Adriano, João, Janjão, Pedro. Com vários codinomes, documentos falsos, terno e gravata, óculos de que não precisava e uma arma carregada e pronta para uso, o hoje vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz, do PMDB, viveu dois períodos de clandestinidade no Brasil: um de 1969 a 1972 e outro de 1976 a 1979. Dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), Muniz vivia em outros Estados, mas visitava o Rio com frequência, fazendo contatos com dirigentes de outras organizações armadas. Por pelo menos três vezes, esteve perto de ser preso, mas escapou, por ter percebido movimentações estranhas.
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No dia em que a anistia foi assinada pelo presidente João Figueiredo, dirigiu-se à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro onde, em um gabinete parlamentar, deu entrevista coletiva, saindo definitivamente da vida clandestina. "Nunca requeri anistia, era uma atitude política", conta. O primeiro período, mais duro, começou após o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, feito pelo MR-8 e pela Ação Libertadora Nacional (ALN). "Foi muito difícil, porque era o ápice da repressão à luta armada", conta.
Muniz via seu rosto nos cartazes com os rostos dos "terroristas", sob a exortação: "Proteja a sua família". Havia cercos nas cidades, com blitze, muitas prisões de militantes. Muniz ajudava a organizar o MR-8 e a "frente armada" de organizações guerrilheiras. Fazia contatos com o ex-capitão Carlos Lamarca - conseguiu tirá-lo da Vanguarda Popular Revolucionária e levá-lo para o MR-8, onde morreria em 1971; com o dirigente da ALN Joaquim Câmara Ferreira, também morto; com o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido desde 1971, quando foi levado da casa em que vivia, no Leblon, por agentes da repressão.
"No dia em que foi preso, tinha um encontro comigo", relata. "Ele nos apoiava, tínhamos reuniões, trocávamos opiniões." Uma das versões para o assassinato do ex-deputado na tortura é a de que os agentes queriam que revelasse o paradeiro de "Adriano", o homem que poderia levá-los a Lamarca, procuradíssimo. Para evitar prisões, conta Muniz, pegou o hábito do horário, que preserva até hoje."Marcava um ponto (local de encontro) às 5 h, se o sujeito não estava lá às 5h, eu não ia", conta.
Procurava ver os pontos antes, para ter uma visão ampla da situação. "Vi três caídos, de longe, conta. Teve um encontro com Stuart Angel Jones, outro dirigente do MR-8 e que também desapareceria, pouco antes de ser preso - em um ponto caído em Vila Isabel, na zona norte carioca. Chegou a perceber, pela movimentação, que o companheiro caíra. Stuart foi morto sob tortura, segundo relato de outros presos políticos.
Depois de um período no exterior, quando passou por Chile, onde esteve clandestino, por Cuba, onde teve algum treinamento militar, e pela França, onde fez mestrado em economia, Muniz voltou ao Brasil, novamente na clandestinidade, em 1976. Ainda havia cartazes contra os terroristas, mas, segundo ele, a repressão não prendia imediatamente.
Uma vez, em São Paulo, ao sair de casa, em Santana, percebeu que havia uma campana a seu redor. Com calma, pegou um táxi, no qual, pelo caminho, eliminado anotações. "Levei-os para a esquina de Ipiranga com São João", conta. "Paguei o táxi, saltei e entrei numa rua de pedrestes que conhecia, sabia que havia uma galeria que levava ao outro lado." Inicialmente a passo normal, embora rápido, quando percebeu que seus seguidores não podiam vê-lo, Muniz disparou: "Parecia o (Usain) Bolt", brinca, lembrando o velocista jamaicano, que se tornou a nova sensação do atletismo. Nunca mais voltou à casa.
VOLTA
Encerrada a clandestinidade, Muniz voltou a enfrentar problemas. "No início da anistia, não havia moleza, porque continuavam com o aparato repressivo montado." Uma vez, em São Paulo, em 1980, quando participava da organização do movimento sindical, viu que era seguido. Procurou o irmão e lhe contou o que ocorria, telefonou para alguns conhecidos com o mesmo objetivo e depois foi para a casa de uma filha do secretário de Segurança de São Paulo, coronel Erasmo Dias. Ela era amiga do irmão. "Aí eles saíram", conta.
Pouco depois, ao sair de manhã para pegar um avião para Brasília, percebeu um aparato na rua - por exemplo, às 10h, um casal "namorava" num carro. "Achei que era um grupo de oito pessoas",conta. Era a época em que se vivia a onda de ataques à bomba contra bancas de jornais que vendiam jornais alternativos, de oposição. Fingiu que não percebera e pegou um táxi para o aeroporto. "Decidi que, se conseguisse identificar algum, partiria para o confronto."
Em Congonhas, depois de ligar para o deputado estadual Fernando Moraes (PMDB) e para Idibal Piveta, armou um escândalo. "Parti para cima de um sujeito , gritando: ‘Socorro, sou um anistiado, tem um torturador aqui!’ O sujeito perguntou: ‘O que é isso?’ E eu: ‘O senhor está preso!’ Com a confusão, policiais militares prenderam o homem. Moraes e Piveta chegaram e os três foram à delegacia do aeroporto, prestar queixa. Mas, na volta, já com o delegado, toda a guarnição da PM mudara, e o desconhecido sumira.
"O Fernando Moraes perguntou a um vigilante o que tinha havido, e ele disse, apontando para mim: ‘Este cidadão, que é um anestesiado, pegou um cara que era do DOI-Codi. Nunca esqueci esse anestesiado..." No mesmo dia, estouraram no Rio as bombas na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), matando Lyda Monteiro, e na Câmara de Vereadores do Rio. "Era uma operação", acredita Muniz. Ele acha que valeu a pena a experiência da resistência armada clandestina, mas não a repetiria. "Perdemos muita gente. Era uma forma equivocada de luta."