A reeleição de Ricardo Nunes à Prefeitura de São Paulo tem outros dois vencedores, além do próprio prefeito: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi seu principal cabo eleitoral e conselheiro, e o MDB, que conquista pela primeira vez o comando da maior cidade do País pelo voto popular.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve uma participação discreta na campanha de Nunes, não colhe os mesmos frutos de Tarcísio, embora não saia de mãos vazias. Primeiro, porque o candidato do presidente Lula (PT) em São Paulo, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), foi derrotado nas urnas pela segunda vez. Segundo, porque o vice-prefeito eleito, o coronel Ricardo Mello Araújo (PL), é alguém de sua estrita confiança.
“Tarcísio é, sem dúvida, um dos principais vitoriosos com a eleição de Nunes, já que apoiou sua candidatura desde o início e deu suporte real. O MDB se consolidou, vencendo pela primeira vez a prefeitura de São Paulo, enquanto o PSDB saiu ainda mais enfraquecido”, analisa o cientista político Renato Dorgan.
Para Dorgan, que é CEO do Instituto Travessia, o verdadeiro derrotado em São Paulo é o presidente Lula. “O PT investiu recursos consideráveis do fundo eleitoral na campanha de Boulos e, mesmo assim, perdeu. Isso mostra que o PT enfrenta um limite em São Paulo e que Lula, sozinho, não consegue vencer. Quanto a Bolsonaro, ele não é nem derrotado nem vitorioso. Ele aparece na foto, mas apenas como vitorioso no papel, pois perdeu o embate interno para Tarcísio e para o próprio Marçal, que alcançou 28% dos votos válidos”, acrescenta o especialista, comentando sobre o candidato derrotado do PRTB no primeiro turno, o influenciador Pablo Marçal.
Antonio Lavareda, cientista político, também aponta que a vitória na capital paulista é significativa para o MDB, sobretudo porque o partido perdeu o posto de sigla com mais prefeitos do Brasil para o PSD no primeiro turno. “Ganhar em São Paulo é um resultado muito visto e com significado para a legenda”, disse ele.
Polarização em segundo plano
Em janeiro, antes mesmo do início oficial da campanha, Lula disse que a eleição em São Paulo seria entre ele e a “figura”, se referindo a Jair Bolsonaro. “Na capital de São Paulo é uma coisa muito especial. Uma confrontação direta entre o ex-presidente e o atual presidente, é entre eu e a figura”, afirmou Lula na ocasião, em entrevista ao programa “Bom Dia com Mário Kertész”.
Na prática, a máxima defendida por estudiosos — de que eleições municipais seguem uma lógica própria, com foco mais nos problemas da cidade do que na ideologia — se comprovou, e a polarização entre Lula e Bolsonaro pouco pautou a corrida eleitoral na capital paulista.
O petista esteve em São Paulo em algumas ocasiões para cumprir agenda com Boulos, mas sua participação ficou muito aquém das expectativas da campanha do líder sem-teto, que precisou se contentar com as gravações do presidente para o horário eleitoral.
Bolsonaro, por sua vez, manteve uma postura ambígua em relação à candidatura de Ricardo Nunes, chegando a flertar com o influenciador Pablo Marçal (PRTB) na primeira fase da campanha, fato que irritou a campanha do prefeito reeleito.
Só na véspera do primeiro turno, após apelos de aliados preocupados com a migração do eleitorado bolsonarista para o ex-coach, é que Bolsonaro veio a público reforçar o apoio ao emedebista. No segundo turno, a relação com a campanha emedebista se estabilizou, e o ex-presidente passou um dia inteiro ao lado do prefeito na reta final da eleição, com participação em almoço, podcast e culto.
Para aliados do prefeito, a vitória de Nunes não entra na conta de Bolsonaro. Embora o ex-presidente tenha tentado conter sua base na véspera do primeiro turno, sua falta de clareza sobre o apoio a Nunes facilitou a migração de parte do eleitorado para Marçal. Correligionários de Nunes creditam o êxito da campanha à aposta na gestão como vitrine, que garantiu votos na periferia mesmo com as investidas de Boulos, além do apoio ativo de Tarcísio.
Tarcísio esteve presente no momento mais crítico da campanha
O governador de São Paulo esteve ao lado do prefeito no momento mais crítico da campanha, quando Marçal disparou nas pesquisas. Nessa ocasião, Tarcísio foi um dos principais defensores de uma postura mais combativa contra o ex-coach. O próprio Tarcísio foi ao horário eleitoral de Nunes pedir voto útil no prefeito. O governador afirmou que Marçal era a “porta de entrada” para Boulos em São Paulo, declaração que rendeu críticas do ex-coach.
Tarcísio foi o mais vocal entre os aliados de Bolsonaro em relação a Marçal, o que lhe trouxe desgastes com eleitores bolsonaristas, especialmente nas redes sociais. Após o influenciador divulgar um laudo falso para atacar Boulos na véspera da eleição, o governador disse que, se o Brasil fosse um País sério, Marçal seria preso.
O protagonismo de Tarcísio na eleição de Nunes, somado ao fato de ele não ter titubeado em nenhum momento sobre o apoio ao projeto do prefeito, faz dele um dos maiores beneficiados da eleição paulistana.
Tarcísio expressou a interlocutores ao longo da campanha o receio de que uma vitória de Boulos representasse um obstáculo para sua reeleição em 2026. O governador também projetava que Marçal faria uma gestão conturbada e serviria de combustível para a esquerda paulista ganhar terreno na próxima eleição.
A vitória de Nunes desarmou essas duas ameaças aos planos eleitorais do governador, que por ora descarta se candidatar a presidente, e dá tranquilidade para ele seguir tocando projetos em parceria com a Prefeitura.
Para além disso, o governador conquistou outro êxito na campanha: se aproximou do MDB, partido de Ricardo Nunes, que atualmente ocupa três ministérios no governo Lula.
MDB vira peça-chave para 2026
Como mostrou o Estadão, com a vitória de Nunes, o MDB virou peça-chave para a disputa presidencial de 2026, sendo cobiçado tanto pelo presidente Lula quanto pela direita. Segundo apurou o Estadão, desde que assumiu a Presidência, Lula não chamou Baleia Rossi para uma conversa, o que incomodou o dirigente nacional.
Ao mesmo tempo, o dirigente nacional não possui afinidade com Bolsonaro e demonstra pouca disposição para apoiá-lo em 2026. Em contraste, a ideia de seguir um projeto liderado por Tarcísio é recebida com entusiasmo.
“Tarcísio se saiu bem, ganhou visibilidade, mostrou lealdade ao prefeito e se creditou diante dos aliados e do público de direita para fazer o voo presidencial, caso assim deseje”, analisou Lavareda.
Nos bastidores, lideranças partidárias observam que o governador de São Paulo provou ser alguém que cumpre acordos mesmo sob condições adversas e o comparam com Bolsonaro: o ex-presidente desembarcou da chapa em que o PL tinha o vice em Curitiba e passou a apoiar uma rival, além de ter voltado atrás no acordo para apoiar a candidata da senadora Teresa Cristina (PP), sua ex-ministra, em Campo Grande (MS).