O Fórum Social Mundial (FSM) – cuja vigésima edição começou no dia 23 e vai até sábado, em formato online – já chegou a ter, em sua grade de 2009, um painel com cinco presidentes em exercício da América Latina. Recebia tratamento na imprensa como um grande encontro “anti-Davos”, capaz de fazer frente às ideias propagadas pelo Fórum Econômico Mundial, que ocorre na cidade suíça nesta época do ano. Neste ano, porém, até a participação remota do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi cancelada por que ele ainda estava, segundo a organização, “abatido” após se recuperar do coronavírus.
Enquanto a edição de 2009 do FSM contou com um painel em que Lula sentou-se com Hugo Chávez (Venezuela), Fernando Lugo (Paraguai), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) para falar de rumos da América do Sul e alternativas ao modelo capitalista, a edição de 2021 não traz presidentes e ex-presidentes em sua grade. O número de participantes, que já alcançou 100 mil em outras edições, agora chegou a 6 mil, considerando inscritos até o início do evento.
Na visão da cientista política Ana Prestes, cuja tese de doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é sobre o FSM, o encontro anual vem perdendo relevância desde 2009 e atualmente ficou estereotipado como um isolado encontro das esquerdas. “Quando ele surgiu, a imprensa cobria tanto o fórum de Davos quando o Fórum Social Mundial. A gente via, pelos jornais, que se falava dos dois encontros. Era realmente o ‘anti-Davos’, realmente era visto assim. Hoje ele não tem mais essa força”, afirmou Ana.
Ela aponta cinco motivos para a queda de relevância, inclusive um de fundo econômico: a crise mundial de 2008 afetou financeiramente as ONGs que ajudavam a organizar o Fórum, levando a uma queda do viajantes que vinham da Europa assim como a verba de projetos associados ao encontro. “É como se tivesse secado a torneira de financiamento dos Estados Unidos e da Europa”, disse.
Neste ano, os eixos temáticos do Fórum vão de assuntos ligados ao clima e meio ambiente a feminismo, justiça econômica e povos originários. O evento de abertura foi seguido de uma “marcha virtual”, que substituiu a tradicional marcha presencial, em que foram apresentados vídeos e depoimentos de movimentos por justiça social e econômica ao redor do mundo.
Um dos idealizadores do Fórum, Oded Grajew minimizou a questão da relevância do evento em si, salientando a relevância dos trabalhos realizados no encontro. Também citou ao Estadão os frutos colhidos a partir da existência, há vinte anos, de um contraponto a Davos. “O que é importante no Fórum Social Mundial não é aparecer ou ser mais relevante”, afirmou. “O importante é a relevância que ele gera, ele é o meio para os temas levantados, as denúncias citadas e a articulação que o encontro gera.”
Grajew lembra que, quando o Fórum Social Mundial passou a ser realizado, prevalecia o entendimento de que a economia livre de amarras e regulações seria o caminho para propiciar bem-estar a todas as pessoas. “Chegavam a dizer que a humanidade tinha chegado ao fim da História, tinha alcançado o modelo (de funcionamento) ideal para o mundo”, disse.
“Hoje em dia, ninguém vai advogar que a economia livre de todas as regras terá esse efeito. O assunto das desigualdades está mais visível do que nunca, assim como a questão ambiental e as ameaças à democracia. Inclusive foram esses os grandes eixos da campanha do Joe Biden”, concluiu, citando o novo presidente dos Estados Unidos.