Os jingles políticos, músicas curtas e repetitivas, são uma importante ferramenta de comunicação nas campanhas eleitorais. Criados para capturar a atenção e fixar mensagens-chave na mente dos eleitores, esses jingles combinam melodia e letras simples para transmitir ideias, slogans, imagens e, principalmente, o número do candidato. Do rádio e TV às redes sociais, eles evoluíram em alcance e forma, mas sua essência permanece a mesma: persuadir e influenciar o voto da população por meio da repetição.
Em tempos de eleições, os jingles se tornam a trilha sonora das disputas, refletindo a identidade e as promessas de cada candidato. E a divulgação dessas músicas é propositalmente agressiva e repetitiva. A intenção dos produtores de jingles é justamente essa: fazer um ritmo “chiclete” e que, quando o eleitor menos esperar, estará cantando o número de urna do postulante.
Os jingles são peças “típicas” do marketing político nacional, como argumenta o marqueteiro político Felipe Soutello. “Nosso povo é muito musical, muito ligado em ritmos. Todas as campanhas de sucesso, em grande medida, estão apoiadas em um jingle cativante e envolvente, que consiga mobilizar apoiadores, divulgar o partido temático e a mensagem das campanhas, associar o candidato aos seus principais atributos e divulgar o número”, explica.
O especialista em marketing político e propaganda eleitoral pela Universidade de São Paulo (USP) Paulo Henrique Tenório diz que os jingles se adaptaram também às plataformas digitais. “A mudança do cenário midiático, com a ascensão das redes, favoreceu o crescimento desse vínculo mais afetivo com o eleitor. O jingle cria conectividade muito mais ampla, é facilmente assimilado pelo público”, comenta.
“Os jingles não só continuam relevantes, mas também se moldaram aos novos formatos digitais, ampliando seu alcance e influência além dos tradicionais meios de TV e rádio”, afirma Tenório.
Como surgiram os jingles no Brasil?
Essas músicas eleitorais surgiram no rádio na década de 1930. No começo, as emissoras radiofônicas eram vistas como uma ferramenta de educação. Elas não tinham propaganda, então não eram exploradas comercialmente por pessoas que precisavam ter lucro. A publicidade nesses veículos só foi regulamentada em 1932, por um decreto do então presidente Getúlio Vargas.
O rádio deixava de ser educativo para se tornar um meio de comunicação mais popular, com a possibilidade de profissionalizar as transmissões. As emissoras passaram a se organizar como empresas, de fato. Essa época é caracterizada como o começo do rádio “mercantil”.
Nesse contexto, surge o primeiro jingle publicitário. As propagandas eram todas faladas até que, no programa do radialista Adhemar Casé, na Rádio Phillips, em 1932, foi lançado o primeiro comercial cantado no País. O anúncio, em ritmo de fado, era para a Padaria Bragança, cujo dono era português. “Seu padeiro, não esqueça, tenha sempre na lembrança: o melhor pão é o da Padaria Bragança”, dizia a música.
E os jingles políticos?
Os primeiros jingles eleitorais também surgiram nessa mesma época, com Júlio Prestes e Getúlio Vargas. A campanha de Prestes nas eleições de 1930 foi marcada pela música “Eu Ouço Falar”, enquanto a de Vargas foi sonorizada por “Seu Getúlio”.
O sucesso dos jingles comerciais fez os políticos começarem a investir nesse tipo de produto para as campanhas, como uma forma de fixar mais facilmente o nome de um candidato com o eleitor. Mas essas peças publicitárias evoluíram muito até hoje, e foram completamente alteradas para se adequarem às plataformas de mídia e gostos populares atuais.
‘Eu Ouço Falar’ – Júlio Prestes – 1930
Não se sabe ao certo qual dos dois jingles surgiu primeiro: este ou o “Seu Getúlio”, mas ambos marcaram as eleições presidenciais de 1930 – as primeiras do País com músicas eleitorais dando o tom das campanhas. Com composição simples, a trilha diz que “para nosso bem, Jesus já designou, que Seu Julinho é quem vem.”
Esse foi o último ano do período chamado de “República do Café com Leite”, em que se revezaram no comando do País presidentes paulistas, produtores de café, e mineiros, produtores de leite. O paulista Júlio Prestes ganhou a votação em cima de Vargas – que não era de São Paulo nem de Minas Gerais. Era gaúcho. No entanto, foi aqui que seu partido, a Aliança Liberal, começou a mobilização de militares para a tomada do poder no episódio que ficou conhecido como Revolução de 1930. Vargas fez inicialmente um governo provisório e, posteriormente, implantou a ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945.
‘Seu Getúlio’ ou ‘Gê-Gê’ – Getúlio Vargas – 1930
O jingle de Getúlio Vargas é um pouco mais festivo que o de Prestes. Na composição, também simples, é reforçado o valor das cores da bandeira do Brasil, o verde e o amarelo, em um sentimento ufanista muito tradicional de Vargas. A letra traz uma curiosidade: em um dos trechos da canção eleitoral, o intérprete soletra o nome de Getúlio em “G-E, Ge. T-Ú, Tú. L-I-Li, O. Getúlio.”
‘Retrato do Velho’ – Getúlio Vargas – 1950
O jingle de Getúlio das eleições de 1950, quando voltou ao poder agora por meio das urnas, também foi marcante na história das campanhas políticas do Brasil. Tanto que um trecho da letra da música, que diz “bota o retrato do velho outra vez”, foi usado na capa da revista Extra quando o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), venceu as eleições de 2022.
Em 1950, a música foi usada na campanha de Vargas no mesmo sentido: ele já havia sido presidente anteriormente, e seu retrato seria “colocado na parede” mais uma vez. O jingle foi cantado por Francisco Alves e, segundo boatos, Getúlio não teria gostado de ser chamado de velho na composição que diz: “Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar. O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar.”
‘Juscelino, Juscelino, Juscelino’ – Juscelino Kubitschek – 1955
Conhecido por seu plano de metas de “50 anos em cinco”, o jingle da campanha de Juscelino Kubitschek começa com a frase “gigante pela própria natureza”, em referência ao Hino Nacional do Brasil. “Juscelino, Juscelino, Juscelino, para presidente do Brasil”, termina a música. A canção possui tom de marchinha de Carnaval e reforça, em cada estrofe, o espírito patriota de JK.
‘Varre, varre, vassourinha’ – Jânio Quadros – 1960
Esse é considerado por muitos o primeiro jingle de grande sucesso da política nacional, e que é lembrado até hoje. Na época, Jânio Quadros conseguiu se eleger presidente da República, mas renunciou ao cargo cerca de sete meses depois de assumir o posto. Essa eleição ficou marcada como a última antes da ditadura militar brasileira de 1964.
O jingle de Jânio, que apostava na “moralização” do Brasil em sua campanha – foi ele que proibiu o uso de biquínis nas praias, por exemplo –, dizia: “Varre, varre, varre, vassourinha, varre, varre a bandalheira [...]. Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado! Jânio Quadros é a certeza de um Brasil moralizado!”
‘Ey, Ey, Eymael’ – José Maria Eymael – 1985
Em quase 40 anos da criação deste jingle, ele praticamente não foi alterado – e foi utilizado em todas as campanhas em que José Maria Eymael se lançou como candidato a um cargo eletivo. A repetição do “Ey, Ey, Eymael” em todas as propagandas eleitorais de um pleito, inclusive, rendeu vários memes nas redes sociais. Alguns afirmavam que “eleição sem Eymael não é eleição.”
No entanto, poucos sabem que a música possui mais versos do que as repetições já conhecidas de todos. “Mas é preciso a semente escolher. O que plantamos é o que vamos colher”, diz um dos versos mais desconhecidos.
‘Sem medo de ser feliz (Lula Lá)’ – Luiz Inácio Lula da Silva – 1989
Também muito conhecido, o jingle “Lula Lá” é cantado por vários artistas brasileiros, como Chico Buarque, Gal Costa, Adriana Esteves, Marieta Severo, Malu Mader, Beth Carvalho e Elba Ramalho, por exemplo. “Sem medo de ser feliz, quero ver chegar Lula lá. Brilha uma estrela. Lula lá, cresce a esperança”, diz a composição.
A música foi regravada para a campanha presidencial de 2022, quando Lula foi eleito presidente pela terceira vez. Da mesma forma, um coletivo de artistas nacionais fez parte da regravação. Desta última vez, participaram Chico César, Martinho da Vila, Lenine, Maria Rita, Paulo Miklos, Pabllo Vittar, Mart’nália, Os Gilsons e Zélia Duncan, por exemplo.
‘Lá Lá Lá Lá Lá Brizola’ – Leonel Brizola – 1989
A música, em tom mais lento, repete os versos “Lá, lá, lá, lá, lá, Brizola” em vários momentos. “Um voto pro Brizola só pode nos trazer um tempo bem melhor pra se viver”, continua o jingle.
Leonel Brizola terminou a eleição de 1989 em 3º lugar no primeiro turno. Na época, Fernando Collor foi eleito presidente com 53% dos votos no segundo turno, contra 47% do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
‘Levanta a Mão’ – Fernando Henrique Cardoso – 1994
A música “Levanta a Mão” foi utilizada durante a campanha de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e reutilizada na campanha de reeleição em 1998, com pequenas modificações. Por conta de seu título e refrão, o jingle ficou conhecido como “Melô do Assalto”. “O Brasil precisa muito de você. Levanta a mão, levanta a mão. Fernando Henrique é um Brasil que vai vencer”, dizia.
O intérprete do jingle é Dominguinhos. O instrumentista foi escolhido porque a equipe de FHC, nascido no Sudeste, achava que o então candidato a presidente não teria tantos votos no Nordeste, região natal do músico.
‘Deixa o homem trabalhar’ – Luiz Inácio Lula da Silva – 2006
‘Deixa o homem trabalhar’ foi o jingle usado pelo presidente Lula em sua campanha à reeleição em 2006 — e foi aprovado pelo próprio petista. Além disso, a música também relaciona a manutenção do governo do PT, à época, com a vontade divina.
“A voz de Deus é a voz do povo, olha o Lula aí de novo. Lula é um grande presidente, e vai continuar com a gente. Não troco o certo pelo duvidoso, eu quero o Lula de novo. Continua, nosso companheiro. Deixa o homem trabalhar”, eram os versos cantados na música.