Curiosidades do mundo da Política

Bolsonaro quase presidiu Comissão de Direitos Humanos da Câmara, mas PT barrou a nomeação


Em 1998, Jair Bolsonaro queria comandar o colegiado de Direitos Humanos da Câmara, mas PT fez pressão e o então deputado sofreu revés

Por Juliano Galisi

A cada início de ano, a Câmara elege novos deputados para o comando das comissões permanentes, órgãos fixos e temáticos da Casa. Em 2024, apesar da tentativa de reação de parte dos governistas, nomes da oposição acabaram eleitos a postos cobiçados, como Caroline de Toni (PL-SC), na Comissão de Constituição e Justiça, e Nikolas Ferreira (PL-MG), na Comissão de Educação.

Os recentes reveses diferem dos resultados obtidos pela bancada petista em 1998, quando se mobilizou e obstruiu a nomeação do então deputado Jair Bolsonaro à presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa. O futuro presidente da República queria comandar o colegiado, mas esbarrou na articulação do PT e no arranjo interno da sigla que integrava no momento, o PPB (hoje, PP).

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Deputado Jair Bolsonaro responde cartas de eleitores em seu gabinete em Brasília, DF, em 5 de setembro de 1993 Foto: José Varella/Estadão

Retrospecto de Jair Bolsonaro

“Bolsonaro pode presidir Direitos Humanos”, publicou o Estadão em 12 de março de 1998, ao informar que o partido havia indicado o então deputado para a função. O texto relata que Bolsonaro afirmou que, se eleito, o símbolo da comissão seria um fuzil.

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Ele estava na Câmara há dois mandatos e havia obtido projeção nacional em 1986, ao reclamar dos salários dos militares em artigo publicado na revista Veja.

Bolsonaro aparecia nos jornais como porta-voz dos militares e com declarações enfáticas contra as instituições do País. O episódio de maior repercussão ocorreu em 1993, quando o capitão disse na tribuna da Câmara que era pelo “fim da democracia irresponsável”.

Em manifestação por aumento salarial para os militares, Bolsonaro chamou o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral” e o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de “banana”, 27 de abril de 1992  Foto: André Dusek/Estadão
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Para Bolsonaro, o Congresso estava “à beira da falência” e, se o estado de coisas continuasse daquela forma, ele seria “a favor de uma ditadura”. Uma sindicância chegou a ser instaurada contra o deputado e a possibilidade de cassação foi cogitada, mas não ocorreu.

“A indicação de Bolsonaro – que já foi até advertido pela mesa da Câmara por ter defendido publicamente o fechamento do Congresso – pegou de surpresa o PT e outros partidos de esquerda, que dominam a comissão desde que ela foi criada, há quatro anos”, diz a reportagem do Estadão de março de 98.

‘Ninguém queria; eu quero’

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À imprensa, em 1998, Bolsonaro manifestou interesse em ser presidente da comissão e redefinir conceitos. “É preciso definir o que é direito humano, o que é ser humano”, disse. A presidência do colegiado havia sido resguardada ao PPB pelo critério de proporcionalidade das bancadas: com 80 deputados, a sigla garantiu, no acordo de líderes da Casa, três das 16 presidências de comissão, incluindo a de Direitos Humanos.

Segundo Bolsonaro, nenhum deputado do partido se prontificou a assumir o posto. “Ninguém no partido queria esta comissão. Eu quero”, afirmou o então parlamentar.

Reação do PT

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Desde a fundação da Comissão de Direitos Humanos, em 1995, todos os seus presidentes haviam sido petistas: Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson. O baque no PT foi imediato, menos pela prerrogativa do PPB em indicar o presidente e mais por quem postulava o cargo. “O deputado Jair Bolsonaro não pode ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos porque, pelas suas posições, renega esses direitos”, disse à época o deputado José Genoino (PT-SP). “A imagem do Brasil no exterior vai ficar muito pior do que está”, afirmou o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Procurado, Genoino disse se recordar vagamente do episódio. Na época, o PT protestou contra a indicação de Bolsonaro diretamente com o então presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) e prometia até apresentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) se a escolha fosse adiante.

Política interna do PPB

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Em questão de dias, tornou-se público que Bolsonaro não contava com apoio dentro do PPB para a nomeação. Odelmo Leão, atual prefeito de Uberlândia (MG) e então líder do partido da Casa, preteriu a vontade do capitão da reserva, optando pela indicação de Eraldo Trindade (AP) à presidência do colegiado.

Eraldo Trindade, ex-deputado federal, nomeado em 1998 para presidir a Comissão de Direitos Humanos Foto: Acervo pessoal

Ao Estadão, Eraldo Trindade relembrou a nomeação, desmentindo a alegação de Bolsonaro de que não havia outros integrantes do partido interessados no cargo. Ele conta ter disputado o posto com três concorrentes: além de Bolsonaro, os deputados Wigberto Tartuce, do Distrito Federal, e Vadão Gomes, de São Paulo.

Para selar a escolha, segundo Trindade, foi essencial o apoio de Francisco Dornelles, então ministro do Trabalho. O ex-deputado afirma que, em reunião interna da bancada, sob o aval de Dornelles e anuência de Odelmo Leão, ficou decidido que ele seria a indicação de consenso do PPB. Leão foi procurado para comentar o caso, mas a assessoria do prefeito não retornou.

‘Candidato até o fim’

Bolsonaro, porém, não recuou na época. “Sou candidato e manterei essa decisão até o fim, mesmo sem o apoio do meu partido”, disse à imprensa. Sem apoio dos companheiros de sigla, entretanto, seria impossível chegar ao posto. E assim foi: com uma candidatura avulsa, Bolsonaro perdeu a disputa para a presidência da comissão. Eraldo Trindade teve 16 votos e Bolsonaro, um, o dele mesmo.

Aos jornalistas, Odelmo Leão despistou o papel do PT na retirada da indicação de Bolsonaro. Para o líder da legenda, a seleção obedecia a um critério de distribuição regional dos cargos que, de qualquer forma, não contemplaria o capitão da reserva. Se tivesse investido mais nas negociações com o partido, Bolsonaro até poderia ter conseguido a 1ª vice-presidência da comissão, que acabou com Osmar Leitão, um deputado do PPB do Rio de Janeiro, tal como Bolsonaro.

É fato que o capitão estava isolado dentro da própria sigla, mas Eraldo Trindade não diminui o papel dos petistas na articulação. “Houve muito protesto do PT”, relembra Trindade. “No caso específico de Jair Bolsonaro, havia uma revolta muito grande”, diz o ex-deputado.

Direitos humanos em 1998

Apesar de não ter obtido a presidência, Bolsonaro integrou a Comissão de Direitos Humanos durante o ano de 1998 e não se privou de emitir opiniões sobre o tema. Semanas após a eleição frustrada, voltou à mídia para comentar a situação dos sequestradores de Abílio Diniz.

Empresário Abílio Diniz foi libertado após processo de negociação com a polícia. 17 de dezembro de 1989. Foto: Renato dos Anjos/Estadão

Anos antes, em 1989, às vésperas da eleição presidencial, o empresário foi sequestrado por nove estrangeiros, e havia um impasse quanto à extradição ou não dos criminosos. Para Bolsonaro, os condenados “deveriam estar todos mortos”. Além disso, o deputado defendia a tortura dos envolvidos.

Talvane Albuquerque (PFL-AL) também integrou a Comissão de Direitos Humanos naquele ano. Meses depois, no início de 1999, Talvane foi cassado em meio a suspeitas de ter sido o autor intelectual do assassinato de Ceci Cunha (PSDB-AL), sua colega de Câmara.

Talvane Albuquerque é conduzido por policiais após ter mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas, em 8 de abril de 1999. Em 2013, foi condenado por autoria intelectual do homicídio de Ceci Cunha Foto: Dida Sampaio/Estadão

Segundo o inquérito policial, Talvane ordenou o homicídio da deputada de olho numa vaga à reeleição: ela havia se reelegido e ele, obtido apenas a suplência. O caso tramitou na Justiça durante anos e, em 2013, ele foi condenado a mais de 100 anos de reclusão, mas a pena progrediu e, hoje, cumpre prisão domiciliar.

Outras disputas à presidência

Nos 28 anos em que esteve no Congresso, Bolsonaro nunca comandou um colegiado permanente e manteve o espírito de “lobo solitário” ao disputar outras presidências.

Em 2005, houve duas eleições para a Mesa Diretora da Câmara: numa delas, na qual o capitão obteve somente dois votos, o eleito foi Severino Cavalcanti (PP-PE). O presidente renunciou rapidamente ao cargo para evitar uma cassação, forçando um pleito suplementar. Nessa nova eleição, Bolsonaro voltou a ser candidato e não conquistou nenhum voto – nem o próprio.

Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara em 2005, mas cumpriu mandato breve no comando da Casa, renunciando meses depois  Foto: Celso Júnior/Estadão

Em 2017, voltou a disputar a presidência da Casa, somando apenas quatro votos. Um ano depois, em 2018, o isolamento também marcou o pleito que o alçou à Presidência da República, quando disputou o cargo por um partido nanico, o extinto PSL, em uma chapa que só não foi puro-sangue por ter na coligação o PRTB.

Em 1993, quando Bolsonaro defendeu uma ditadura em pleno Congresso, um dos maiores entusiastas de sua cassação foi Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), então presidente da Câmara. “É preciso cortar o mal pela raiz”, disse Inocêncio. Bolsonaro passou mais 25 anos como deputado após o episódio.

O capitão só deixou a Casa para ser eleito presidente do País, em 2018, 20 anos após ser derrotado com um único voto na eleição à Comissão de Direitos Humanos. A situação, até hoje, é motivo de orgulho para Eraldo Trindade. “Posso não ter vencido uma eleição para a Presidência da República, mas ganhei do Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos”, diz.

A cada início de ano, a Câmara elege novos deputados para o comando das comissões permanentes, órgãos fixos e temáticos da Casa. Em 2024, apesar da tentativa de reação de parte dos governistas, nomes da oposição acabaram eleitos a postos cobiçados, como Caroline de Toni (PL-SC), na Comissão de Constituição e Justiça, e Nikolas Ferreira (PL-MG), na Comissão de Educação.

Os recentes reveses diferem dos resultados obtidos pela bancada petista em 1998, quando se mobilizou e obstruiu a nomeação do então deputado Jair Bolsonaro à presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa. O futuro presidente da República queria comandar o colegiado, mas esbarrou na articulação do PT e no arranjo interno da sigla que integrava no momento, o PPB (hoje, PP).

Deputado Jair Bolsonaro responde cartas de eleitores em seu gabinete em Brasília, DF, em 5 de setembro de 1993 Foto: José Varella/Estadão

Retrospecto de Jair Bolsonaro

“Bolsonaro pode presidir Direitos Humanos”, publicou o Estadão em 12 de março de 1998, ao informar que o partido havia indicado o então deputado para a função. O texto relata que Bolsonaro afirmou que, se eleito, o símbolo da comissão seria um fuzil.

Ele estava na Câmara há dois mandatos e havia obtido projeção nacional em 1986, ao reclamar dos salários dos militares em artigo publicado na revista Veja.

Bolsonaro aparecia nos jornais como porta-voz dos militares e com declarações enfáticas contra as instituições do País. O episódio de maior repercussão ocorreu em 1993, quando o capitão disse na tribuna da Câmara que era pelo “fim da democracia irresponsável”.

Em manifestação por aumento salarial para os militares, Bolsonaro chamou o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral” e o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de “banana”, 27 de abril de 1992  Foto: André Dusek/Estadão

Para Bolsonaro, o Congresso estava “à beira da falência” e, se o estado de coisas continuasse daquela forma, ele seria “a favor de uma ditadura”. Uma sindicância chegou a ser instaurada contra o deputado e a possibilidade de cassação foi cogitada, mas não ocorreu.

“A indicação de Bolsonaro – que já foi até advertido pela mesa da Câmara por ter defendido publicamente o fechamento do Congresso – pegou de surpresa o PT e outros partidos de esquerda, que dominam a comissão desde que ela foi criada, há quatro anos”, diz a reportagem do Estadão de março de 98.

‘Ninguém queria; eu quero’

À imprensa, em 1998, Bolsonaro manifestou interesse em ser presidente da comissão e redefinir conceitos. “É preciso definir o que é direito humano, o que é ser humano”, disse. A presidência do colegiado havia sido resguardada ao PPB pelo critério de proporcionalidade das bancadas: com 80 deputados, a sigla garantiu, no acordo de líderes da Casa, três das 16 presidências de comissão, incluindo a de Direitos Humanos.

Segundo Bolsonaro, nenhum deputado do partido se prontificou a assumir o posto. “Ninguém no partido queria esta comissão. Eu quero”, afirmou o então parlamentar.

Reação do PT

Desde a fundação da Comissão de Direitos Humanos, em 1995, todos os seus presidentes haviam sido petistas: Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson. O baque no PT foi imediato, menos pela prerrogativa do PPB em indicar o presidente e mais por quem postulava o cargo. “O deputado Jair Bolsonaro não pode ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos porque, pelas suas posições, renega esses direitos”, disse à época o deputado José Genoino (PT-SP). “A imagem do Brasil no exterior vai ficar muito pior do que está”, afirmou o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Procurado, Genoino disse se recordar vagamente do episódio. Na época, o PT protestou contra a indicação de Bolsonaro diretamente com o então presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) e prometia até apresentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) se a escolha fosse adiante.

Política interna do PPB

Em questão de dias, tornou-se público que Bolsonaro não contava com apoio dentro do PPB para a nomeação. Odelmo Leão, atual prefeito de Uberlândia (MG) e então líder do partido da Casa, preteriu a vontade do capitão da reserva, optando pela indicação de Eraldo Trindade (AP) à presidência do colegiado.

Eraldo Trindade, ex-deputado federal, nomeado em 1998 para presidir a Comissão de Direitos Humanos Foto: Acervo pessoal

Ao Estadão, Eraldo Trindade relembrou a nomeação, desmentindo a alegação de Bolsonaro de que não havia outros integrantes do partido interessados no cargo. Ele conta ter disputado o posto com três concorrentes: além de Bolsonaro, os deputados Wigberto Tartuce, do Distrito Federal, e Vadão Gomes, de São Paulo.

Para selar a escolha, segundo Trindade, foi essencial o apoio de Francisco Dornelles, então ministro do Trabalho. O ex-deputado afirma que, em reunião interna da bancada, sob o aval de Dornelles e anuência de Odelmo Leão, ficou decidido que ele seria a indicação de consenso do PPB. Leão foi procurado para comentar o caso, mas a assessoria do prefeito não retornou.

‘Candidato até o fim’

Bolsonaro, porém, não recuou na época. “Sou candidato e manterei essa decisão até o fim, mesmo sem o apoio do meu partido”, disse à imprensa. Sem apoio dos companheiros de sigla, entretanto, seria impossível chegar ao posto. E assim foi: com uma candidatura avulsa, Bolsonaro perdeu a disputa para a presidência da comissão. Eraldo Trindade teve 16 votos e Bolsonaro, um, o dele mesmo.

Aos jornalistas, Odelmo Leão despistou o papel do PT na retirada da indicação de Bolsonaro. Para o líder da legenda, a seleção obedecia a um critério de distribuição regional dos cargos que, de qualquer forma, não contemplaria o capitão da reserva. Se tivesse investido mais nas negociações com o partido, Bolsonaro até poderia ter conseguido a 1ª vice-presidência da comissão, que acabou com Osmar Leitão, um deputado do PPB do Rio de Janeiro, tal como Bolsonaro.

É fato que o capitão estava isolado dentro da própria sigla, mas Eraldo Trindade não diminui o papel dos petistas na articulação. “Houve muito protesto do PT”, relembra Trindade. “No caso específico de Jair Bolsonaro, havia uma revolta muito grande”, diz o ex-deputado.

Direitos humanos em 1998

Apesar de não ter obtido a presidência, Bolsonaro integrou a Comissão de Direitos Humanos durante o ano de 1998 e não se privou de emitir opiniões sobre o tema. Semanas após a eleição frustrada, voltou à mídia para comentar a situação dos sequestradores de Abílio Diniz.

Empresário Abílio Diniz foi libertado após processo de negociação com a polícia. 17 de dezembro de 1989. Foto: Renato dos Anjos/Estadão

Anos antes, em 1989, às vésperas da eleição presidencial, o empresário foi sequestrado por nove estrangeiros, e havia um impasse quanto à extradição ou não dos criminosos. Para Bolsonaro, os condenados “deveriam estar todos mortos”. Além disso, o deputado defendia a tortura dos envolvidos.

Talvane Albuquerque (PFL-AL) também integrou a Comissão de Direitos Humanos naquele ano. Meses depois, no início de 1999, Talvane foi cassado em meio a suspeitas de ter sido o autor intelectual do assassinato de Ceci Cunha (PSDB-AL), sua colega de Câmara.

Talvane Albuquerque é conduzido por policiais após ter mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas, em 8 de abril de 1999. Em 2013, foi condenado por autoria intelectual do homicídio de Ceci Cunha Foto: Dida Sampaio/Estadão

Segundo o inquérito policial, Talvane ordenou o homicídio da deputada de olho numa vaga à reeleição: ela havia se reelegido e ele, obtido apenas a suplência. O caso tramitou na Justiça durante anos e, em 2013, ele foi condenado a mais de 100 anos de reclusão, mas a pena progrediu e, hoje, cumpre prisão domiciliar.

Outras disputas à presidência

Nos 28 anos em que esteve no Congresso, Bolsonaro nunca comandou um colegiado permanente e manteve o espírito de “lobo solitário” ao disputar outras presidências.

Em 2005, houve duas eleições para a Mesa Diretora da Câmara: numa delas, na qual o capitão obteve somente dois votos, o eleito foi Severino Cavalcanti (PP-PE). O presidente renunciou rapidamente ao cargo para evitar uma cassação, forçando um pleito suplementar. Nessa nova eleição, Bolsonaro voltou a ser candidato e não conquistou nenhum voto – nem o próprio.

Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara em 2005, mas cumpriu mandato breve no comando da Casa, renunciando meses depois  Foto: Celso Júnior/Estadão

Em 2017, voltou a disputar a presidência da Casa, somando apenas quatro votos. Um ano depois, em 2018, o isolamento também marcou o pleito que o alçou à Presidência da República, quando disputou o cargo por um partido nanico, o extinto PSL, em uma chapa que só não foi puro-sangue por ter na coligação o PRTB.

Em 1993, quando Bolsonaro defendeu uma ditadura em pleno Congresso, um dos maiores entusiastas de sua cassação foi Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), então presidente da Câmara. “É preciso cortar o mal pela raiz”, disse Inocêncio. Bolsonaro passou mais 25 anos como deputado após o episódio.

O capitão só deixou a Casa para ser eleito presidente do País, em 2018, 20 anos após ser derrotado com um único voto na eleição à Comissão de Direitos Humanos. A situação, até hoje, é motivo de orgulho para Eraldo Trindade. “Posso não ter vencido uma eleição para a Presidência da República, mas ganhei do Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos”, diz.

A cada início de ano, a Câmara elege novos deputados para o comando das comissões permanentes, órgãos fixos e temáticos da Casa. Em 2024, apesar da tentativa de reação de parte dos governistas, nomes da oposição acabaram eleitos a postos cobiçados, como Caroline de Toni (PL-SC), na Comissão de Constituição e Justiça, e Nikolas Ferreira (PL-MG), na Comissão de Educação.

Os recentes reveses diferem dos resultados obtidos pela bancada petista em 1998, quando se mobilizou e obstruiu a nomeação do então deputado Jair Bolsonaro à presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa. O futuro presidente da República queria comandar o colegiado, mas esbarrou na articulação do PT e no arranjo interno da sigla que integrava no momento, o PPB (hoje, PP).

Deputado Jair Bolsonaro responde cartas de eleitores em seu gabinete em Brasília, DF, em 5 de setembro de 1993 Foto: José Varella/Estadão

Retrospecto de Jair Bolsonaro

“Bolsonaro pode presidir Direitos Humanos”, publicou o Estadão em 12 de março de 1998, ao informar que o partido havia indicado o então deputado para a função. O texto relata que Bolsonaro afirmou que, se eleito, o símbolo da comissão seria um fuzil.

Ele estava na Câmara há dois mandatos e havia obtido projeção nacional em 1986, ao reclamar dos salários dos militares em artigo publicado na revista Veja.

Bolsonaro aparecia nos jornais como porta-voz dos militares e com declarações enfáticas contra as instituições do País. O episódio de maior repercussão ocorreu em 1993, quando o capitão disse na tribuna da Câmara que era pelo “fim da democracia irresponsável”.

Em manifestação por aumento salarial para os militares, Bolsonaro chamou o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral” e o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de “banana”, 27 de abril de 1992  Foto: André Dusek/Estadão

Para Bolsonaro, o Congresso estava “à beira da falência” e, se o estado de coisas continuasse daquela forma, ele seria “a favor de uma ditadura”. Uma sindicância chegou a ser instaurada contra o deputado e a possibilidade de cassação foi cogitada, mas não ocorreu.

“A indicação de Bolsonaro – que já foi até advertido pela mesa da Câmara por ter defendido publicamente o fechamento do Congresso – pegou de surpresa o PT e outros partidos de esquerda, que dominam a comissão desde que ela foi criada, há quatro anos”, diz a reportagem do Estadão de março de 98.

‘Ninguém queria; eu quero’

À imprensa, em 1998, Bolsonaro manifestou interesse em ser presidente da comissão e redefinir conceitos. “É preciso definir o que é direito humano, o que é ser humano”, disse. A presidência do colegiado havia sido resguardada ao PPB pelo critério de proporcionalidade das bancadas: com 80 deputados, a sigla garantiu, no acordo de líderes da Casa, três das 16 presidências de comissão, incluindo a de Direitos Humanos.

Segundo Bolsonaro, nenhum deputado do partido se prontificou a assumir o posto. “Ninguém no partido queria esta comissão. Eu quero”, afirmou o então parlamentar.

Reação do PT

Desde a fundação da Comissão de Direitos Humanos, em 1995, todos os seus presidentes haviam sido petistas: Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson. O baque no PT foi imediato, menos pela prerrogativa do PPB em indicar o presidente e mais por quem postulava o cargo. “O deputado Jair Bolsonaro não pode ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos porque, pelas suas posições, renega esses direitos”, disse à época o deputado José Genoino (PT-SP). “A imagem do Brasil no exterior vai ficar muito pior do que está”, afirmou o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Procurado, Genoino disse se recordar vagamente do episódio. Na época, o PT protestou contra a indicação de Bolsonaro diretamente com o então presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) e prometia até apresentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) se a escolha fosse adiante.

Política interna do PPB

Em questão de dias, tornou-se público que Bolsonaro não contava com apoio dentro do PPB para a nomeação. Odelmo Leão, atual prefeito de Uberlândia (MG) e então líder do partido da Casa, preteriu a vontade do capitão da reserva, optando pela indicação de Eraldo Trindade (AP) à presidência do colegiado.

Eraldo Trindade, ex-deputado federal, nomeado em 1998 para presidir a Comissão de Direitos Humanos Foto: Acervo pessoal

Ao Estadão, Eraldo Trindade relembrou a nomeação, desmentindo a alegação de Bolsonaro de que não havia outros integrantes do partido interessados no cargo. Ele conta ter disputado o posto com três concorrentes: além de Bolsonaro, os deputados Wigberto Tartuce, do Distrito Federal, e Vadão Gomes, de São Paulo.

Para selar a escolha, segundo Trindade, foi essencial o apoio de Francisco Dornelles, então ministro do Trabalho. O ex-deputado afirma que, em reunião interna da bancada, sob o aval de Dornelles e anuência de Odelmo Leão, ficou decidido que ele seria a indicação de consenso do PPB. Leão foi procurado para comentar o caso, mas a assessoria do prefeito não retornou.

‘Candidato até o fim’

Bolsonaro, porém, não recuou na época. “Sou candidato e manterei essa decisão até o fim, mesmo sem o apoio do meu partido”, disse à imprensa. Sem apoio dos companheiros de sigla, entretanto, seria impossível chegar ao posto. E assim foi: com uma candidatura avulsa, Bolsonaro perdeu a disputa para a presidência da comissão. Eraldo Trindade teve 16 votos e Bolsonaro, um, o dele mesmo.

Aos jornalistas, Odelmo Leão despistou o papel do PT na retirada da indicação de Bolsonaro. Para o líder da legenda, a seleção obedecia a um critério de distribuição regional dos cargos que, de qualquer forma, não contemplaria o capitão da reserva. Se tivesse investido mais nas negociações com o partido, Bolsonaro até poderia ter conseguido a 1ª vice-presidência da comissão, que acabou com Osmar Leitão, um deputado do PPB do Rio de Janeiro, tal como Bolsonaro.

É fato que o capitão estava isolado dentro da própria sigla, mas Eraldo Trindade não diminui o papel dos petistas na articulação. “Houve muito protesto do PT”, relembra Trindade. “No caso específico de Jair Bolsonaro, havia uma revolta muito grande”, diz o ex-deputado.

Direitos humanos em 1998

Apesar de não ter obtido a presidência, Bolsonaro integrou a Comissão de Direitos Humanos durante o ano de 1998 e não se privou de emitir opiniões sobre o tema. Semanas após a eleição frustrada, voltou à mídia para comentar a situação dos sequestradores de Abílio Diniz.

Empresário Abílio Diniz foi libertado após processo de negociação com a polícia. 17 de dezembro de 1989. Foto: Renato dos Anjos/Estadão

Anos antes, em 1989, às vésperas da eleição presidencial, o empresário foi sequestrado por nove estrangeiros, e havia um impasse quanto à extradição ou não dos criminosos. Para Bolsonaro, os condenados “deveriam estar todos mortos”. Além disso, o deputado defendia a tortura dos envolvidos.

Talvane Albuquerque (PFL-AL) também integrou a Comissão de Direitos Humanos naquele ano. Meses depois, no início de 1999, Talvane foi cassado em meio a suspeitas de ter sido o autor intelectual do assassinato de Ceci Cunha (PSDB-AL), sua colega de Câmara.

Talvane Albuquerque é conduzido por policiais após ter mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas, em 8 de abril de 1999. Em 2013, foi condenado por autoria intelectual do homicídio de Ceci Cunha Foto: Dida Sampaio/Estadão

Segundo o inquérito policial, Talvane ordenou o homicídio da deputada de olho numa vaga à reeleição: ela havia se reelegido e ele, obtido apenas a suplência. O caso tramitou na Justiça durante anos e, em 2013, ele foi condenado a mais de 100 anos de reclusão, mas a pena progrediu e, hoje, cumpre prisão domiciliar.

Outras disputas à presidência

Nos 28 anos em que esteve no Congresso, Bolsonaro nunca comandou um colegiado permanente e manteve o espírito de “lobo solitário” ao disputar outras presidências.

Em 2005, houve duas eleições para a Mesa Diretora da Câmara: numa delas, na qual o capitão obteve somente dois votos, o eleito foi Severino Cavalcanti (PP-PE). O presidente renunciou rapidamente ao cargo para evitar uma cassação, forçando um pleito suplementar. Nessa nova eleição, Bolsonaro voltou a ser candidato e não conquistou nenhum voto – nem o próprio.

Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara em 2005, mas cumpriu mandato breve no comando da Casa, renunciando meses depois  Foto: Celso Júnior/Estadão

Em 2017, voltou a disputar a presidência da Casa, somando apenas quatro votos. Um ano depois, em 2018, o isolamento também marcou o pleito que o alçou à Presidência da República, quando disputou o cargo por um partido nanico, o extinto PSL, em uma chapa que só não foi puro-sangue por ter na coligação o PRTB.

Em 1993, quando Bolsonaro defendeu uma ditadura em pleno Congresso, um dos maiores entusiastas de sua cassação foi Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), então presidente da Câmara. “É preciso cortar o mal pela raiz”, disse Inocêncio. Bolsonaro passou mais 25 anos como deputado após o episódio.

O capitão só deixou a Casa para ser eleito presidente do País, em 2018, 20 anos após ser derrotado com um único voto na eleição à Comissão de Direitos Humanos. A situação, até hoje, é motivo de orgulho para Eraldo Trindade. “Posso não ter vencido uma eleição para a Presidência da República, mas ganhei do Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos”, diz.

A cada início de ano, a Câmara elege novos deputados para o comando das comissões permanentes, órgãos fixos e temáticos da Casa. Em 2024, apesar da tentativa de reação de parte dos governistas, nomes da oposição acabaram eleitos a postos cobiçados, como Caroline de Toni (PL-SC), na Comissão de Constituição e Justiça, e Nikolas Ferreira (PL-MG), na Comissão de Educação.

Os recentes reveses diferem dos resultados obtidos pela bancada petista em 1998, quando se mobilizou e obstruiu a nomeação do então deputado Jair Bolsonaro à presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa. O futuro presidente da República queria comandar o colegiado, mas esbarrou na articulação do PT e no arranjo interno da sigla que integrava no momento, o PPB (hoje, PP).

Deputado Jair Bolsonaro responde cartas de eleitores em seu gabinete em Brasília, DF, em 5 de setembro de 1993 Foto: José Varella/Estadão

Retrospecto de Jair Bolsonaro

“Bolsonaro pode presidir Direitos Humanos”, publicou o Estadão em 12 de março de 1998, ao informar que o partido havia indicado o então deputado para a função. O texto relata que Bolsonaro afirmou que, se eleito, o símbolo da comissão seria um fuzil.

Ele estava na Câmara há dois mandatos e havia obtido projeção nacional em 1986, ao reclamar dos salários dos militares em artigo publicado na revista Veja.

Bolsonaro aparecia nos jornais como porta-voz dos militares e com declarações enfáticas contra as instituições do País. O episódio de maior repercussão ocorreu em 1993, quando o capitão disse na tribuna da Câmara que era pelo “fim da democracia irresponsável”.

Em manifestação por aumento salarial para os militares, Bolsonaro chamou o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral” e o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de “banana”, 27 de abril de 1992  Foto: André Dusek/Estadão

Para Bolsonaro, o Congresso estava “à beira da falência” e, se o estado de coisas continuasse daquela forma, ele seria “a favor de uma ditadura”. Uma sindicância chegou a ser instaurada contra o deputado e a possibilidade de cassação foi cogitada, mas não ocorreu.

“A indicação de Bolsonaro – que já foi até advertido pela mesa da Câmara por ter defendido publicamente o fechamento do Congresso – pegou de surpresa o PT e outros partidos de esquerda, que dominam a comissão desde que ela foi criada, há quatro anos”, diz a reportagem do Estadão de março de 98.

‘Ninguém queria; eu quero’

À imprensa, em 1998, Bolsonaro manifestou interesse em ser presidente da comissão e redefinir conceitos. “É preciso definir o que é direito humano, o que é ser humano”, disse. A presidência do colegiado havia sido resguardada ao PPB pelo critério de proporcionalidade das bancadas: com 80 deputados, a sigla garantiu, no acordo de líderes da Casa, três das 16 presidências de comissão, incluindo a de Direitos Humanos.

Segundo Bolsonaro, nenhum deputado do partido se prontificou a assumir o posto. “Ninguém no partido queria esta comissão. Eu quero”, afirmou o então parlamentar.

Reação do PT

Desde a fundação da Comissão de Direitos Humanos, em 1995, todos os seus presidentes haviam sido petistas: Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson. O baque no PT foi imediato, menos pela prerrogativa do PPB em indicar o presidente e mais por quem postulava o cargo. “O deputado Jair Bolsonaro não pode ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos porque, pelas suas posições, renega esses direitos”, disse à época o deputado José Genoino (PT-SP). “A imagem do Brasil no exterior vai ficar muito pior do que está”, afirmou o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Procurado, Genoino disse se recordar vagamente do episódio. Na época, o PT protestou contra a indicação de Bolsonaro diretamente com o então presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) e prometia até apresentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) se a escolha fosse adiante.

Política interna do PPB

Em questão de dias, tornou-se público que Bolsonaro não contava com apoio dentro do PPB para a nomeação. Odelmo Leão, atual prefeito de Uberlândia (MG) e então líder do partido da Casa, preteriu a vontade do capitão da reserva, optando pela indicação de Eraldo Trindade (AP) à presidência do colegiado.

Eraldo Trindade, ex-deputado federal, nomeado em 1998 para presidir a Comissão de Direitos Humanos Foto: Acervo pessoal

Ao Estadão, Eraldo Trindade relembrou a nomeação, desmentindo a alegação de Bolsonaro de que não havia outros integrantes do partido interessados no cargo. Ele conta ter disputado o posto com três concorrentes: além de Bolsonaro, os deputados Wigberto Tartuce, do Distrito Federal, e Vadão Gomes, de São Paulo.

Para selar a escolha, segundo Trindade, foi essencial o apoio de Francisco Dornelles, então ministro do Trabalho. O ex-deputado afirma que, em reunião interna da bancada, sob o aval de Dornelles e anuência de Odelmo Leão, ficou decidido que ele seria a indicação de consenso do PPB. Leão foi procurado para comentar o caso, mas a assessoria do prefeito não retornou.

‘Candidato até o fim’

Bolsonaro, porém, não recuou na época. “Sou candidato e manterei essa decisão até o fim, mesmo sem o apoio do meu partido”, disse à imprensa. Sem apoio dos companheiros de sigla, entretanto, seria impossível chegar ao posto. E assim foi: com uma candidatura avulsa, Bolsonaro perdeu a disputa para a presidência da comissão. Eraldo Trindade teve 16 votos e Bolsonaro, um, o dele mesmo.

Aos jornalistas, Odelmo Leão despistou o papel do PT na retirada da indicação de Bolsonaro. Para o líder da legenda, a seleção obedecia a um critério de distribuição regional dos cargos que, de qualquer forma, não contemplaria o capitão da reserva. Se tivesse investido mais nas negociações com o partido, Bolsonaro até poderia ter conseguido a 1ª vice-presidência da comissão, que acabou com Osmar Leitão, um deputado do PPB do Rio de Janeiro, tal como Bolsonaro.

É fato que o capitão estava isolado dentro da própria sigla, mas Eraldo Trindade não diminui o papel dos petistas na articulação. “Houve muito protesto do PT”, relembra Trindade. “No caso específico de Jair Bolsonaro, havia uma revolta muito grande”, diz o ex-deputado.

Direitos humanos em 1998

Apesar de não ter obtido a presidência, Bolsonaro integrou a Comissão de Direitos Humanos durante o ano de 1998 e não se privou de emitir opiniões sobre o tema. Semanas após a eleição frustrada, voltou à mídia para comentar a situação dos sequestradores de Abílio Diniz.

Empresário Abílio Diniz foi libertado após processo de negociação com a polícia. 17 de dezembro de 1989. Foto: Renato dos Anjos/Estadão

Anos antes, em 1989, às vésperas da eleição presidencial, o empresário foi sequestrado por nove estrangeiros, e havia um impasse quanto à extradição ou não dos criminosos. Para Bolsonaro, os condenados “deveriam estar todos mortos”. Além disso, o deputado defendia a tortura dos envolvidos.

Talvane Albuquerque (PFL-AL) também integrou a Comissão de Direitos Humanos naquele ano. Meses depois, no início de 1999, Talvane foi cassado em meio a suspeitas de ter sido o autor intelectual do assassinato de Ceci Cunha (PSDB-AL), sua colega de Câmara.

Talvane Albuquerque é conduzido por policiais após ter mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas, em 8 de abril de 1999. Em 2013, foi condenado por autoria intelectual do homicídio de Ceci Cunha Foto: Dida Sampaio/Estadão

Segundo o inquérito policial, Talvane ordenou o homicídio da deputada de olho numa vaga à reeleição: ela havia se reelegido e ele, obtido apenas a suplência. O caso tramitou na Justiça durante anos e, em 2013, ele foi condenado a mais de 100 anos de reclusão, mas a pena progrediu e, hoje, cumpre prisão domiciliar.

Outras disputas à presidência

Nos 28 anos em que esteve no Congresso, Bolsonaro nunca comandou um colegiado permanente e manteve o espírito de “lobo solitário” ao disputar outras presidências.

Em 2005, houve duas eleições para a Mesa Diretora da Câmara: numa delas, na qual o capitão obteve somente dois votos, o eleito foi Severino Cavalcanti (PP-PE). O presidente renunciou rapidamente ao cargo para evitar uma cassação, forçando um pleito suplementar. Nessa nova eleição, Bolsonaro voltou a ser candidato e não conquistou nenhum voto – nem o próprio.

Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara em 2005, mas cumpriu mandato breve no comando da Casa, renunciando meses depois  Foto: Celso Júnior/Estadão

Em 2017, voltou a disputar a presidência da Casa, somando apenas quatro votos. Um ano depois, em 2018, o isolamento também marcou o pleito que o alçou à Presidência da República, quando disputou o cargo por um partido nanico, o extinto PSL, em uma chapa que só não foi puro-sangue por ter na coligação o PRTB.

Em 1993, quando Bolsonaro defendeu uma ditadura em pleno Congresso, um dos maiores entusiastas de sua cassação foi Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), então presidente da Câmara. “É preciso cortar o mal pela raiz”, disse Inocêncio. Bolsonaro passou mais 25 anos como deputado após o episódio.

O capitão só deixou a Casa para ser eleito presidente do País, em 2018, 20 anos após ser derrotado com um único voto na eleição à Comissão de Direitos Humanos. A situação, até hoje, é motivo de orgulho para Eraldo Trindade. “Posso não ter vencido uma eleição para a Presidência da República, mas ganhei do Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos”, diz.

A cada início de ano, a Câmara elege novos deputados para o comando das comissões permanentes, órgãos fixos e temáticos da Casa. Em 2024, apesar da tentativa de reação de parte dos governistas, nomes da oposição acabaram eleitos a postos cobiçados, como Caroline de Toni (PL-SC), na Comissão de Constituição e Justiça, e Nikolas Ferreira (PL-MG), na Comissão de Educação.

Os recentes reveses diferem dos resultados obtidos pela bancada petista em 1998, quando se mobilizou e obstruiu a nomeação do então deputado Jair Bolsonaro à presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Casa. O futuro presidente da República queria comandar o colegiado, mas esbarrou na articulação do PT e no arranjo interno da sigla que integrava no momento, o PPB (hoje, PP).

Deputado Jair Bolsonaro responde cartas de eleitores em seu gabinete em Brasília, DF, em 5 de setembro de 1993 Foto: José Varella/Estadão

Retrospecto de Jair Bolsonaro

“Bolsonaro pode presidir Direitos Humanos”, publicou o Estadão em 12 de março de 1998, ao informar que o partido havia indicado o então deputado para a função. O texto relata que Bolsonaro afirmou que, se eleito, o símbolo da comissão seria um fuzil.

Ele estava na Câmara há dois mandatos e havia obtido projeção nacional em 1986, ao reclamar dos salários dos militares em artigo publicado na revista Veja.

Bolsonaro aparecia nos jornais como porta-voz dos militares e com declarações enfáticas contra as instituições do País. O episódio de maior repercussão ocorreu em 1993, quando o capitão disse na tribuna da Câmara que era pelo “fim da democracia irresponsável”.

Em manifestação por aumento salarial para os militares, Bolsonaro chamou o presidente Fernando Collor de “corrupto e imoral” e o ministro do Exército, Carlos Tinoco, de “banana”, 27 de abril de 1992  Foto: André Dusek/Estadão

Para Bolsonaro, o Congresso estava “à beira da falência” e, se o estado de coisas continuasse daquela forma, ele seria “a favor de uma ditadura”. Uma sindicância chegou a ser instaurada contra o deputado e a possibilidade de cassação foi cogitada, mas não ocorreu.

“A indicação de Bolsonaro – que já foi até advertido pela mesa da Câmara por ter defendido publicamente o fechamento do Congresso – pegou de surpresa o PT e outros partidos de esquerda, que dominam a comissão desde que ela foi criada, há quatro anos”, diz a reportagem do Estadão de março de 98.

‘Ninguém queria; eu quero’

À imprensa, em 1998, Bolsonaro manifestou interesse em ser presidente da comissão e redefinir conceitos. “É preciso definir o que é direito humano, o que é ser humano”, disse. A presidência do colegiado havia sido resguardada ao PPB pelo critério de proporcionalidade das bancadas: com 80 deputados, a sigla garantiu, no acordo de líderes da Casa, três das 16 presidências de comissão, incluindo a de Direitos Humanos.

Segundo Bolsonaro, nenhum deputado do partido se prontificou a assumir o posto. “Ninguém no partido queria esta comissão. Eu quero”, afirmou o então parlamentar.

Reação do PT

Desde a fundação da Comissão de Direitos Humanos, em 1995, todos os seus presidentes haviam sido petistas: Nilmário Miranda, Hélio Bicudo e Pedro Wilson. O baque no PT foi imediato, menos pela prerrogativa do PPB em indicar o presidente e mais por quem postulava o cargo. “O deputado Jair Bolsonaro não pode ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos porque, pelas suas posições, renega esses direitos”, disse à época o deputado José Genoino (PT-SP). “A imagem do Brasil no exterior vai ficar muito pior do que está”, afirmou o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Procurado, Genoino disse se recordar vagamente do episódio. Na época, o PT protestou contra a indicação de Bolsonaro diretamente com o então presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) e prometia até apresentar um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) se a escolha fosse adiante.

Política interna do PPB

Em questão de dias, tornou-se público que Bolsonaro não contava com apoio dentro do PPB para a nomeação. Odelmo Leão, atual prefeito de Uberlândia (MG) e então líder do partido da Casa, preteriu a vontade do capitão da reserva, optando pela indicação de Eraldo Trindade (AP) à presidência do colegiado.

Eraldo Trindade, ex-deputado federal, nomeado em 1998 para presidir a Comissão de Direitos Humanos Foto: Acervo pessoal

Ao Estadão, Eraldo Trindade relembrou a nomeação, desmentindo a alegação de Bolsonaro de que não havia outros integrantes do partido interessados no cargo. Ele conta ter disputado o posto com três concorrentes: além de Bolsonaro, os deputados Wigberto Tartuce, do Distrito Federal, e Vadão Gomes, de São Paulo.

Para selar a escolha, segundo Trindade, foi essencial o apoio de Francisco Dornelles, então ministro do Trabalho. O ex-deputado afirma que, em reunião interna da bancada, sob o aval de Dornelles e anuência de Odelmo Leão, ficou decidido que ele seria a indicação de consenso do PPB. Leão foi procurado para comentar o caso, mas a assessoria do prefeito não retornou.

‘Candidato até o fim’

Bolsonaro, porém, não recuou na época. “Sou candidato e manterei essa decisão até o fim, mesmo sem o apoio do meu partido”, disse à imprensa. Sem apoio dos companheiros de sigla, entretanto, seria impossível chegar ao posto. E assim foi: com uma candidatura avulsa, Bolsonaro perdeu a disputa para a presidência da comissão. Eraldo Trindade teve 16 votos e Bolsonaro, um, o dele mesmo.

Aos jornalistas, Odelmo Leão despistou o papel do PT na retirada da indicação de Bolsonaro. Para o líder da legenda, a seleção obedecia a um critério de distribuição regional dos cargos que, de qualquer forma, não contemplaria o capitão da reserva. Se tivesse investido mais nas negociações com o partido, Bolsonaro até poderia ter conseguido a 1ª vice-presidência da comissão, que acabou com Osmar Leitão, um deputado do PPB do Rio de Janeiro, tal como Bolsonaro.

É fato que o capitão estava isolado dentro da própria sigla, mas Eraldo Trindade não diminui o papel dos petistas na articulação. “Houve muito protesto do PT”, relembra Trindade. “No caso específico de Jair Bolsonaro, havia uma revolta muito grande”, diz o ex-deputado.

Direitos humanos em 1998

Apesar de não ter obtido a presidência, Bolsonaro integrou a Comissão de Direitos Humanos durante o ano de 1998 e não se privou de emitir opiniões sobre o tema. Semanas após a eleição frustrada, voltou à mídia para comentar a situação dos sequestradores de Abílio Diniz.

Empresário Abílio Diniz foi libertado após processo de negociação com a polícia. 17 de dezembro de 1989. Foto: Renato dos Anjos/Estadão

Anos antes, em 1989, às vésperas da eleição presidencial, o empresário foi sequestrado por nove estrangeiros, e havia um impasse quanto à extradição ou não dos criminosos. Para Bolsonaro, os condenados “deveriam estar todos mortos”. Além disso, o deputado defendia a tortura dos envolvidos.

Talvane Albuquerque (PFL-AL) também integrou a Comissão de Direitos Humanos naquele ano. Meses depois, no início de 1999, Talvane foi cassado em meio a suspeitas de ter sido o autor intelectual do assassinato de Ceci Cunha (PSDB-AL), sua colega de Câmara.

Talvane Albuquerque é conduzido por policiais após ter mandado de prisão expedido pela Justiça de Alagoas, em 8 de abril de 1999. Em 2013, foi condenado por autoria intelectual do homicídio de Ceci Cunha Foto: Dida Sampaio/Estadão

Segundo o inquérito policial, Talvane ordenou o homicídio da deputada de olho numa vaga à reeleição: ela havia se reelegido e ele, obtido apenas a suplência. O caso tramitou na Justiça durante anos e, em 2013, ele foi condenado a mais de 100 anos de reclusão, mas a pena progrediu e, hoje, cumpre prisão domiciliar.

Outras disputas à presidência

Nos 28 anos em que esteve no Congresso, Bolsonaro nunca comandou um colegiado permanente e manteve o espírito de “lobo solitário” ao disputar outras presidências.

Em 2005, houve duas eleições para a Mesa Diretora da Câmara: numa delas, na qual o capitão obteve somente dois votos, o eleito foi Severino Cavalcanti (PP-PE). O presidente renunciou rapidamente ao cargo para evitar uma cassação, forçando um pleito suplementar. Nessa nova eleição, Bolsonaro voltou a ser candidato e não conquistou nenhum voto – nem o próprio.

Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara em 2005, mas cumpriu mandato breve no comando da Casa, renunciando meses depois  Foto: Celso Júnior/Estadão

Em 2017, voltou a disputar a presidência da Casa, somando apenas quatro votos. Um ano depois, em 2018, o isolamento também marcou o pleito que o alçou à Presidência da República, quando disputou o cargo por um partido nanico, o extinto PSL, em uma chapa que só não foi puro-sangue por ter na coligação o PRTB.

Em 1993, quando Bolsonaro defendeu uma ditadura em pleno Congresso, um dos maiores entusiastas de sua cassação foi Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), então presidente da Câmara. “É preciso cortar o mal pela raiz”, disse Inocêncio. Bolsonaro passou mais 25 anos como deputado após o episódio.

O capitão só deixou a Casa para ser eleito presidente do País, em 2018, 20 anos após ser derrotado com um único voto na eleição à Comissão de Direitos Humanos. A situação, até hoje, é motivo de orgulho para Eraldo Trindade. “Posso não ter vencido uma eleição para a Presidência da República, mas ganhei do Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos”, diz.

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