende “aprofundar o debate contra essa tendência ideológica que flerta com o fascismo e com nazismo”, em especial por ver os atos serem repetidos por crianças. “Temos de enfrentar, essa luta é permanente e mesmo que esteja temporariamente sem mandato, vou seguir defendendo o que considero certo. Quero aprofundar a defesa dos direitos humanos e contra as injustiças”, afirmou.
Maria Tereza Capra, ex-vereadora de São Miguel do Oeste
Ela alega que “nunca” generalizou a acusação sobre a população de São Miguel do Oeste, apenas “apontou a preocupação para um gesto repudiado em todo o mundo”, chamando a atenção para as pessoas que participaram da mobilização ocorrida em novembro. “Na Alemanha, quem faz gesto nazista é preso em flagrante, enquanto aqui os vereadores da cidade cassaram alguém que questiona essa ação”, declarou.
Gesto católico
Procurada, a prefeitura de São Miguel do Oeste afirmou em nota da assessoria de imprensa que o gesto realizado durante a inauguração da Casa de Apoio foi uma “benção religiosa conduzida por uma ministra da Igreja Católica”, considerada “comum na região”. O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que recomendou a cassação da petista, o vereador Carlos Agostini (MDB) argumenta o mesmo: “A ministra pediu para fazer o gesto, que é comum na nossa região, como forma de emanar energias positivas à casa”, afirmou o parlamentar. Segundo ele, “não existem nazistas na cidade”. E completou: “É preciso neutralizar o discurso de ódio”.
Carlos Agostini, vereador de São Miguel do Oeste
Em apuração preliminar realizada ainda em novembro, o Ministério Público em Santa Catarina não considerou que os manifestantes do protesto de novembro tenham feito “apologia do nazismo”. Segundo a promotoria, “não houve” essa intenção e “não foram identificados indícios de prática de crime’, “muito embora a atitude ser absolutamente incompatível com o respeito exigido durante a execução do hino nacional e poder gerar alguma responsabilidade”. Em dezembro, porém, uma megaoperação da Polícia Federal contra participantes de atos antidemocráticos apreendeu armas e munições na cidade e no interior do Parané.
Considerada a capital do extremo oeste catarinense, São Miguel do Oeste faz divisa com a fronteira da Argentina e é ponto de parada de turistas chilenos, paraguaios e argentinos que buscam as praias catarinenses como destino final. Com pouco mais de 41 mil habitantes, o município possui um PIB per capita de R$ 44,3 mil, segundo dados do IBGE de 2020.
São Miguel do Oeste possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado muito alto, de 0,801, segundo a última medição do IBGE, de 2010. A métrica do IDH leva em consideração indicadores de saúde, educação e renda e o valor final varia de 0 a 1 - quanto maior o número, mais desenvolvida a cidade é considerada.
Nas eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou em São Miguel do Oeste com ampla vantagem. Ele conquistou 65,87% dos votos válidos, frente aos 34,13% dedicados a Lula. O resultado é semelhante ao do Estado de Santa Catarina como um todo, onde Bolsonaro teve 69,27% dos votos válidos e Lula 30,73%.