Viagem de Lula leva Brasil para o centro da disputa entre EUA e China; leia análise


Presidente fecha acordo de cooperação em áreas estratégicas e contesta hegemonia do dólar durante visita diplomática

Por Fernanda Magnotta
Atualização:

Ao discursar em Xangai, no Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado “banco dos Brics”, Lula sugeriu que os países emergentes deveriam utilizar suas próprias moedas em transações comerciais. No dia seguinte, representantes governamentais e empresariais firmaram dezenas de acordos com a China durante o encontro presidencial entre Lula e Xi Jinping.

Com esse movimento, o Brasil colocou-se como parte de um circuito relevante da disputa hegemônica deste século. Fez isso ao tangenciar, no trato bilateral com a China, duas das mais sensíveis agendas na convivência desse país com os Estados Unidos: a competição comercial no contexto da revolução industrial 4.0 e dominância internacional do dólar.

Desde o anúncio de projetos como o Belt and Road Initiative e o “Made in China 2025″, a concorrência chinesa em matéria de tecnologia e inovação tem sido um incômodo constante para os Estados Unidos, vide a recente política de Biden sobre os chips chineses, considerada uma das mais ousadas de todos os tempos quando o assunto é a contenção da China. Ao priorizar uma agenda de cooperação industrial e em infraestrutura, serviços, tecnologia da informação e telecomunicações, além de cooperação espacial, com direito a programa de satélites com a China, o relacionamento sino-brasileiro se afasta cada vez mais do comércio de produtos de baixo valor agregado para flertar com áreas estratégicas que incomodam os norte-americanos.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido pelo presidente da China, Xi Jinping, no Grande Palácio do Povo; países assinam acordos bilaterais Foto: Ken Ishii/AP

Além disso, ao colocar em dúvida a “hegemonia da moeda”, o Brasil também se põe em rota de colisão com os Estados Unidos. A busca por estabilização financeira e por reconstrução no contexto da Segunda Guerra aumentou a demanda por dólar, o que contribuiu para que ele se tornasse a principal moeda de reserva internacional naquele momento. Desde então o dólar é usado como mecanismo de troca na maioria dos acordos comerciais e contratos internacionais. Por ser uma moeda considerada estável e confiável, tem facilitado transações mundo afora por décadas, fortalecendo a posição dos Estados Unidos como líderes no comércio e nos fluxos financeiros mundiais.

Sabemos que o dólar é especialmente vital para os mercados de commodities, já que esses produtos são precificados nessa moeda, o que tende a desencorajar empresas brasileiras a abandoná-la como meio de troca mesmo diante da manifestação de Lula. Ainda assim, esse não deixa de ser um movimento importante, já que questionar a dependência do dólar significa questionar, no limite, um pilar importante da própria liderança norte-americana.

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Além disso, é importante ter em mente que não se trata apenas de retórica política de Lula. Recentemente a filial brasileira do banco estatal ICBC (Industrial and Commercial Bank of China) disse já ter realizado a sua primeira transação diretamente em renminbi. Além disso, entre os anúncios que vêm da delegação brasileira na China está o informe do Banco BOCOM BBM sobre sua adesão ao CIPS (China Interbank Payment System), que é a alternativa chinesa ao Swift, a rede de comunicação financeira que predomina no mundo ocidental e que permite a troca segura e rápida de informações entre instituições financeiras.

O mundo está em transformação e, ao que tudo indica, os caminhos da mudança passam, cada vez mais, pelo Sul global.

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*Fernanda Magnotta é doutora, especialista em Estados Unidos e coordenadora de Relações Internacionais na FAAP

A China visitada por Lula

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Ao discursar em Xangai, no Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado “banco dos Brics”, Lula sugeriu que os países emergentes deveriam utilizar suas próprias moedas em transações comerciais. No dia seguinte, representantes governamentais e empresariais firmaram dezenas de acordos com a China durante o encontro presidencial entre Lula e Xi Jinping.

Com esse movimento, o Brasil colocou-se como parte de um circuito relevante da disputa hegemônica deste século. Fez isso ao tangenciar, no trato bilateral com a China, duas das mais sensíveis agendas na convivência desse país com os Estados Unidos: a competição comercial no contexto da revolução industrial 4.0 e dominância internacional do dólar.

Desde o anúncio de projetos como o Belt and Road Initiative e o “Made in China 2025″, a concorrência chinesa em matéria de tecnologia e inovação tem sido um incômodo constante para os Estados Unidos, vide a recente política de Biden sobre os chips chineses, considerada uma das mais ousadas de todos os tempos quando o assunto é a contenção da China. Ao priorizar uma agenda de cooperação industrial e em infraestrutura, serviços, tecnologia da informação e telecomunicações, além de cooperação espacial, com direito a programa de satélites com a China, o relacionamento sino-brasileiro se afasta cada vez mais do comércio de produtos de baixo valor agregado para flertar com áreas estratégicas que incomodam os norte-americanos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido pelo presidente da China, Xi Jinping, no Grande Palácio do Povo; países assinam acordos bilaterais Foto: Ken Ishii/AP

Além disso, ao colocar em dúvida a “hegemonia da moeda”, o Brasil também se põe em rota de colisão com os Estados Unidos. A busca por estabilização financeira e por reconstrução no contexto da Segunda Guerra aumentou a demanda por dólar, o que contribuiu para que ele se tornasse a principal moeda de reserva internacional naquele momento. Desde então o dólar é usado como mecanismo de troca na maioria dos acordos comerciais e contratos internacionais. Por ser uma moeda considerada estável e confiável, tem facilitado transações mundo afora por décadas, fortalecendo a posição dos Estados Unidos como líderes no comércio e nos fluxos financeiros mundiais.

Sabemos que o dólar é especialmente vital para os mercados de commodities, já que esses produtos são precificados nessa moeda, o que tende a desencorajar empresas brasileiras a abandoná-la como meio de troca mesmo diante da manifestação de Lula. Ainda assim, esse não deixa de ser um movimento importante, já que questionar a dependência do dólar significa questionar, no limite, um pilar importante da própria liderança norte-americana.

Além disso, é importante ter em mente que não se trata apenas de retórica política de Lula. Recentemente a filial brasileira do banco estatal ICBC (Industrial and Commercial Bank of China) disse já ter realizado a sua primeira transação diretamente em renminbi. Além disso, entre os anúncios que vêm da delegação brasileira na China está o informe do Banco BOCOM BBM sobre sua adesão ao CIPS (China Interbank Payment System), que é a alternativa chinesa ao Swift, a rede de comunicação financeira que predomina no mundo ocidental e que permite a troca segura e rápida de informações entre instituições financeiras.

O mundo está em transformação e, ao que tudo indica, os caminhos da mudança passam, cada vez mais, pelo Sul global.

*Fernanda Magnotta é doutora, especialista em Estados Unidos e coordenadora de Relações Internacionais na FAAP

A China visitada por Lula

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Ao discursar em Xangai, no Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado “banco dos Brics”, Lula sugeriu que os países emergentes deveriam utilizar suas próprias moedas em transações comerciais. No dia seguinte, representantes governamentais e empresariais firmaram dezenas de acordos com a China durante o encontro presidencial entre Lula e Xi Jinping.

Com esse movimento, o Brasil colocou-se como parte de um circuito relevante da disputa hegemônica deste século. Fez isso ao tangenciar, no trato bilateral com a China, duas das mais sensíveis agendas na convivência desse país com os Estados Unidos: a competição comercial no contexto da revolução industrial 4.0 e dominância internacional do dólar.

Desde o anúncio de projetos como o Belt and Road Initiative e o “Made in China 2025″, a concorrência chinesa em matéria de tecnologia e inovação tem sido um incômodo constante para os Estados Unidos, vide a recente política de Biden sobre os chips chineses, considerada uma das mais ousadas de todos os tempos quando o assunto é a contenção da China. Ao priorizar uma agenda de cooperação industrial e em infraestrutura, serviços, tecnologia da informação e telecomunicações, além de cooperação espacial, com direito a programa de satélites com a China, o relacionamento sino-brasileiro se afasta cada vez mais do comércio de produtos de baixo valor agregado para flertar com áreas estratégicas que incomodam os norte-americanos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido pelo presidente da China, Xi Jinping, no Grande Palácio do Povo; países assinam acordos bilaterais Foto: Ken Ishii/AP

Além disso, ao colocar em dúvida a “hegemonia da moeda”, o Brasil também se põe em rota de colisão com os Estados Unidos. A busca por estabilização financeira e por reconstrução no contexto da Segunda Guerra aumentou a demanda por dólar, o que contribuiu para que ele se tornasse a principal moeda de reserva internacional naquele momento. Desde então o dólar é usado como mecanismo de troca na maioria dos acordos comerciais e contratos internacionais. Por ser uma moeda considerada estável e confiável, tem facilitado transações mundo afora por décadas, fortalecendo a posição dos Estados Unidos como líderes no comércio e nos fluxos financeiros mundiais.

Sabemos que o dólar é especialmente vital para os mercados de commodities, já que esses produtos são precificados nessa moeda, o que tende a desencorajar empresas brasileiras a abandoná-la como meio de troca mesmo diante da manifestação de Lula. Ainda assim, esse não deixa de ser um movimento importante, já que questionar a dependência do dólar significa questionar, no limite, um pilar importante da própria liderança norte-americana.

Além disso, é importante ter em mente que não se trata apenas de retórica política de Lula. Recentemente a filial brasileira do banco estatal ICBC (Industrial and Commercial Bank of China) disse já ter realizado a sua primeira transação diretamente em renminbi. Além disso, entre os anúncios que vêm da delegação brasileira na China está o informe do Banco BOCOM BBM sobre sua adesão ao CIPS (China Interbank Payment System), que é a alternativa chinesa ao Swift, a rede de comunicação financeira que predomina no mundo ocidental e que permite a troca segura e rápida de informações entre instituições financeiras.

O mundo está em transformação e, ao que tudo indica, os caminhos da mudança passam, cada vez mais, pelo Sul global.

*Fernanda Magnotta é doutora, especialista em Estados Unidos e coordenadora de Relações Internacionais na FAAP

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