Curiosidades do mundo da Política

Mulheres brasileiras conquistaram direito de votar há 92 anos; relembre a história do voto feminino


Caminho até o direito ser instituído na Constituição data dos primeiros anos da República, mas data passou a ser comemorada apenas em 2015

Por Karina Ferreira

Neste sábado, 24 de fevereiro, a sociedade comemora 92 anos do direito ao voto feminino no Brasil. De lá para cá, as mulheres já são a maioria do eleitorado brasileiro, representando 53% das mais de 155 milhões de pessoas aptas para votar.

Apesar de o direito ter sido assegurado em 1932, quando o Código Eleitoral decretado no governo provisório de Getúlio Vargas determinou como eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”, o voto ainda era facultativo para mulheres de todas as idades.

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Segundo a historiadora Mônica Karawejczyk, autora do livro “A Mulher Deve Votar?” (Paco Editorial, 2019), o direito foi negado até aquele ano tanto pela “lacuna” nas leis quanto por uma questão de costumes. Lacuna porque, apesar de a legislação até ali não proibir as mulheres de votarem, segundo a historiadora, o conceito de “cidadão” era controverso sobre abranger as mulheres, que na época deviam submissão ao marido, ao pai ou ao filho mais velho, a depender do status civil.

Bertha Lutz, candidata na eleição de 1933 pelo Partido Autonomista do Distrito Federal. Primeira suplente da legenda foi empossada deputada constituinte em 1936, após a morte do Deputado Candido Pessoa, 1925 Foto: TSE/Biblioteca do Congresso dos EUA

Em 1933, com a nova Constituição, o sufrágio feminino passou a abarcar as maiores de 18 anos, alfabetizadas e de todos os estados civis, mas era obrigatório apenas para servidoras públicas. Só em 1946, com a Constituinte, o direito foi assentado e passou a ser obrigatório para mulheres alfabetizadas de todo o País.

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A historiadora relembra que, naquela época, o processo eleitoral não alcançava muitas pessoas, especialmente a maioria das mulheres, soterradas em trabalhos domésticos, com pouca educação ou trabalhando fora de casa para ajudar no sustento da família. “Esse mundo político não era muito ‘atrativo’. Quem se interessava em participar eram, quase todas, mulheres mais instruídas, professoras ou mesmo membros da elite, que viam como uma injustiça o fato de estarem de fora”, explicou Karawejczyk.

Houve casos específicos em que mulheres usufruíram do direito antes que ele virasse lei federal. A primeira delas, oficialmente, foi a professora Celina Guimarães Vianna, natural do Rio Grande do Norte – onde havia um trecho específico no regimento estadual considerando que o direito ao exercício do voto era “sem distinção de sexos”.

Celina votou em 5 de abril de 1927, na cidade de Mossoró, após requerer sua inclusão na lista de eleitores do Estado e receber parecer favorável do juiz. Além de ser a primeira eleitora do Brasil, a professora garantiu o pioneirismo em toda a América Latina.

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Segundo Karawejczyk, outras mulheres tentaram se alistar, baseadas no argumento de que eram cidadãs, já que a lei até então não falava nada sobre gênero, mas acabaram tendo seus registros negados.

Também foi muito antes de ser decretado que o direito começou a ser pleiteado na política institucional no País. A primeira menção institucional foi em 1831, quando os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco reivindicaram o voto feminino em projeto de reformulação do sistema eleitoral.

Na sociedade civil, a pressão pelo voto feminino começou desde os primeiros anos da República. A renovação do regime político empolgou as mulheres para a reivindicação do direito, que, naquele momento, no mundo, só era assegurado na Nova Zelândia.

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Segundo Karawejczyk, alguns nomes entre as muitas mulheres que lutaram pelo direito no País podem ser destacados como decisivos para a conquista. É o caso de Leolinda de Figueiredo Daltro, que, em 1910, fundou a primeira associação política feminista do País, o Partido Republicano Feminino. A professora e indigenista baiana dedicou sua vida à defesa dos direitos das mulheres, principalmente ao voto. Nas primeiras eleições em que puderam participar, tanto como eleitoras quanto como candidatas, Leolinda concorreu ao cargo de intendente municipal da cidade do Rio de Janeiro.

Bertha Lutz ao lado do avião do qual se lançaram panfletos para fazer propaganda pelo voto feminino, em 1927 Foto: TSE/Arquivo Nacional

Outras importantes mulheres que pleitearam o direito no Brasil beberam de inspirações e teorias mundo afora para avançar com a luta por aqui. Um grupo delas, por exemplo, liderado por Bertha Lutz, chegou a alugar um avião no Rio de Janeiro para sobrevoar a cidade espalhando panfletos sobre o sufrágio feminino. Quem conta a história é Eva Blay, socióloga, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) e ex-senadora brasileira.

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“Elas trouxeram não apenas a ideia sobre o direito de voto para as mulheres, mas questões mais amplas de cidadania, como creche para os filhos, o direito de trabalhar, de ter salários iguais, de saúde especializada”, disse a socióloga, uma das pioneiras no estudo do direito das mulheres no País.

Além de Bertha, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos femininos, Eva cita Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada eleita ao parlamento brasileiro. Ela protagonizou uma emblemática fotografia com o registro do seu voto em uma urna, numa sala onde só há homens.

Na primeira eleição em que o voto feminino foi permitido no Brasil, em 1933, houve seções eleitorais instaladas exclusivamente para elas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há registros de quantas eleitoras participaram do pleito, porém, entre 1.040 candidatos, apenas 19 eram mulheres.

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Almerinda Faria Gama foi candidata na eleição de 1933 para as vagas destinadas aos representantes de associações profissionais. Ela não foi eleita Foto: TSE/CPDOC/FGV

A comemoração da data virou lei no governo de Dilma Rousseff (PT). A primeira presidente mulher do País instituiu o Dia da Conquista do Voto Feminino como parte do calendário nacional, em 2015.

Direito ao voto e cidadania

“Essas mulheres abriram portas que nós ainda não conseguimos abrir”, disse Eva Blay. Para a socióloga, somente o direito ao voto não garante a cidadania plena para as mulheres que, sem garantias sociais suficientes, estão fadadas a seguir, ou voltar, ao lugar histórico de submissão.

Como exemplo, a professora cita questões como o direito ao aborto, os altos índices de feminicídio no País, as políticas conservadoras que tentam impedir o acesso à educação sexual, e outros temas que, segundo ela, subordinam as mulheres em pleno século 21.

“É muito importante, sem dúvidas, termos direito ao voto. Mas mais do que isso, é fundamental que os políticos e as políticas incorporem essa e outras garantias.”

Neste sábado, 24 de fevereiro, a sociedade comemora 92 anos do direito ao voto feminino no Brasil. De lá para cá, as mulheres já são a maioria do eleitorado brasileiro, representando 53% das mais de 155 milhões de pessoas aptas para votar.

Apesar de o direito ter sido assegurado em 1932, quando o Código Eleitoral decretado no governo provisório de Getúlio Vargas determinou como eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”, o voto ainda era facultativo para mulheres de todas as idades.

Segundo a historiadora Mônica Karawejczyk, autora do livro “A Mulher Deve Votar?” (Paco Editorial, 2019), o direito foi negado até aquele ano tanto pela “lacuna” nas leis quanto por uma questão de costumes. Lacuna porque, apesar de a legislação até ali não proibir as mulheres de votarem, segundo a historiadora, o conceito de “cidadão” era controverso sobre abranger as mulheres, que na época deviam submissão ao marido, ao pai ou ao filho mais velho, a depender do status civil.

Bertha Lutz, candidata na eleição de 1933 pelo Partido Autonomista do Distrito Federal. Primeira suplente da legenda foi empossada deputada constituinte em 1936, após a morte do Deputado Candido Pessoa, 1925 Foto: TSE/Biblioteca do Congresso dos EUA

Em 1933, com a nova Constituição, o sufrágio feminino passou a abarcar as maiores de 18 anos, alfabetizadas e de todos os estados civis, mas era obrigatório apenas para servidoras públicas. Só em 1946, com a Constituinte, o direito foi assentado e passou a ser obrigatório para mulheres alfabetizadas de todo o País.

A historiadora relembra que, naquela época, o processo eleitoral não alcançava muitas pessoas, especialmente a maioria das mulheres, soterradas em trabalhos domésticos, com pouca educação ou trabalhando fora de casa para ajudar no sustento da família. “Esse mundo político não era muito ‘atrativo’. Quem se interessava em participar eram, quase todas, mulheres mais instruídas, professoras ou mesmo membros da elite, que viam como uma injustiça o fato de estarem de fora”, explicou Karawejczyk.

Houve casos específicos em que mulheres usufruíram do direito antes que ele virasse lei federal. A primeira delas, oficialmente, foi a professora Celina Guimarães Vianna, natural do Rio Grande do Norte – onde havia um trecho específico no regimento estadual considerando que o direito ao exercício do voto era “sem distinção de sexos”.

Celina votou em 5 de abril de 1927, na cidade de Mossoró, após requerer sua inclusão na lista de eleitores do Estado e receber parecer favorável do juiz. Além de ser a primeira eleitora do Brasil, a professora garantiu o pioneirismo em toda a América Latina.

Segundo Karawejczyk, outras mulheres tentaram se alistar, baseadas no argumento de que eram cidadãs, já que a lei até então não falava nada sobre gênero, mas acabaram tendo seus registros negados.

Também foi muito antes de ser decretado que o direito começou a ser pleiteado na política institucional no País. A primeira menção institucional foi em 1831, quando os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco reivindicaram o voto feminino em projeto de reformulação do sistema eleitoral.

Na sociedade civil, a pressão pelo voto feminino começou desde os primeiros anos da República. A renovação do regime político empolgou as mulheres para a reivindicação do direito, que, naquele momento, no mundo, só era assegurado na Nova Zelândia.

Segundo Karawejczyk, alguns nomes entre as muitas mulheres que lutaram pelo direito no País podem ser destacados como decisivos para a conquista. É o caso de Leolinda de Figueiredo Daltro, que, em 1910, fundou a primeira associação política feminista do País, o Partido Republicano Feminino. A professora e indigenista baiana dedicou sua vida à defesa dos direitos das mulheres, principalmente ao voto. Nas primeiras eleições em que puderam participar, tanto como eleitoras quanto como candidatas, Leolinda concorreu ao cargo de intendente municipal da cidade do Rio de Janeiro.

Bertha Lutz ao lado do avião do qual se lançaram panfletos para fazer propaganda pelo voto feminino, em 1927 Foto: TSE/Arquivo Nacional

Outras importantes mulheres que pleitearam o direito no Brasil beberam de inspirações e teorias mundo afora para avançar com a luta por aqui. Um grupo delas, por exemplo, liderado por Bertha Lutz, chegou a alugar um avião no Rio de Janeiro para sobrevoar a cidade espalhando panfletos sobre o sufrágio feminino. Quem conta a história é Eva Blay, socióloga, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) e ex-senadora brasileira.

“Elas trouxeram não apenas a ideia sobre o direito de voto para as mulheres, mas questões mais amplas de cidadania, como creche para os filhos, o direito de trabalhar, de ter salários iguais, de saúde especializada”, disse a socióloga, uma das pioneiras no estudo do direito das mulheres no País.

Além de Bertha, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos femininos, Eva cita Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada eleita ao parlamento brasileiro. Ela protagonizou uma emblemática fotografia com o registro do seu voto em uma urna, numa sala onde só há homens.

Na primeira eleição em que o voto feminino foi permitido no Brasil, em 1933, houve seções eleitorais instaladas exclusivamente para elas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há registros de quantas eleitoras participaram do pleito, porém, entre 1.040 candidatos, apenas 19 eram mulheres.

Almerinda Faria Gama foi candidata na eleição de 1933 para as vagas destinadas aos representantes de associações profissionais. Ela não foi eleita Foto: TSE/CPDOC/FGV

A comemoração da data virou lei no governo de Dilma Rousseff (PT). A primeira presidente mulher do País instituiu o Dia da Conquista do Voto Feminino como parte do calendário nacional, em 2015.

Direito ao voto e cidadania

“Essas mulheres abriram portas que nós ainda não conseguimos abrir”, disse Eva Blay. Para a socióloga, somente o direito ao voto não garante a cidadania plena para as mulheres que, sem garantias sociais suficientes, estão fadadas a seguir, ou voltar, ao lugar histórico de submissão.

Como exemplo, a professora cita questões como o direito ao aborto, os altos índices de feminicídio no País, as políticas conservadoras que tentam impedir o acesso à educação sexual, e outros temas que, segundo ela, subordinam as mulheres em pleno século 21.

“É muito importante, sem dúvidas, termos direito ao voto. Mas mais do que isso, é fundamental que os políticos e as políticas incorporem essa e outras garantias.”

Neste sábado, 24 de fevereiro, a sociedade comemora 92 anos do direito ao voto feminino no Brasil. De lá para cá, as mulheres já são a maioria do eleitorado brasileiro, representando 53% das mais de 155 milhões de pessoas aptas para votar.

Apesar de o direito ter sido assegurado em 1932, quando o Código Eleitoral decretado no governo provisório de Getúlio Vargas determinou como eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”, o voto ainda era facultativo para mulheres de todas as idades.

Segundo a historiadora Mônica Karawejczyk, autora do livro “A Mulher Deve Votar?” (Paco Editorial, 2019), o direito foi negado até aquele ano tanto pela “lacuna” nas leis quanto por uma questão de costumes. Lacuna porque, apesar de a legislação até ali não proibir as mulheres de votarem, segundo a historiadora, o conceito de “cidadão” era controverso sobre abranger as mulheres, que na época deviam submissão ao marido, ao pai ou ao filho mais velho, a depender do status civil.

Bertha Lutz, candidata na eleição de 1933 pelo Partido Autonomista do Distrito Federal. Primeira suplente da legenda foi empossada deputada constituinte em 1936, após a morte do Deputado Candido Pessoa, 1925 Foto: TSE/Biblioteca do Congresso dos EUA

Em 1933, com a nova Constituição, o sufrágio feminino passou a abarcar as maiores de 18 anos, alfabetizadas e de todos os estados civis, mas era obrigatório apenas para servidoras públicas. Só em 1946, com a Constituinte, o direito foi assentado e passou a ser obrigatório para mulheres alfabetizadas de todo o País.

A historiadora relembra que, naquela época, o processo eleitoral não alcançava muitas pessoas, especialmente a maioria das mulheres, soterradas em trabalhos domésticos, com pouca educação ou trabalhando fora de casa para ajudar no sustento da família. “Esse mundo político não era muito ‘atrativo’. Quem se interessava em participar eram, quase todas, mulheres mais instruídas, professoras ou mesmo membros da elite, que viam como uma injustiça o fato de estarem de fora”, explicou Karawejczyk.

Houve casos específicos em que mulheres usufruíram do direito antes que ele virasse lei federal. A primeira delas, oficialmente, foi a professora Celina Guimarães Vianna, natural do Rio Grande do Norte – onde havia um trecho específico no regimento estadual considerando que o direito ao exercício do voto era “sem distinção de sexos”.

Celina votou em 5 de abril de 1927, na cidade de Mossoró, após requerer sua inclusão na lista de eleitores do Estado e receber parecer favorável do juiz. Além de ser a primeira eleitora do Brasil, a professora garantiu o pioneirismo em toda a América Latina.

Segundo Karawejczyk, outras mulheres tentaram se alistar, baseadas no argumento de que eram cidadãs, já que a lei até então não falava nada sobre gênero, mas acabaram tendo seus registros negados.

Também foi muito antes de ser decretado que o direito começou a ser pleiteado na política institucional no País. A primeira menção institucional foi em 1831, quando os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco reivindicaram o voto feminino em projeto de reformulação do sistema eleitoral.

Na sociedade civil, a pressão pelo voto feminino começou desde os primeiros anos da República. A renovação do regime político empolgou as mulheres para a reivindicação do direito, que, naquele momento, no mundo, só era assegurado na Nova Zelândia.

Segundo Karawejczyk, alguns nomes entre as muitas mulheres que lutaram pelo direito no País podem ser destacados como decisivos para a conquista. É o caso de Leolinda de Figueiredo Daltro, que, em 1910, fundou a primeira associação política feminista do País, o Partido Republicano Feminino. A professora e indigenista baiana dedicou sua vida à defesa dos direitos das mulheres, principalmente ao voto. Nas primeiras eleições em que puderam participar, tanto como eleitoras quanto como candidatas, Leolinda concorreu ao cargo de intendente municipal da cidade do Rio de Janeiro.

Bertha Lutz ao lado do avião do qual se lançaram panfletos para fazer propaganda pelo voto feminino, em 1927 Foto: TSE/Arquivo Nacional

Outras importantes mulheres que pleitearam o direito no Brasil beberam de inspirações e teorias mundo afora para avançar com a luta por aqui. Um grupo delas, por exemplo, liderado por Bertha Lutz, chegou a alugar um avião no Rio de Janeiro para sobrevoar a cidade espalhando panfletos sobre o sufrágio feminino. Quem conta a história é Eva Blay, socióloga, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) e ex-senadora brasileira.

“Elas trouxeram não apenas a ideia sobre o direito de voto para as mulheres, mas questões mais amplas de cidadania, como creche para os filhos, o direito de trabalhar, de ter salários iguais, de saúde especializada”, disse a socióloga, uma das pioneiras no estudo do direito das mulheres no País.

Além de Bertha, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos femininos, Eva cita Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada eleita ao parlamento brasileiro. Ela protagonizou uma emblemática fotografia com o registro do seu voto em uma urna, numa sala onde só há homens.

Na primeira eleição em que o voto feminino foi permitido no Brasil, em 1933, houve seções eleitorais instaladas exclusivamente para elas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há registros de quantas eleitoras participaram do pleito, porém, entre 1.040 candidatos, apenas 19 eram mulheres.

Almerinda Faria Gama foi candidata na eleição de 1933 para as vagas destinadas aos representantes de associações profissionais. Ela não foi eleita Foto: TSE/CPDOC/FGV

A comemoração da data virou lei no governo de Dilma Rousseff (PT). A primeira presidente mulher do País instituiu o Dia da Conquista do Voto Feminino como parte do calendário nacional, em 2015.

Direito ao voto e cidadania

“Essas mulheres abriram portas que nós ainda não conseguimos abrir”, disse Eva Blay. Para a socióloga, somente o direito ao voto não garante a cidadania plena para as mulheres que, sem garantias sociais suficientes, estão fadadas a seguir, ou voltar, ao lugar histórico de submissão.

Como exemplo, a professora cita questões como o direito ao aborto, os altos índices de feminicídio no País, as políticas conservadoras que tentam impedir o acesso à educação sexual, e outros temas que, segundo ela, subordinam as mulheres em pleno século 21.

“É muito importante, sem dúvidas, termos direito ao voto. Mas mais do que isso, é fundamental que os políticos e as políticas incorporem essa e outras garantias.”

Neste sábado, 24 de fevereiro, a sociedade comemora 92 anos do direito ao voto feminino no Brasil. De lá para cá, as mulheres já são a maioria do eleitorado brasileiro, representando 53% das mais de 155 milhões de pessoas aptas para votar.

Apesar de o direito ter sido assegurado em 1932, quando o Código Eleitoral decretado no governo provisório de Getúlio Vargas determinou como eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”, o voto ainda era facultativo para mulheres de todas as idades.

Segundo a historiadora Mônica Karawejczyk, autora do livro “A Mulher Deve Votar?” (Paco Editorial, 2019), o direito foi negado até aquele ano tanto pela “lacuna” nas leis quanto por uma questão de costumes. Lacuna porque, apesar de a legislação até ali não proibir as mulheres de votarem, segundo a historiadora, o conceito de “cidadão” era controverso sobre abranger as mulheres, que na época deviam submissão ao marido, ao pai ou ao filho mais velho, a depender do status civil.

Bertha Lutz, candidata na eleição de 1933 pelo Partido Autonomista do Distrito Federal. Primeira suplente da legenda foi empossada deputada constituinte em 1936, após a morte do Deputado Candido Pessoa, 1925 Foto: TSE/Biblioteca do Congresso dos EUA

Em 1933, com a nova Constituição, o sufrágio feminino passou a abarcar as maiores de 18 anos, alfabetizadas e de todos os estados civis, mas era obrigatório apenas para servidoras públicas. Só em 1946, com a Constituinte, o direito foi assentado e passou a ser obrigatório para mulheres alfabetizadas de todo o País.

A historiadora relembra que, naquela época, o processo eleitoral não alcançava muitas pessoas, especialmente a maioria das mulheres, soterradas em trabalhos domésticos, com pouca educação ou trabalhando fora de casa para ajudar no sustento da família. “Esse mundo político não era muito ‘atrativo’. Quem se interessava em participar eram, quase todas, mulheres mais instruídas, professoras ou mesmo membros da elite, que viam como uma injustiça o fato de estarem de fora”, explicou Karawejczyk.

Houve casos específicos em que mulheres usufruíram do direito antes que ele virasse lei federal. A primeira delas, oficialmente, foi a professora Celina Guimarães Vianna, natural do Rio Grande do Norte – onde havia um trecho específico no regimento estadual considerando que o direito ao exercício do voto era “sem distinção de sexos”.

Celina votou em 5 de abril de 1927, na cidade de Mossoró, após requerer sua inclusão na lista de eleitores do Estado e receber parecer favorável do juiz. Além de ser a primeira eleitora do Brasil, a professora garantiu o pioneirismo em toda a América Latina.

Segundo Karawejczyk, outras mulheres tentaram se alistar, baseadas no argumento de que eram cidadãs, já que a lei até então não falava nada sobre gênero, mas acabaram tendo seus registros negados.

Também foi muito antes de ser decretado que o direito começou a ser pleiteado na política institucional no País. A primeira menção institucional foi em 1831, quando os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco reivindicaram o voto feminino em projeto de reformulação do sistema eleitoral.

Na sociedade civil, a pressão pelo voto feminino começou desde os primeiros anos da República. A renovação do regime político empolgou as mulheres para a reivindicação do direito, que, naquele momento, no mundo, só era assegurado na Nova Zelândia.

Segundo Karawejczyk, alguns nomes entre as muitas mulheres que lutaram pelo direito no País podem ser destacados como decisivos para a conquista. É o caso de Leolinda de Figueiredo Daltro, que, em 1910, fundou a primeira associação política feminista do País, o Partido Republicano Feminino. A professora e indigenista baiana dedicou sua vida à defesa dos direitos das mulheres, principalmente ao voto. Nas primeiras eleições em que puderam participar, tanto como eleitoras quanto como candidatas, Leolinda concorreu ao cargo de intendente municipal da cidade do Rio de Janeiro.

Bertha Lutz ao lado do avião do qual se lançaram panfletos para fazer propaganda pelo voto feminino, em 1927 Foto: TSE/Arquivo Nacional

Outras importantes mulheres que pleitearam o direito no Brasil beberam de inspirações e teorias mundo afora para avançar com a luta por aqui. Um grupo delas, por exemplo, liderado por Bertha Lutz, chegou a alugar um avião no Rio de Janeiro para sobrevoar a cidade espalhando panfletos sobre o sufrágio feminino. Quem conta a história é Eva Blay, socióloga, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP) e ex-senadora brasileira.

“Elas trouxeram não apenas a ideia sobre o direito de voto para as mulheres, mas questões mais amplas de cidadania, como creche para os filhos, o direito de trabalhar, de ter salários iguais, de saúde especializada”, disse a socióloga, uma das pioneiras no estudo do direito das mulheres no País.

Além de Bertha, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos femininos, Eva cita Carlota Pereira de Queirós, a primeira deputada eleita ao parlamento brasileiro. Ela protagonizou uma emblemática fotografia com o registro do seu voto em uma urna, numa sala onde só há homens.

Na primeira eleição em que o voto feminino foi permitido no Brasil, em 1933, houve seções eleitorais instaladas exclusivamente para elas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há registros de quantas eleitoras participaram do pleito, porém, entre 1.040 candidatos, apenas 19 eram mulheres.

Almerinda Faria Gama foi candidata na eleição de 1933 para as vagas destinadas aos representantes de associações profissionais. Ela não foi eleita Foto: TSE/CPDOC/FGV

A comemoração da data virou lei no governo de Dilma Rousseff (PT). A primeira presidente mulher do País instituiu o Dia da Conquista do Voto Feminino como parte do calendário nacional, em 2015.

Direito ao voto e cidadania

“Essas mulheres abriram portas que nós ainda não conseguimos abrir”, disse Eva Blay. Para a socióloga, somente o direito ao voto não garante a cidadania plena para as mulheres que, sem garantias sociais suficientes, estão fadadas a seguir, ou voltar, ao lugar histórico de submissão.

Como exemplo, a professora cita questões como o direito ao aborto, os altos índices de feminicídio no País, as políticas conservadoras que tentam impedir o acesso à educação sexual, e outros temas que, segundo ela, subordinam as mulheres em pleno século 21.

“É muito importante, sem dúvidas, termos direito ao voto. Mas mais do que isso, é fundamental que os políticos e as políticas incorporem essa e outras garantias.”

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