Visita de conselheiro de Biden a Lula indica retomada de pragmatismo com EUA


Presidente eleito conta com aliança para se posicionar como líder mundial em temas como o clima, enquanto americanos querem reabrir diálogo no continente

Por Beatriz Bulla
Atualização: Correção:

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta segunda-feira, 5, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, em um novo sinal da intenção do petista de retomar o pragmatismo da política externa brasileira e reconstruir a relação com o governo americano. O envio de uma comitiva de alto escalão a Brasília foi considerado um gesto da disposição da Casa Branca de trabalhar com o Brasil.

“A visita de Sullivan foi um gesto muito expressivo da parte dos americanos. Não me lembro de nenhum precedente parecido com esse nos últimos 50 anos”, disse Rubens Ricupero, ex-embaixador brasileiro em Washington. “A vitória de Biden, dois anos atrás, ajudou muito na transição do Brasil”, afirmou.

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O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o conselheiro de segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, após reunião nesta segunda-feira, 5. Foto: Ricardo Stuckert

Para Rubens Barbosa, que também foi embaixador do Brasil nos EUA, a tendência é Lula reconstruir a autonomia da política externa brasileira – embora ainda seja cedo para determinar o grau de ideologização do futuro Itamaraty. “O ideal seria adotar uma diplomacia equidistante, entre EUA e China, como faz a maioria dos países do mundo”, afirmou Barbosa.

Felipe Loureiro, historiador e professor de Relações Internacionais da USP, disse acreditar em uma ruptura com o estilo de diplomacia pessoal adotada com Jair Bolsonaro e Donald Trump, entre 2019 e 2020. “A aproximação de Biden com Lula é uma resposta à tendência de neutralismo da política externa do futuro governo Lula”, disse o professor.

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“Desde a vitória de Lula, ficou evidente a disposição de Biden em se aproximar do petista. Em política externa, os dois têm preocupações comuns, como as mudanças climáticas, a crise da Venezuela e as ameaças globais à democracia”, afirmou Guilherme Casarões, professor da FGV, doutor e mestre em Ciência Política pela USP e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual de Campinas. “Além disso, ambos vivem turbulências antidemocráticas causadas pela extrema direita – trumpista e bolsonarista –, que opera de maneira coordenada e transnacional.”

Lula conta com a aliança com os EUA para recolocar o Brasil em posição de protagonista em temas globais. Biden vê a possibilidade de abrir um canal na América Latina com o país mais importante da região. Aos americanos, interessa construir uma relação bilateral sólida, em um momento de guerra na Europa e de tensões no Haiti, de violência na América Central e de crise na Venezuela, que pressionam o fluxo migratório em direção aos Estados Unidos.

A viagem de Sullivan ao Brasil, antes da posse, e o convite para Lula se encontrar com Biden nos EUA são parte de uma série de sinalizações da diplomacia americana para estabelecer uma boa relação com o futuro governo.

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Lula e Sullivan conversaram sobre a situação da democracia nos EUA e no Brasil e traçaram paralelos entre os dois países. O governo americano tem a memória do que aconteceu em 2020, quando apoiadores do ex-presidente Trump questionaram o resultado da eleição.

Da última vez que Sullivan esteve no País, no ano passado, enviou uma mensagem clara a integrantes do governo Bolsonaro e ao próprio presidente sobre a confiança da Casa Branca no sistema eleitoral brasileiro e sobre a expectativa de que ele não interferisse na disputa de 2022.

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“Fez-se uma comparação entre o trumpismo e o bolsonarismo e a necessidade de reforçar a democracia. Sullivan acentuou a importância da eleição como foi, democrática, com a vitória de Lula, e como isso foi importante para a democracia no Brasil, na região e no mundo”, disse o ex-chanceler Celso Amorim, sobre a conversa entre eles.

Logo após a divulgação do resultado das eleições no Brasil, no dia 30 de outubro, a Casa Branca disparou nota reconhecendo a vitória do petista. No dia seguinte, Biden e Lula conversaram ao telefone. Os dois atos foram parte da estratégia americana para liderar um movimento, perante a comunidade internacional, que desencorajasse a contestação dos resultados por Bolsonaro.

Lula e Sullivan também falaram sobre a situação do Haiti e a proposta americana de uma missão internacional no país. Como o Estadão revelou, os Estados Unidos tentam costurar com aliados uma missão no Haiti e precisam de um aliado que lidere a proposta. O Brasil costuma ser lembrado pelos americanos por ter capitaneado o braço militar da missão que ficou 13 anos no país da América Central.

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Segundo Amorim, a proposta sobre a missão foi mencionada por Sullivan, sem que o americano sugerisse a participação do Brasil na empreitada. “O tema do Haiti foi mencionado. O próprio presidente Lula lembrou o empenho que o Brasil teve no passado na questão do Haiti, enfrentando às vezes até oposição interna, e a preocupação que ele tem porque a situação hoje é muito pior”, afirmou. “Não vou entrar em detalhes, mas ele (Jake Sullivan) revelou também essa preocupação (com o Haiti), mas não fez nenhum pedido específico ao Brasil.”

A proposta dos Estados Unidos foi levada a público pela primeira vez durante uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A Casa Branca tenta costurar com aliados a missão, que seria endossada pelo órgão sob o Capítulo 7 da Carta da ONU, que trata de “ações relativas aos tratados de paz, rupturas da paz e atos de agressão”.

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O Brasil ocupa uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança desde o início deste ano e permanecerá com voto no órgão até o fim de 2023. Pessoas envolvidas na transição, no entanto, veem a participação em força multinacional como inoportuna.

Segundo Amorim, Lula e Sullivan também falaram sobre questões climáticas, sobre a guerra na Ucrânia e sobre a situação política na Venezuela. Sobre o tema ambiental, o ex-chanceler brasileiro afirmou que os dois discutiram a necessidade de engajamento de EUA e Brasil no assunto, sem debater medidas específicas.

Já em relação à Ucrânia, Amorim também afirmou que o debate ficou em torno de análises sobre a guerra e a vontade de trabalhar pela paz, sem discussão sobre temas concretos. Lula defendeu uma nova governança global, com revisão do funcionamento do Conselho de Segurança da ONU.

Lula disse algumas vezes que gostaria de ir aos EUA antes da posse, como fez em 2002 para se encontrar com o então presidente George W. Bush. Segundo Amorim, o presidente eleito foi convidado por Sullivan para o encontro, mas disse aos americanos que não deve fazer a viagem antes da posse em razão de negociações políticas em andamento no País. Após a reunião, Lula usou uma rede social para falar que está “animado” para se reunir com Biden.

“O presidente Lula comentou a situação interna, várias providências que têm de ser tomadas, negociações diversas que estão ocorrendo, e disse que talvez não desse (para viajar antes da posse). Valorizou muito o fato, mas disse que talvez não desse. Ele (Lula) acha que dá para ir no início do ano, em uma visita oficial como presidente”, afirmou Amorim.

O encontro desta segunda-feira durou quase duas horas e foi avaliado por fontes dos dois lados como positivo. Antes de uma viagem aos EUA, no entanto, o petista precisa resolver impasses entre os partidos aliados para nomear os ministros do futuro governo – até agora, nenhum nome foi oficialmente indicado –, montar uma base de apoio no Congresso e aprovar a PEC da Transição.

Além de Amorim, participaram da reunião, pelo lado brasileiro, o petista Fernando Haddad, que deve assumir o Ministério da Fazenda no futuro governo, e o senador Jaques Wagner (PT-BA). Pelo lado americano, estiveram presentes Sullivan, Juan Gonzalez, diretor sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, e Ricardo Zuñiga, vice-secretário para assuntos do Hemisfério Ocidental.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta segunda-feira, 5, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, em um novo sinal da intenção do petista de retomar o pragmatismo da política externa brasileira e reconstruir a relação com o governo americano. O envio de uma comitiva de alto escalão a Brasília foi considerado um gesto da disposição da Casa Branca de trabalhar com o Brasil.

“A visita de Sullivan foi um gesto muito expressivo da parte dos americanos. Não me lembro de nenhum precedente parecido com esse nos últimos 50 anos”, disse Rubens Ricupero, ex-embaixador brasileiro em Washington. “A vitória de Biden, dois anos atrás, ajudou muito na transição do Brasil”, afirmou.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o conselheiro de segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, após reunião nesta segunda-feira, 5. Foto: Ricardo Stuckert

Para Rubens Barbosa, que também foi embaixador do Brasil nos EUA, a tendência é Lula reconstruir a autonomia da política externa brasileira – embora ainda seja cedo para determinar o grau de ideologização do futuro Itamaraty. “O ideal seria adotar uma diplomacia equidistante, entre EUA e China, como faz a maioria dos países do mundo”, afirmou Barbosa.

Felipe Loureiro, historiador e professor de Relações Internacionais da USP, disse acreditar em uma ruptura com o estilo de diplomacia pessoal adotada com Jair Bolsonaro e Donald Trump, entre 2019 e 2020. “A aproximação de Biden com Lula é uma resposta à tendência de neutralismo da política externa do futuro governo Lula”, disse o professor.

“Desde a vitória de Lula, ficou evidente a disposição de Biden em se aproximar do petista. Em política externa, os dois têm preocupações comuns, como as mudanças climáticas, a crise da Venezuela e as ameaças globais à democracia”, afirmou Guilherme Casarões, professor da FGV, doutor e mestre em Ciência Política pela USP e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual de Campinas. “Além disso, ambos vivem turbulências antidemocráticas causadas pela extrema direita – trumpista e bolsonarista –, que opera de maneira coordenada e transnacional.”

Lula conta com a aliança com os EUA para recolocar o Brasil em posição de protagonista em temas globais. Biden vê a possibilidade de abrir um canal na América Latina com o país mais importante da região. Aos americanos, interessa construir uma relação bilateral sólida, em um momento de guerra na Europa e de tensões no Haiti, de violência na América Central e de crise na Venezuela, que pressionam o fluxo migratório em direção aos Estados Unidos.

A viagem de Sullivan ao Brasil, antes da posse, e o convite para Lula se encontrar com Biden nos EUA são parte de uma série de sinalizações da diplomacia americana para estabelecer uma boa relação com o futuro governo.

Lula e Sullivan conversaram sobre a situação da democracia nos EUA e no Brasil e traçaram paralelos entre os dois países. O governo americano tem a memória do que aconteceu em 2020, quando apoiadores do ex-presidente Trump questionaram o resultado da eleição.

Da última vez que Sullivan esteve no País, no ano passado, enviou uma mensagem clara a integrantes do governo Bolsonaro e ao próprio presidente sobre a confiança da Casa Branca no sistema eleitoral brasileiro e sobre a expectativa de que ele não interferisse na disputa de 2022.

“Fez-se uma comparação entre o trumpismo e o bolsonarismo e a necessidade de reforçar a democracia. Sullivan acentuou a importância da eleição como foi, democrática, com a vitória de Lula, e como isso foi importante para a democracia no Brasil, na região e no mundo”, disse o ex-chanceler Celso Amorim, sobre a conversa entre eles.

Logo após a divulgação do resultado das eleições no Brasil, no dia 30 de outubro, a Casa Branca disparou nota reconhecendo a vitória do petista. No dia seguinte, Biden e Lula conversaram ao telefone. Os dois atos foram parte da estratégia americana para liderar um movimento, perante a comunidade internacional, que desencorajasse a contestação dos resultados por Bolsonaro.

Lula e Sullivan também falaram sobre a situação do Haiti e a proposta americana de uma missão internacional no país. Como o Estadão revelou, os Estados Unidos tentam costurar com aliados uma missão no Haiti e precisam de um aliado que lidere a proposta. O Brasil costuma ser lembrado pelos americanos por ter capitaneado o braço militar da missão que ficou 13 anos no país da América Central.

Segundo Amorim, a proposta sobre a missão foi mencionada por Sullivan, sem que o americano sugerisse a participação do Brasil na empreitada. “O tema do Haiti foi mencionado. O próprio presidente Lula lembrou o empenho que o Brasil teve no passado na questão do Haiti, enfrentando às vezes até oposição interna, e a preocupação que ele tem porque a situação hoje é muito pior”, afirmou. “Não vou entrar em detalhes, mas ele (Jake Sullivan) revelou também essa preocupação (com o Haiti), mas não fez nenhum pedido específico ao Brasil.”

A proposta dos Estados Unidos foi levada a público pela primeira vez durante uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A Casa Branca tenta costurar com aliados a missão, que seria endossada pelo órgão sob o Capítulo 7 da Carta da ONU, que trata de “ações relativas aos tratados de paz, rupturas da paz e atos de agressão”.

O Brasil ocupa uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança desde o início deste ano e permanecerá com voto no órgão até o fim de 2023. Pessoas envolvidas na transição, no entanto, veem a participação em força multinacional como inoportuna.

Segundo Amorim, Lula e Sullivan também falaram sobre questões climáticas, sobre a guerra na Ucrânia e sobre a situação política na Venezuela. Sobre o tema ambiental, o ex-chanceler brasileiro afirmou que os dois discutiram a necessidade de engajamento de EUA e Brasil no assunto, sem debater medidas específicas.

Já em relação à Ucrânia, Amorim também afirmou que o debate ficou em torno de análises sobre a guerra e a vontade de trabalhar pela paz, sem discussão sobre temas concretos. Lula defendeu uma nova governança global, com revisão do funcionamento do Conselho de Segurança da ONU.

Lula disse algumas vezes que gostaria de ir aos EUA antes da posse, como fez em 2002 para se encontrar com o então presidente George W. Bush. Segundo Amorim, o presidente eleito foi convidado por Sullivan para o encontro, mas disse aos americanos que não deve fazer a viagem antes da posse em razão de negociações políticas em andamento no País. Após a reunião, Lula usou uma rede social para falar que está “animado” para se reunir com Biden.

“O presidente Lula comentou a situação interna, várias providências que têm de ser tomadas, negociações diversas que estão ocorrendo, e disse que talvez não desse (para viajar antes da posse). Valorizou muito o fato, mas disse que talvez não desse. Ele (Lula) acha que dá para ir no início do ano, em uma visita oficial como presidente”, afirmou Amorim.

O encontro desta segunda-feira durou quase duas horas e foi avaliado por fontes dos dois lados como positivo. Antes de uma viagem aos EUA, no entanto, o petista precisa resolver impasses entre os partidos aliados para nomear os ministros do futuro governo – até agora, nenhum nome foi oficialmente indicado –, montar uma base de apoio no Congresso e aprovar a PEC da Transição.

Além de Amorim, participaram da reunião, pelo lado brasileiro, o petista Fernando Haddad, que deve assumir o Ministério da Fazenda no futuro governo, e o senador Jaques Wagner (PT-BA). Pelo lado americano, estiveram presentes Sullivan, Juan Gonzalez, diretor sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, e Ricardo Zuñiga, vice-secretário para assuntos do Hemisfério Ocidental.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta segunda-feira, 5, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, em um novo sinal da intenção do petista de retomar o pragmatismo da política externa brasileira e reconstruir a relação com o governo americano. O envio de uma comitiva de alto escalão a Brasília foi considerado um gesto da disposição da Casa Branca de trabalhar com o Brasil.

“A visita de Sullivan foi um gesto muito expressivo da parte dos americanos. Não me lembro de nenhum precedente parecido com esse nos últimos 50 anos”, disse Rubens Ricupero, ex-embaixador brasileiro em Washington. “A vitória de Biden, dois anos atrás, ajudou muito na transição do Brasil”, afirmou.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o conselheiro de segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, após reunião nesta segunda-feira, 5. Foto: Ricardo Stuckert

Para Rubens Barbosa, que também foi embaixador do Brasil nos EUA, a tendência é Lula reconstruir a autonomia da política externa brasileira – embora ainda seja cedo para determinar o grau de ideologização do futuro Itamaraty. “O ideal seria adotar uma diplomacia equidistante, entre EUA e China, como faz a maioria dos países do mundo”, afirmou Barbosa.

Felipe Loureiro, historiador e professor de Relações Internacionais da USP, disse acreditar em uma ruptura com o estilo de diplomacia pessoal adotada com Jair Bolsonaro e Donald Trump, entre 2019 e 2020. “A aproximação de Biden com Lula é uma resposta à tendência de neutralismo da política externa do futuro governo Lula”, disse o professor.

“Desde a vitória de Lula, ficou evidente a disposição de Biden em se aproximar do petista. Em política externa, os dois têm preocupações comuns, como as mudanças climáticas, a crise da Venezuela e as ameaças globais à democracia”, afirmou Guilherme Casarões, professor da FGV, doutor e mestre em Ciência Política pela USP e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual de Campinas. “Além disso, ambos vivem turbulências antidemocráticas causadas pela extrema direita – trumpista e bolsonarista –, que opera de maneira coordenada e transnacional.”

Lula conta com a aliança com os EUA para recolocar o Brasil em posição de protagonista em temas globais. Biden vê a possibilidade de abrir um canal na América Latina com o país mais importante da região. Aos americanos, interessa construir uma relação bilateral sólida, em um momento de guerra na Europa e de tensões no Haiti, de violência na América Central e de crise na Venezuela, que pressionam o fluxo migratório em direção aos Estados Unidos.

A viagem de Sullivan ao Brasil, antes da posse, e o convite para Lula se encontrar com Biden nos EUA são parte de uma série de sinalizações da diplomacia americana para estabelecer uma boa relação com o futuro governo.

Lula e Sullivan conversaram sobre a situação da democracia nos EUA e no Brasil e traçaram paralelos entre os dois países. O governo americano tem a memória do que aconteceu em 2020, quando apoiadores do ex-presidente Trump questionaram o resultado da eleição.

Da última vez que Sullivan esteve no País, no ano passado, enviou uma mensagem clara a integrantes do governo Bolsonaro e ao próprio presidente sobre a confiança da Casa Branca no sistema eleitoral brasileiro e sobre a expectativa de que ele não interferisse na disputa de 2022.

“Fez-se uma comparação entre o trumpismo e o bolsonarismo e a necessidade de reforçar a democracia. Sullivan acentuou a importância da eleição como foi, democrática, com a vitória de Lula, e como isso foi importante para a democracia no Brasil, na região e no mundo”, disse o ex-chanceler Celso Amorim, sobre a conversa entre eles.

Logo após a divulgação do resultado das eleições no Brasil, no dia 30 de outubro, a Casa Branca disparou nota reconhecendo a vitória do petista. No dia seguinte, Biden e Lula conversaram ao telefone. Os dois atos foram parte da estratégia americana para liderar um movimento, perante a comunidade internacional, que desencorajasse a contestação dos resultados por Bolsonaro.

Lula e Sullivan também falaram sobre a situação do Haiti e a proposta americana de uma missão internacional no país. Como o Estadão revelou, os Estados Unidos tentam costurar com aliados uma missão no Haiti e precisam de um aliado que lidere a proposta. O Brasil costuma ser lembrado pelos americanos por ter capitaneado o braço militar da missão que ficou 13 anos no país da América Central.

Segundo Amorim, a proposta sobre a missão foi mencionada por Sullivan, sem que o americano sugerisse a participação do Brasil na empreitada. “O tema do Haiti foi mencionado. O próprio presidente Lula lembrou o empenho que o Brasil teve no passado na questão do Haiti, enfrentando às vezes até oposição interna, e a preocupação que ele tem porque a situação hoje é muito pior”, afirmou. “Não vou entrar em detalhes, mas ele (Jake Sullivan) revelou também essa preocupação (com o Haiti), mas não fez nenhum pedido específico ao Brasil.”

A proposta dos Estados Unidos foi levada a público pela primeira vez durante uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A Casa Branca tenta costurar com aliados a missão, que seria endossada pelo órgão sob o Capítulo 7 da Carta da ONU, que trata de “ações relativas aos tratados de paz, rupturas da paz e atos de agressão”.

O Brasil ocupa uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança desde o início deste ano e permanecerá com voto no órgão até o fim de 2023. Pessoas envolvidas na transição, no entanto, veem a participação em força multinacional como inoportuna.

Segundo Amorim, Lula e Sullivan também falaram sobre questões climáticas, sobre a guerra na Ucrânia e sobre a situação política na Venezuela. Sobre o tema ambiental, o ex-chanceler brasileiro afirmou que os dois discutiram a necessidade de engajamento de EUA e Brasil no assunto, sem debater medidas específicas.

Já em relação à Ucrânia, Amorim também afirmou que o debate ficou em torno de análises sobre a guerra e a vontade de trabalhar pela paz, sem discussão sobre temas concretos. Lula defendeu uma nova governança global, com revisão do funcionamento do Conselho de Segurança da ONU.

Lula disse algumas vezes que gostaria de ir aos EUA antes da posse, como fez em 2002 para se encontrar com o então presidente George W. Bush. Segundo Amorim, o presidente eleito foi convidado por Sullivan para o encontro, mas disse aos americanos que não deve fazer a viagem antes da posse em razão de negociações políticas em andamento no País. Após a reunião, Lula usou uma rede social para falar que está “animado” para se reunir com Biden.

“O presidente Lula comentou a situação interna, várias providências que têm de ser tomadas, negociações diversas que estão ocorrendo, e disse que talvez não desse (para viajar antes da posse). Valorizou muito o fato, mas disse que talvez não desse. Ele (Lula) acha que dá para ir no início do ano, em uma visita oficial como presidente”, afirmou Amorim.

O encontro desta segunda-feira durou quase duas horas e foi avaliado por fontes dos dois lados como positivo. Antes de uma viagem aos EUA, no entanto, o petista precisa resolver impasses entre os partidos aliados para nomear os ministros do futuro governo – até agora, nenhum nome foi oficialmente indicado –, montar uma base de apoio no Congresso e aprovar a PEC da Transição.

Além de Amorim, participaram da reunião, pelo lado brasileiro, o petista Fernando Haddad, que deve assumir o Ministério da Fazenda no futuro governo, e o senador Jaques Wagner (PT-BA). Pelo lado americano, estiveram presentes Sullivan, Juan Gonzalez, diretor sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, e Ricardo Zuñiga, vice-secretário para assuntos do Hemisfério Ocidental.

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