BRASÍLIA - O Congresso Nacional gasta, por ano, R$ 2 milhões com café e açúcar. Para servir os parlamentares, assessores e visitantes que circulam pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal são consumidas 151 toneladas dos produtos. Quem bebe não precisa pagar pelo cafezinho do Parlamento.
Na Câmara, sempre que tem sessão nas comissões, a bebida quente, e adoçada para quem assim deseja, aparece em bandeijas e em modestos copinhos de plástico. No Salão Verde, espaço que dá acesso ao plenário, tem um balcão de livre acesso: chegou, pediu, bebeu. De graça. No fundo do plenário, há um espaço mais privativo, onde assessores e deputados têm direito a café também. Há sanduíches disponíveis, mas para estes é preciso pagar.
Se durante a Assembleia Nacional Constituinte era possível ver até pedintes circulando por ali, agora apenas parlamentares, um número seleto de assessores, autoridades, convidados e jornalistas podem frequentar o cafezinho do fundo do plenário.
Conversa fiada e até negócios
O cafezinho é local de negociações, confidências e até conversa fiada. Há quem faça política, negócio ou apenas piadas — como geralmente faz Tiririca (PL-SP) em suas não tão usuais aparições.
Nos espaços reservados para bebericar café já ocorreu de quase tudo. No cafezinho do Senado, por exemplo, o antigo PFL realizou um “desaniversário” do PT. Tratava-se de uma festa para celebrar o primeiro terço de gestão do primeiro governo Lula. A inscrição “Precisa começar” estava no grande bolo.
O espaço também já serviu para refeições mais fartas. Certa vez, na Câmara, houve uma farofada de madrugada para saciar a fome de parlamentares que participaram da votação da Medida Provisória (MP) dos Portos. Era 2013.
Em pratos e talheres de plástico, eles puderam comer arroz, frango, mandioca e carne de porco, com a possibilidade de acompanhar a partida entre Palmeiras e Tijuana, do México, pela Copa Libertadores. Teve quem passou fome. A sessão daquele dia registrou o quórum de 420 deputados. Ainda não havia a possibilidade do voto remoto à época.
O cafezinho ainda foi palco para insultos de toda sorte. Como ocorreu na Câmara num embate entre José Genoino (PT-SP) e Roberto Cardoso Alves (PTB-SP). “Se votou contra, não pode receber”, disse Cardoso Alves, protestando que Genoino votou contra a derrubada do veto que impedia o aumento de 30% nos salários dos deputados. “A questão é aumentar salário de parlamentar no momento em que a Câmara processa Hebe Camargo”, retrucou o petista.
Nem mesmo a Casa dos Lordes, o Senado, escapou das brigas. “O PMDB deu uma de macho”, disse o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), celebrando a entrada do partido, que disputava a presidência do Congresso com o PFL em 1996. “É por pouco tempo”, respondeu Epitácio Cafeteira (MA), então líder do PPB, o atual PP, coligado do PFL, hoje União Brasil.
Foi no cafezinho da Câmara que, como mostrou o Estadão, deputados fizeram piadas por votarem com o governo após uma polpuda liberação de emendas. “Pelo Brasil, né?”, afirmou o deputado Igor Timo (Podemos-MG), vice-líder do governo, dando uma gargalhada, no dia da votação do arcabouço fiscal.
O espaço do cafezinho prime da Câmara tem dez mesas e um outro incentivo a quem quiser passar mais tempo por lá — um amplo telão que exibe canais de notícia, mas que sintoniza no futebol quando há alguma partida importante.
No Senado há também um cafezinho no Plenário com um balcão que serve a bebida. Ainda que seja um pouco mais apertado, o espaço é mais cômodo. As cadeiras são acolchoadas e mais espaçosas e o entorno é menos barulhento. Os senadores têm ainda mais comodidade: eles podem ter o café servido diretamente na sua cadeira no Plenário ou em uma comissão.
Café de qualidade superior
Diferentemente do produto que está presente na mesa da maioria dos brasileiros, o café servido no Congresso é de tipo superior, com maior qualidade e um sabor mais acentuado do que os tradicionais, com grãos 100% arábicos.
De acordo com Everton Tales, presidente da Associação Brasileira de Classificadores e Degustadores de Café (ABCD), a bebida que é servida no Congresso tem uma quantidade menor de grãos irregulares, o que faz com que o gosto seja menos amargo e mais encorpado do que o tradicional companheiro da manhã dos brasileiros.
“O café tradicional tem um gosto mais acentuado, justamente por ter mais defeitos. Quanto mais você torra o café, para esconder esses defeitos, mais amargo ele fica. Por isso, o café superior é mais encorpado e tem menos amargor. Ele também tem uma torra mais clara do que o tradicional”, explicou o especialista.
Nos mercados brasileiros, o preço dos pacotes com 500 gramas do tipo superior que podem ser degustados no Congresso variam entre R$ 20 e R$ 22. As duas casas do Congresso, porém, pagam mais barato: a unidade é comprada por R$ 10,30 na Câmara e por R$ 9,97 no Senado.
Café da Câmara pode servir até 8.600 xícaras por dia
A Câmara dos Deputados possui contrato com uma empresa de Londrina, no Paraná, para fornecimento de 54 toneladas de café entre julho de 2023 e julho de 2024. O custo da licitação é de R$ 1.111.860 para a entrega de 108 mil pacotes de 500 gramas.
A fornecedora do café da Câmara se chama Café Jubileu e é industrializada pela empresa Café Odebrecht. Apesar do nome, não tem relação com a empreiteira que se envolveu em escândalos investigados pela Operação Lava Jato.
De acordo com a fornecedora, a bebida servida na Casa reúne “os melhores cafés paranaenses blendados com os melhores grãos do sul de Minas Gerais”. No site do Café Odebrecht, o pacote custa R$ 20 e serve até 20 xícaras. Ou seja, por dia útil (isto é, excluindo sábados, domingos e feriados em que o Congresso não tem atividades) é possível servir até 8.600 doses.
O açúcar, por sua vez, é refinado e distribuído pela empresa Uédama, que tem sede em Águas Claras, uma região administrativa que fica a 20 quilômetros de Brasília. Em troca de 37 toneladas por 12 meses, a Câmara vai desembolsar um total de R$ 156.800 até agosto deste ano. Ou seja, a Casa paga R$ 4,23 por quilo
Grãos do café distribuído no Senado são colhidos a dedo
O café do Senado é fornecido pela empresa Fino Sabor, que também tem sede em Águas Claras. No contrato com a entidade, a Casa se comprometeu a pagar o total de R$ 598.200 em 12 meses em troca de 30 toneladas até janeiro de 2025.
De acordo com a empresa, no documento de licitação com o Senado, o café é colhido a dedo para que não haja grãos verdes e ardidos “que comprometam a qualidade global” da bebida. O produto também é embalado de uma forma que possa garantir a qualidade por mais tempo do que nos produtos mais vendidas nos mercados brasileiros.
Na loja da Fino Sabor, um pacote de 500 gramas custa R$ 22. O preço da unidade para o cidadão comum é mais que o dobro do que o pago pelo Senado.
Segundo a empresa, um pacote do café superior pode render até 16 xícaras. Ou seja, a Casa consegue distribuir até 3.800 xícaras por dia útil.
O açúcar também é refinado e distribuído pela Uédama. Apesar de ser o mesmo produto, o quilo pago pelo Senado é mais caro do que o da Câmara: R$ 4,40. No total, o contrato entre a Casa e a empresa prevê a entrega de 30 toneladas do produto por R$ 132 mil até novembro deste ano.
No cafezinho do Senado, os visitantes também podem ser servidos com chá de gengibre e hortelã, além dos sabores que também são ofertados pela Câmara: frutas vermelhas, boldo, camomila e cidreira.
Demanda por café superior aumentou nos dois últimos anos
A demanda por café aumentou do ano passado para cá nas duas Casas. Antes de firmar contrato com o Café Jubileu, a Câmara recebeu 48 toneladas do Café Coliseu, entre agosto de 2022 e agosto de 2023, e pagou mais do que a licitação atual: R$ 1.246.560. A unidade do pacote de 500 gramas custou R$ 12,72.
No Senado, o contrato atual prevê o dobro da quantidade que foi distribuído no ano passado. Em licitação com a empresa Café Franchini, a Casa pagou R$ 399.000 em troca de 15 toneladas de grãos torrados e moídos entre setembro de 2022 e setembro de 2023. Cada pacote custou R$ 13,30 pago pelo erário.
O Estadão procurou a Câmara e o Senado, mas não obteve retorno.