Curiosidades do mundo da Política

São Paulo quase mudou de capital, mas proposta encampada por Maluf foi derrotada; saiba onde ficaria


Prevista na Constituição Estadual de 1967, mudança para o interior tinha até lugar para se instalar; anos depois, viria a ser carro-chefe do governo Maluf, que terminou derrotado

Por Juliano Galisi
Atualização:

Em 1969, às vésperas do 415º aniversário paulistano, a manchete do Estadão era um tanto melancólica: São Paulo, ano 415, quase ex-capital. Em mais de 400 anos de existência, a cidade de São Paulo nunca havia sido tão subjugada quanto nos dois anteriores: naquele período, deputados, prefeitos, engenheiros e urbanistas encararam a sério a empreitada de transferir a capital paulista para algum município do interior do Estado.

Era o que determinava uma disposição transitória da Constituição Estadual de 1967. Mesmo depois de revogada, em 1969, os rumores de uma nova capital para o Estado rondaram a política paulista durante toda a década de 1970. A ideia só foi enterrada para valer em 1980, quando o ex-governador Paulo Maluf, o maior entusiasta da causa, a levou até o limite e terminou derrotado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

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Edição do Estadão em 22 de janeiro de 1969 falava sobre a possibilidade de mudança da capital Foto: Acervo/Estadão

Origem da ideia

A emenda que dispunha sobre a transferência de capital foi proposta pelo ex-deputado estadual Amaral Gurgel, da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Na justificativa apresentada, o parlamentar alegou que, instalado na cidade de São Paulo, “o governo se desgasta e pouco produz”. A transferência, segundo Gurgel, “permitiria à máquina pública funcionar com melhor rendimento”.

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Ao longo dos anos em que a ideia esteve em debate, os defensores da mudança de capital se valiam, sobretudo, de dois argumentos: por um lado, a transferência poderia criar novos pólos de desenvolvimento social e econômico no Estado, distribuindo melhor a atividade econômica concentrada na cidade de São Paulo. De outro, a capital paulista estava crescendo muito rápido e além da conta, encarando problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.

Quem quer a capital?

Boa parte dos entusiastas da transferência, porém, simplesmente a queria na esperança de que a sua respectiva região fosse beneficiada com a medida. De início, não estava claro se a capital seria uma nova cidade, erguida do zero, ou se o status político de uma localidade já existente seria elevado.

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Havia também uma confusão semântica. A Constituição previa que a mudança seria realizada “para a região central do estado”. Que centro, afinal: geográfico ou econômico? Aprovada a toque de caixa, a previsão de mudança da capital foi recebida entre líderes do interior com surpresa e entusiasmo. Não faltavam candidatos, dentre os quais despontaram Campinas, Araraquara, Bauru e São Carlos.

José Rosa da Silva conduziu uma pesquisa junto aos colegas que chegou a apontar tendência de apoio à transferência da capital Foto: Arquivo/Alesp

Sondagens internas entre os deputados da Alesp indicavam que a medida contava com o apoio da maior parte dos parlamentares. O então deputado José Rosa da Silva (Arena) alegou, na tribuna, que havia feito um levantamento entre os pares para avaliar a popularidade da mudança de capital.

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A Casa contava, naquela ocasião, com 115 cadeiras. Rosa da Silva alegou ter ouvido 106 colegas, dos quais 59 eram favoráveis à mudança, 40 contrários, 4 indecisos e 3 indiferentes. Entre os que apoiavam a nova capital, 12 preferiam que uma nova cidade fosse construída; 11 optavam por Bauru, 5 queriam Araraquara e outros 5 queriam Ribeirão Preto; Campinas, por fim, recebeu 3 votos. O restante dos votos favoráveis, explicou José Rosa da Silva, ficou dividido entre escolhas solitárias de deputados que queriam transferir a capital para suas diminutas bases eleitorais.

Comissão de técnicos

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Os parlamentares, como visto, jamais chegariam a um acordo. O governo do Estado, por outro lado, não queria se indispor com ninguém. É nesse contexto que surge, em 5 de julho de 1967, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Estado (Cepelca), instalada com o intuito de produzir um relatório técnico a respeito do tema. É dito que, no início dos trabalhos, não havia consenso a respeito da viabilidade e necessidade da mudança de capital nem mesmo entre os arquitetos e engenheiros da Cepelca.

Havia um trabalho duro pela frente, pois a comissão estava encarregada de entregar ao Poder Executivo, até o final do ano seguinte, um projeto de diretrizes para a localização da nova capital paulista. Em 26 de dezembro de 1968 - a cinco dias do prazo -, os técnicos da Cepelca entregaram ao vice-governador Hilário Torloni (Arena) o relatório final dos estudos em que cinco regiões foram elencadas como as ideais para a instalação da nova sede do poder executivo.

Região de Brotas, a escolhida

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Uma delas, porém, era a preferida, muito por conta da localização geográfica, no coração do Estado, e das condições climáticas: a região favorita dos técnicos era denominada no relatório como “W1″ e compreendia as áreas do que hoje são os municípios de Brotas, São Pedro, Itirapina e Torrinha. 80% da área da nova capital seria desmembrada de Brotas, na região do distrito de São Sebastião da Serra, uma pacata área da cidade que, nessa época, contava com 70 casas e cerca de 300 habitantes.

A partir da entrega do relatório, no entanto, a proposta de mudança de capital caiu num limbo jurídico. Isso porque, nos estudos, foi previsto um gasto total de 680 milhões de cruzeiros com toda a empreitada, valor que afastou da causa o ex-governador Abreu Sodré (Arena). “Com esse dinheiro, eu acabaria com o analfabetismo”, costumava explicar à imprensa.

Sodré exercera uma mera atribuição constitucional ao nomear a Cepelca. Na Constituição Estadual, além disso, estava previsto que, ao fim dos estudos de uma comissão especializada, o governador deveria formalizar a transferência na forma de um Projeto de Lei Complementar (PLC). Sodré nunca o fez e, para além de tudo, retirou esse dispositivo do texto constitucional de 1969.

Os governadores que o sucederam, Laudo Natel e Paulo Egydio, ambos da Arena, também não se entusiasmaram com a empreitada de alto custo. Os rumores sobre a transferência, no entanto, rondaram a política paulista durante toda a década de 1970, gerando um certo folclore em torno do tema. Em São Sebastião da Serra, o pequeno distrito que receberia boa parte da nova sede do governo, foi aberto o Bar Nova Capital. Originou-se até mesmo a corrente política “mudancista”, em alusão aos parlamentares que se mantinham fiéis à causa da mudança. Durante os anos 70, alguns projetos dessa natureza tramitaram na Alesp, mas nenhum com a força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 60/1979, apresentada no apagar das luzes do ano de 1979 pelo então governador Paulo Maluf, o maior de todos os “mudancistas”.

Edição do Estadão de 9 de maio de 1968 anunciava a escolha da região de Brotas para receber a nova capital Foto: Acervo/Estadão

O anúncio bombástico de Maluf

Paulo Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo em abril de 1969, no momento em que se especulava que a cidade era “quase ex-capital”. Dez anos depois, como governador, empreenderia todos os esforços para, de fato, tornar a cidade a ex-capital do Estado. A homologação de Maluf como governador foi realizada na Alesp em 1º de setembro de 1978. Às vésperas da solenidade, ele vinha dizendo que tinha “uma bomba” para anunciar e, no discurso aos parlamentares, foi categórico: a mudança de capital seria o carro-chefe de seu programa de governo. O novo governador garantiu que a comissão para estudar a localização da nova capital retomaria os trabalhos. De acordo com Maluf, a PEC para consolidar a mudança não demoraria a chegar à Alesp, prevendo o envio da medida para o final de 1979.

Os custos do projeto, agora, estavam na casa dos 10 bilhões de cruzeiros, e o anúncio da mudança foi seguido por uma enxurrada de críticas da opinião pública. Maluf respondia às controvérsias com a irreverência característica. “Graças a Deus não havia estudo de viabilidade econômica na época do descobrimento do Brasil, pois, se houvesse, constatariam que dom Manoel não tinha condições para financiar as 13 naus que realizavam aquela viagem”, disse Paulo Maluf, em visita a Ribeirão Preto em 1978. Sempre que possível, reiterava aos jornalistas que a mudança era “um projeto autofinanciável”, garantindo que a transferência geraria renda por meio de novos empregos e turismo.

Edição do Estadão de 1 de abril de 1979 mostra a insistência do governador à época, Paulo Maluf, de mudar a capital para o interior. Foto: Acervo/Estadão

Partindo do zero, a Cepelca retomou os estudos e, por mera coincidência, apontou ao governador a mesma região indicada dez anos antes. Barra Bonita e Botucatu até despontaram bem na análise, mas a região de Brotas foi, pela segunda vez, eleita como local ideal para a nova capital.

Mandou rezar missa

Maluf estava irredutível e confiante, acreditando que poderia iniciar as obras já no ano de 1980. “Ainda este ano mando rezar a primeira missa no local escolhido para a construção da nova capital. Lanço a pedra fundamental e mando rezar a missa”, garantiu o ex-governador. E, como se não bastasse, pretendia terminar tudo em 1983.

Para iniciar as obras, ele precisava de jogo de cintura com a Assembleia Legislativa. O orçamento do ano seguinte estava previsto para ser votado em novembro e o governador teria que se adiantar a esse prazo. Era estimado que o início das obras demandaria 10% do total da dotação estadual.

Paulo Maluf colocou novamente em pauta o debate sobre a mudança da capital para o interior quando se tornou governador, em 1979, mas acabou derrotado Foto: Arquivo Agência Estado/AE

Mudancistas no MDB

À imprensa, interlocutores do governo garantiam que, mesmo sem a maioria, a mudança de capital poderia passar até com margem. Isso porque, segundo esses interlocutores, era calculado pelo governo que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, não estava tão fechado assim contra a transferência. 23 deputados do MDB, supostamente, votariam a favor da PEC da mudança. Somados à bancada de 26 deputados da Arena, a margem de aprovação do projeto, nesse cenário, seria altíssima.

Mais de 40 anos depois, o Estadão buscou o contato de Robson Marinho, então no MDB e presidente da Alesp na ocasião, para questioná-lo quanto ao episódio. “Sabia que o risco de ser aprovado em Plenário era grande”, afirmou Marinho à reportagem. Para o ex-deputado, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), a transferência de capital “se tratava de um projeto político e pessoal de Maluf”. Se a medida angariava certo apoio na classe política, o ex-deputado pontua que a proposta “não tinha apoio da maioria da população paulista, que não via benefícios na iniciativa”. Ele próprio, diz, era contrário à mudança, e o que mais lhe preocupava eram os deputados “cooptados” pelo governo para a votação.

Ex-deputado Robson Marinho era presidente da Alesp na época em que Maluf tentou levar adiante mudança da capital Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Eduardo Suplicy (PT) também estava presente na legislatura que apreciou a PEC 60/1979. Quatro décadas depois, retornou à Alesp e, questionado pela reportagem sobre a mudança de capital, garante que o MDB, seu partido na época, rapidamente fechou a questão. “Achávamos que não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança (da sede do governo) para o interior”, conta o deputado estadual. “Para promover a economia do interior e equilibrar o desenvolvimento social no Estado, teríamos outros instrumentos de política econômica”, completa.

Apresentada em 7 de dezembro de 1979, a “emenda Maluf”, como fora pejorativamente batizada, recebeu seis emendas legislativas, uma das quais apresentada por Eduardo Suplicy. O dispositivo proposto por ele previa maior transparência nos gastos com a eventual construção da cidade. A bancada do MDB, no pior dos casos, queria que a transferência fosse antecedida por consulta plebiscitária. “Nós defendemos que isso fosse objeto de plebiscito, e não somente uma decisão do governador. Mas ele nem conseguiu que fosse votada (em Plenário) a mudança para o interior”, disse Suplicy.

“Achávamos que (mudar a capital) não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança [da sede do governo] para o interior.”

Eduardo Suplicy

PEC rejeitada enterrou a ideia

Na PEC, havia até data para a transferência da capital: 15 de dezembro de 1982. Mas no ano seguinte ao anúncio, a pressão em torno da proposta só aumentava, tanto pelos apoiadores da medida quanto pelos seus detratores.

A maior parte do MDB rejeitava a ideia, mas não se sabia se todos os emedebistas votariam contra a mudança. Por isso, o presidente do Legislativo optou por manobras com o regimento interno da Alesp. “Resolvi protelar a tramitação, aplicando as normas regimentais, até que o projeto fosse arquivado”, disse Robson Marinho. Creio que atendi ao anseio da maioria do povo paulista. Não me arrependo”, completa o ex-parlamentar.

Eduardo Suplicy, deputado estadual, também ocupava uma vaga na Alesp na época em que Maluf tentou mudar a capital Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Em 23 de abril de 1980, o deputado Marco Aurélio Ribeiro (MDB), relator da PEC 60/1979 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, emitiu um extenso parecer pela rejeição da matéria. Em 29 laudas corridas, Aurélio Ribeiro dissecou, ponto a ponto, o mérito técnico, jurídico e sociopolítico do projeto. A inconstitucionalidade do texto, segundo o relator, era evidente por dois fatores: a Constituição vigente exigia a realização de plebiscito para a criação de novos municípios, não cabendo ao Executivo fazê-lo unilateralmente; além disso, existiam critérios constitucionais mínimos de renda e população para o surgimento de uma nova cidade.

Derrotado, Maluf retirou o projeto da pauta. Naquele mesmo ano, a PEC 10/1980, de autoria do ex-deputado Vicente Botta (MDB) e muito semelhante ao texto rejeitado, chegou a ser protocolada na Alesp, mas a tramitação não teve fôlego. A “emenda Botta”, última cartada do governo, foi recolhida em 3 de setembro de 1980.

Origem difusa

A transferência da capital paulista saiu de cena tão repentinamente quanto surgiu, em 1967. A origem primeira dessa ideia, no entanto, permanece incerta. Sete anos antes, em 1960, o deputado estadual Domingos Lot Neto (PDC) havia sugerido a mudança, possivelmente influenciado pelo início da construção de Brasília, a nova capital federal.

Para muito além disso, é documentado que o conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira havia sugerido, em 1810, a transferência da capital da província de São Paulo para a região de São Pedro. A título de curiosidade, no momento em que a Cepelca empreendia os estudos, foi ventilado na imprensa que a futura capital poderia ser batizada de “Anchieta”. Essa sugestão, no entanto, nunca chegou a ser consolidada nos relatórios da comissão. Nenhuma das iniciativas “mudancistas” foi para a frente e o assunto nunca mais esteve em voga.

Em 1969, no seu 415º aniversário, São Paulo era “quase ex-capital”; 55 anos depois, prestes a comemorar seu ano 470, São Paulo, sabemos, é mais capital do que nunca.

Em 1969, às vésperas do 415º aniversário paulistano, a manchete do Estadão era um tanto melancólica: São Paulo, ano 415, quase ex-capital. Em mais de 400 anos de existência, a cidade de São Paulo nunca havia sido tão subjugada quanto nos dois anteriores: naquele período, deputados, prefeitos, engenheiros e urbanistas encararam a sério a empreitada de transferir a capital paulista para algum município do interior do Estado.

Era o que determinava uma disposição transitória da Constituição Estadual de 1967. Mesmo depois de revogada, em 1969, os rumores de uma nova capital para o Estado rondaram a política paulista durante toda a década de 1970. A ideia só foi enterrada para valer em 1980, quando o ex-governador Paulo Maluf, o maior entusiasta da causa, a levou até o limite e terminou derrotado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Edição do Estadão em 22 de janeiro de 1969 falava sobre a possibilidade de mudança da capital Foto: Acervo/Estadão

Origem da ideia

A emenda que dispunha sobre a transferência de capital foi proposta pelo ex-deputado estadual Amaral Gurgel, da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Na justificativa apresentada, o parlamentar alegou que, instalado na cidade de São Paulo, “o governo se desgasta e pouco produz”. A transferência, segundo Gurgel, “permitiria à máquina pública funcionar com melhor rendimento”.

Ao longo dos anos em que a ideia esteve em debate, os defensores da mudança de capital se valiam, sobretudo, de dois argumentos: por um lado, a transferência poderia criar novos pólos de desenvolvimento social e econômico no Estado, distribuindo melhor a atividade econômica concentrada na cidade de São Paulo. De outro, a capital paulista estava crescendo muito rápido e além da conta, encarando problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.

Quem quer a capital?

Boa parte dos entusiastas da transferência, porém, simplesmente a queria na esperança de que a sua respectiva região fosse beneficiada com a medida. De início, não estava claro se a capital seria uma nova cidade, erguida do zero, ou se o status político de uma localidade já existente seria elevado.

Havia também uma confusão semântica. A Constituição previa que a mudança seria realizada “para a região central do estado”. Que centro, afinal: geográfico ou econômico? Aprovada a toque de caixa, a previsão de mudança da capital foi recebida entre líderes do interior com surpresa e entusiasmo. Não faltavam candidatos, dentre os quais despontaram Campinas, Araraquara, Bauru e São Carlos.

José Rosa da Silva conduziu uma pesquisa junto aos colegas que chegou a apontar tendência de apoio à transferência da capital Foto: Arquivo/Alesp

Sondagens internas entre os deputados da Alesp indicavam que a medida contava com o apoio da maior parte dos parlamentares. O então deputado José Rosa da Silva (Arena) alegou, na tribuna, que havia feito um levantamento entre os pares para avaliar a popularidade da mudança de capital.

A Casa contava, naquela ocasião, com 115 cadeiras. Rosa da Silva alegou ter ouvido 106 colegas, dos quais 59 eram favoráveis à mudança, 40 contrários, 4 indecisos e 3 indiferentes. Entre os que apoiavam a nova capital, 12 preferiam que uma nova cidade fosse construída; 11 optavam por Bauru, 5 queriam Araraquara e outros 5 queriam Ribeirão Preto; Campinas, por fim, recebeu 3 votos. O restante dos votos favoráveis, explicou José Rosa da Silva, ficou dividido entre escolhas solitárias de deputados que queriam transferir a capital para suas diminutas bases eleitorais.

Comissão de técnicos

Os parlamentares, como visto, jamais chegariam a um acordo. O governo do Estado, por outro lado, não queria se indispor com ninguém. É nesse contexto que surge, em 5 de julho de 1967, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Estado (Cepelca), instalada com o intuito de produzir um relatório técnico a respeito do tema. É dito que, no início dos trabalhos, não havia consenso a respeito da viabilidade e necessidade da mudança de capital nem mesmo entre os arquitetos e engenheiros da Cepelca.

Havia um trabalho duro pela frente, pois a comissão estava encarregada de entregar ao Poder Executivo, até o final do ano seguinte, um projeto de diretrizes para a localização da nova capital paulista. Em 26 de dezembro de 1968 - a cinco dias do prazo -, os técnicos da Cepelca entregaram ao vice-governador Hilário Torloni (Arena) o relatório final dos estudos em que cinco regiões foram elencadas como as ideais para a instalação da nova sede do poder executivo.

Região de Brotas, a escolhida

Uma delas, porém, era a preferida, muito por conta da localização geográfica, no coração do Estado, e das condições climáticas: a região favorita dos técnicos era denominada no relatório como “W1″ e compreendia as áreas do que hoje são os municípios de Brotas, São Pedro, Itirapina e Torrinha. 80% da área da nova capital seria desmembrada de Brotas, na região do distrito de São Sebastião da Serra, uma pacata área da cidade que, nessa época, contava com 70 casas e cerca de 300 habitantes.

A partir da entrega do relatório, no entanto, a proposta de mudança de capital caiu num limbo jurídico. Isso porque, nos estudos, foi previsto um gasto total de 680 milhões de cruzeiros com toda a empreitada, valor que afastou da causa o ex-governador Abreu Sodré (Arena). “Com esse dinheiro, eu acabaria com o analfabetismo”, costumava explicar à imprensa.

Sodré exercera uma mera atribuição constitucional ao nomear a Cepelca. Na Constituição Estadual, além disso, estava previsto que, ao fim dos estudos de uma comissão especializada, o governador deveria formalizar a transferência na forma de um Projeto de Lei Complementar (PLC). Sodré nunca o fez e, para além de tudo, retirou esse dispositivo do texto constitucional de 1969.

Os governadores que o sucederam, Laudo Natel e Paulo Egydio, ambos da Arena, também não se entusiasmaram com a empreitada de alto custo. Os rumores sobre a transferência, no entanto, rondaram a política paulista durante toda a década de 1970, gerando um certo folclore em torno do tema. Em São Sebastião da Serra, o pequeno distrito que receberia boa parte da nova sede do governo, foi aberto o Bar Nova Capital. Originou-se até mesmo a corrente política “mudancista”, em alusão aos parlamentares que se mantinham fiéis à causa da mudança. Durante os anos 70, alguns projetos dessa natureza tramitaram na Alesp, mas nenhum com a força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 60/1979, apresentada no apagar das luzes do ano de 1979 pelo então governador Paulo Maluf, o maior de todos os “mudancistas”.

Edição do Estadão de 9 de maio de 1968 anunciava a escolha da região de Brotas para receber a nova capital Foto: Acervo/Estadão

O anúncio bombástico de Maluf

Paulo Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo em abril de 1969, no momento em que se especulava que a cidade era “quase ex-capital”. Dez anos depois, como governador, empreenderia todos os esforços para, de fato, tornar a cidade a ex-capital do Estado. A homologação de Maluf como governador foi realizada na Alesp em 1º de setembro de 1978. Às vésperas da solenidade, ele vinha dizendo que tinha “uma bomba” para anunciar e, no discurso aos parlamentares, foi categórico: a mudança de capital seria o carro-chefe de seu programa de governo. O novo governador garantiu que a comissão para estudar a localização da nova capital retomaria os trabalhos. De acordo com Maluf, a PEC para consolidar a mudança não demoraria a chegar à Alesp, prevendo o envio da medida para o final de 1979.

Os custos do projeto, agora, estavam na casa dos 10 bilhões de cruzeiros, e o anúncio da mudança foi seguido por uma enxurrada de críticas da opinião pública. Maluf respondia às controvérsias com a irreverência característica. “Graças a Deus não havia estudo de viabilidade econômica na época do descobrimento do Brasil, pois, se houvesse, constatariam que dom Manoel não tinha condições para financiar as 13 naus que realizavam aquela viagem”, disse Paulo Maluf, em visita a Ribeirão Preto em 1978. Sempre que possível, reiterava aos jornalistas que a mudança era “um projeto autofinanciável”, garantindo que a transferência geraria renda por meio de novos empregos e turismo.

Edição do Estadão de 1 de abril de 1979 mostra a insistência do governador à época, Paulo Maluf, de mudar a capital para o interior. Foto: Acervo/Estadão

Partindo do zero, a Cepelca retomou os estudos e, por mera coincidência, apontou ao governador a mesma região indicada dez anos antes. Barra Bonita e Botucatu até despontaram bem na análise, mas a região de Brotas foi, pela segunda vez, eleita como local ideal para a nova capital.

Mandou rezar missa

Maluf estava irredutível e confiante, acreditando que poderia iniciar as obras já no ano de 1980. “Ainda este ano mando rezar a primeira missa no local escolhido para a construção da nova capital. Lanço a pedra fundamental e mando rezar a missa”, garantiu o ex-governador. E, como se não bastasse, pretendia terminar tudo em 1983.

Para iniciar as obras, ele precisava de jogo de cintura com a Assembleia Legislativa. O orçamento do ano seguinte estava previsto para ser votado em novembro e o governador teria que se adiantar a esse prazo. Era estimado que o início das obras demandaria 10% do total da dotação estadual.

Paulo Maluf colocou novamente em pauta o debate sobre a mudança da capital para o interior quando se tornou governador, em 1979, mas acabou derrotado Foto: Arquivo Agência Estado/AE

Mudancistas no MDB

À imprensa, interlocutores do governo garantiam que, mesmo sem a maioria, a mudança de capital poderia passar até com margem. Isso porque, segundo esses interlocutores, era calculado pelo governo que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, não estava tão fechado assim contra a transferência. 23 deputados do MDB, supostamente, votariam a favor da PEC da mudança. Somados à bancada de 26 deputados da Arena, a margem de aprovação do projeto, nesse cenário, seria altíssima.

Mais de 40 anos depois, o Estadão buscou o contato de Robson Marinho, então no MDB e presidente da Alesp na ocasião, para questioná-lo quanto ao episódio. “Sabia que o risco de ser aprovado em Plenário era grande”, afirmou Marinho à reportagem. Para o ex-deputado, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), a transferência de capital “se tratava de um projeto político e pessoal de Maluf”. Se a medida angariava certo apoio na classe política, o ex-deputado pontua que a proposta “não tinha apoio da maioria da população paulista, que não via benefícios na iniciativa”. Ele próprio, diz, era contrário à mudança, e o que mais lhe preocupava eram os deputados “cooptados” pelo governo para a votação.

Ex-deputado Robson Marinho era presidente da Alesp na época em que Maluf tentou levar adiante mudança da capital Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Eduardo Suplicy (PT) também estava presente na legislatura que apreciou a PEC 60/1979. Quatro décadas depois, retornou à Alesp e, questionado pela reportagem sobre a mudança de capital, garante que o MDB, seu partido na época, rapidamente fechou a questão. “Achávamos que não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança (da sede do governo) para o interior”, conta o deputado estadual. “Para promover a economia do interior e equilibrar o desenvolvimento social no Estado, teríamos outros instrumentos de política econômica”, completa.

Apresentada em 7 de dezembro de 1979, a “emenda Maluf”, como fora pejorativamente batizada, recebeu seis emendas legislativas, uma das quais apresentada por Eduardo Suplicy. O dispositivo proposto por ele previa maior transparência nos gastos com a eventual construção da cidade. A bancada do MDB, no pior dos casos, queria que a transferência fosse antecedida por consulta plebiscitária. “Nós defendemos que isso fosse objeto de plebiscito, e não somente uma decisão do governador. Mas ele nem conseguiu que fosse votada (em Plenário) a mudança para o interior”, disse Suplicy.

“Achávamos que (mudar a capital) não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança [da sede do governo] para o interior.”

Eduardo Suplicy

PEC rejeitada enterrou a ideia

Na PEC, havia até data para a transferência da capital: 15 de dezembro de 1982. Mas no ano seguinte ao anúncio, a pressão em torno da proposta só aumentava, tanto pelos apoiadores da medida quanto pelos seus detratores.

A maior parte do MDB rejeitava a ideia, mas não se sabia se todos os emedebistas votariam contra a mudança. Por isso, o presidente do Legislativo optou por manobras com o regimento interno da Alesp. “Resolvi protelar a tramitação, aplicando as normas regimentais, até que o projeto fosse arquivado”, disse Robson Marinho. Creio que atendi ao anseio da maioria do povo paulista. Não me arrependo”, completa o ex-parlamentar.

Eduardo Suplicy, deputado estadual, também ocupava uma vaga na Alesp na época em que Maluf tentou mudar a capital Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Em 23 de abril de 1980, o deputado Marco Aurélio Ribeiro (MDB), relator da PEC 60/1979 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, emitiu um extenso parecer pela rejeição da matéria. Em 29 laudas corridas, Aurélio Ribeiro dissecou, ponto a ponto, o mérito técnico, jurídico e sociopolítico do projeto. A inconstitucionalidade do texto, segundo o relator, era evidente por dois fatores: a Constituição vigente exigia a realização de plebiscito para a criação de novos municípios, não cabendo ao Executivo fazê-lo unilateralmente; além disso, existiam critérios constitucionais mínimos de renda e população para o surgimento de uma nova cidade.

Derrotado, Maluf retirou o projeto da pauta. Naquele mesmo ano, a PEC 10/1980, de autoria do ex-deputado Vicente Botta (MDB) e muito semelhante ao texto rejeitado, chegou a ser protocolada na Alesp, mas a tramitação não teve fôlego. A “emenda Botta”, última cartada do governo, foi recolhida em 3 de setembro de 1980.

Origem difusa

A transferência da capital paulista saiu de cena tão repentinamente quanto surgiu, em 1967. A origem primeira dessa ideia, no entanto, permanece incerta. Sete anos antes, em 1960, o deputado estadual Domingos Lot Neto (PDC) havia sugerido a mudança, possivelmente influenciado pelo início da construção de Brasília, a nova capital federal.

Para muito além disso, é documentado que o conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira havia sugerido, em 1810, a transferência da capital da província de São Paulo para a região de São Pedro. A título de curiosidade, no momento em que a Cepelca empreendia os estudos, foi ventilado na imprensa que a futura capital poderia ser batizada de “Anchieta”. Essa sugestão, no entanto, nunca chegou a ser consolidada nos relatórios da comissão. Nenhuma das iniciativas “mudancistas” foi para a frente e o assunto nunca mais esteve em voga.

Em 1969, no seu 415º aniversário, São Paulo era “quase ex-capital”; 55 anos depois, prestes a comemorar seu ano 470, São Paulo, sabemos, é mais capital do que nunca.

Em 1969, às vésperas do 415º aniversário paulistano, a manchete do Estadão era um tanto melancólica: São Paulo, ano 415, quase ex-capital. Em mais de 400 anos de existência, a cidade de São Paulo nunca havia sido tão subjugada quanto nos dois anteriores: naquele período, deputados, prefeitos, engenheiros e urbanistas encararam a sério a empreitada de transferir a capital paulista para algum município do interior do Estado.

Era o que determinava uma disposição transitória da Constituição Estadual de 1967. Mesmo depois de revogada, em 1969, os rumores de uma nova capital para o Estado rondaram a política paulista durante toda a década de 1970. A ideia só foi enterrada para valer em 1980, quando o ex-governador Paulo Maluf, o maior entusiasta da causa, a levou até o limite e terminou derrotado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Edição do Estadão em 22 de janeiro de 1969 falava sobre a possibilidade de mudança da capital Foto: Acervo/Estadão

Origem da ideia

A emenda que dispunha sobre a transferência de capital foi proposta pelo ex-deputado estadual Amaral Gurgel, da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Na justificativa apresentada, o parlamentar alegou que, instalado na cidade de São Paulo, “o governo se desgasta e pouco produz”. A transferência, segundo Gurgel, “permitiria à máquina pública funcionar com melhor rendimento”.

Ao longo dos anos em que a ideia esteve em debate, os defensores da mudança de capital se valiam, sobretudo, de dois argumentos: por um lado, a transferência poderia criar novos pólos de desenvolvimento social e econômico no Estado, distribuindo melhor a atividade econômica concentrada na cidade de São Paulo. De outro, a capital paulista estava crescendo muito rápido e além da conta, encarando problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.

Quem quer a capital?

Boa parte dos entusiastas da transferência, porém, simplesmente a queria na esperança de que a sua respectiva região fosse beneficiada com a medida. De início, não estava claro se a capital seria uma nova cidade, erguida do zero, ou se o status político de uma localidade já existente seria elevado.

Havia também uma confusão semântica. A Constituição previa que a mudança seria realizada “para a região central do estado”. Que centro, afinal: geográfico ou econômico? Aprovada a toque de caixa, a previsão de mudança da capital foi recebida entre líderes do interior com surpresa e entusiasmo. Não faltavam candidatos, dentre os quais despontaram Campinas, Araraquara, Bauru e São Carlos.

José Rosa da Silva conduziu uma pesquisa junto aos colegas que chegou a apontar tendência de apoio à transferência da capital Foto: Arquivo/Alesp

Sondagens internas entre os deputados da Alesp indicavam que a medida contava com o apoio da maior parte dos parlamentares. O então deputado José Rosa da Silva (Arena) alegou, na tribuna, que havia feito um levantamento entre os pares para avaliar a popularidade da mudança de capital.

A Casa contava, naquela ocasião, com 115 cadeiras. Rosa da Silva alegou ter ouvido 106 colegas, dos quais 59 eram favoráveis à mudança, 40 contrários, 4 indecisos e 3 indiferentes. Entre os que apoiavam a nova capital, 12 preferiam que uma nova cidade fosse construída; 11 optavam por Bauru, 5 queriam Araraquara e outros 5 queriam Ribeirão Preto; Campinas, por fim, recebeu 3 votos. O restante dos votos favoráveis, explicou José Rosa da Silva, ficou dividido entre escolhas solitárias de deputados que queriam transferir a capital para suas diminutas bases eleitorais.

Comissão de técnicos

Os parlamentares, como visto, jamais chegariam a um acordo. O governo do Estado, por outro lado, não queria se indispor com ninguém. É nesse contexto que surge, em 5 de julho de 1967, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Estado (Cepelca), instalada com o intuito de produzir um relatório técnico a respeito do tema. É dito que, no início dos trabalhos, não havia consenso a respeito da viabilidade e necessidade da mudança de capital nem mesmo entre os arquitetos e engenheiros da Cepelca.

Havia um trabalho duro pela frente, pois a comissão estava encarregada de entregar ao Poder Executivo, até o final do ano seguinte, um projeto de diretrizes para a localização da nova capital paulista. Em 26 de dezembro de 1968 - a cinco dias do prazo -, os técnicos da Cepelca entregaram ao vice-governador Hilário Torloni (Arena) o relatório final dos estudos em que cinco regiões foram elencadas como as ideais para a instalação da nova sede do poder executivo.

Região de Brotas, a escolhida

Uma delas, porém, era a preferida, muito por conta da localização geográfica, no coração do Estado, e das condições climáticas: a região favorita dos técnicos era denominada no relatório como “W1″ e compreendia as áreas do que hoje são os municípios de Brotas, São Pedro, Itirapina e Torrinha. 80% da área da nova capital seria desmembrada de Brotas, na região do distrito de São Sebastião da Serra, uma pacata área da cidade que, nessa época, contava com 70 casas e cerca de 300 habitantes.

A partir da entrega do relatório, no entanto, a proposta de mudança de capital caiu num limbo jurídico. Isso porque, nos estudos, foi previsto um gasto total de 680 milhões de cruzeiros com toda a empreitada, valor que afastou da causa o ex-governador Abreu Sodré (Arena). “Com esse dinheiro, eu acabaria com o analfabetismo”, costumava explicar à imprensa.

Sodré exercera uma mera atribuição constitucional ao nomear a Cepelca. Na Constituição Estadual, além disso, estava previsto que, ao fim dos estudos de uma comissão especializada, o governador deveria formalizar a transferência na forma de um Projeto de Lei Complementar (PLC). Sodré nunca o fez e, para além de tudo, retirou esse dispositivo do texto constitucional de 1969.

Os governadores que o sucederam, Laudo Natel e Paulo Egydio, ambos da Arena, também não se entusiasmaram com a empreitada de alto custo. Os rumores sobre a transferência, no entanto, rondaram a política paulista durante toda a década de 1970, gerando um certo folclore em torno do tema. Em São Sebastião da Serra, o pequeno distrito que receberia boa parte da nova sede do governo, foi aberto o Bar Nova Capital. Originou-se até mesmo a corrente política “mudancista”, em alusão aos parlamentares que se mantinham fiéis à causa da mudança. Durante os anos 70, alguns projetos dessa natureza tramitaram na Alesp, mas nenhum com a força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 60/1979, apresentada no apagar das luzes do ano de 1979 pelo então governador Paulo Maluf, o maior de todos os “mudancistas”.

Edição do Estadão de 9 de maio de 1968 anunciava a escolha da região de Brotas para receber a nova capital Foto: Acervo/Estadão

O anúncio bombástico de Maluf

Paulo Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo em abril de 1969, no momento em que se especulava que a cidade era “quase ex-capital”. Dez anos depois, como governador, empreenderia todos os esforços para, de fato, tornar a cidade a ex-capital do Estado. A homologação de Maluf como governador foi realizada na Alesp em 1º de setembro de 1978. Às vésperas da solenidade, ele vinha dizendo que tinha “uma bomba” para anunciar e, no discurso aos parlamentares, foi categórico: a mudança de capital seria o carro-chefe de seu programa de governo. O novo governador garantiu que a comissão para estudar a localização da nova capital retomaria os trabalhos. De acordo com Maluf, a PEC para consolidar a mudança não demoraria a chegar à Alesp, prevendo o envio da medida para o final de 1979.

Os custos do projeto, agora, estavam na casa dos 10 bilhões de cruzeiros, e o anúncio da mudança foi seguido por uma enxurrada de críticas da opinião pública. Maluf respondia às controvérsias com a irreverência característica. “Graças a Deus não havia estudo de viabilidade econômica na época do descobrimento do Brasil, pois, se houvesse, constatariam que dom Manoel não tinha condições para financiar as 13 naus que realizavam aquela viagem”, disse Paulo Maluf, em visita a Ribeirão Preto em 1978. Sempre que possível, reiterava aos jornalistas que a mudança era “um projeto autofinanciável”, garantindo que a transferência geraria renda por meio de novos empregos e turismo.

Edição do Estadão de 1 de abril de 1979 mostra a insistência do governador à época, Paulo Maluf, de mudar a capital para o interior. Foto: Acervo/Estadão

Partindo do zero, a Cepelca retomou os estudos e, por mera coincidência, apontou ao governador a mesma região indicada dez anos antes. Barra Bonita e Botucatu até despontaram bem na análise, mas a região de Brotas foi, pela segunda vez, eleita como local ideal para a nova capital.

Mandou rezar missa

Maluf estava irredutível e confiante, acreditando que poderia iniciar as obras já no ano de 1980. “Ainda este ano mando rezar a primeira missa no local escolhido para a construção da nova capital. Lanço a pedra fundamental e mando rezar a missa”, garantiu o ex-governador. E, como se não bastasse, pretendia terminar tudo em 1983.

Para iniciar as obras, ele precisava de jogo de cintura com a Assembleia Legislativa. O orçamento do ano seguinte estava previsto para ser votado em novembro e o governador teria que se adiantar a esse prazo. Era estimado que o início das obras demandaria 10% do total da dotação estadual.

Paulo Maluf colocou novamente em pauta o debate sobre a mudança da capital para o interior quando se tornou governador, em 1979, mas acabou derrotado Foto: Arquivo Agência Estado/AE

Mudancistas no MDB

À imprensa, interlocutores do governo garantiam que, mesmo sem a maioria, a mudança de capital poderia passar até com margem. Isso porque, segundo esses interlocutores, era calculado pelo governo que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, não estava tão fechado assim contra a transferência. 23 deputados do MDB, supostamente, votariam a favor da PEC da mudança. Somados à bancada de 26 deputados da Arena, a margem de aprovação do projeto, nesse cenário, seria altíssima.

Mais de 40 anos depois, o Estadão buscou o contato de Robson Marinho, então no MDB e presidente da Alesp na ocasião, para questioná-lo quanto ao episódio. “Sabia que o risco de ser aprovado em Plenário era grande”, afirmou Marinho à reportagem. Para o ex-deputado, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), a transferência de capital “se tratava de um projeto político e pessoal de Maluf”. Se a medida angariava certo apoio na classe política, o ex-deputado pontua que a proposta “não tinha apoio da maioria da população paulista, que não via benefícios na iniciativa”. Ele próprio, diz, era contrário à mudança, e o que mais lhe preocupava eram os deputados “cooptados” pelo governo para a votação.

Ex-deputado Robson Marinho era presidente da Alesp na época em que Maluf tentou levar adiante mudança da capital Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Eduardo Suplicy (PT) também estava presente na legislatura que apreciou a PEC 60/1979. Quatro décadas depois, retornou à Alesp e, questionado pela reportagem sobre a mudança de capital, garante que o MDB, seu partido na época, rapidamente fechou a questão. “Achávamos que não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança (da sede do governo) para o interior”, conta o deputado estadual. “Para promover a economia do interior e equilibrar o desenvolvimento social no Estado, teríamos outros instrumentos de política econômica”, completa.

Apresentada em 7 de dezembro de 1979, a “emenda Maluf”, como fora pejorativamente batizada, recebeu seis emendas legislativas, uma das quais apresentada por Eduardo Suplicy. O dispositivo proposto por ele previa maior transparência nos gastos com a eventual construção da cidade. A bancada do MDB, no pior dos casos, queria que a transferência fosse antecedida por consulta plebiscitária. “Nós defendemos que isso fosse objeto de plebiscito, e não somente uma decisão do governador. Mas ele nem conseguiu que fosse votada (em Plenário) a mudança para o interior”, disse Suplicy.

“Achávamos que (mudar a capital) não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança [da sede do governo] para o interior.”

Eduardo Suplicy

PEC rejeitada enterrou a ideia

Na PEC, havia até data para a transferência da capital: 15 de dezembro de 1982. Mas no ano seguinte ao anúncio, a pressão em torno da proposta só aumentava, tanto pelos apoiadores da medida quanto pelos seus detratores.

A maior parte do MDB rejeitava a ideia, mas não se sabia se todos os emedebistas votariam contra a mudança. Por isso, o presidente do Legislativo optou por manobras com o regimento interno da Alesp. “Resolvi protelar a tramitação, aplicando as normas regimentais, até que o projeto fosse arquivado”, disse Robson Marinho. Creio que atendi ao anseio da maioria do povo paulista. Não me arrependo”, completa o ex-parlamentar.

Eduardo Suplicy, deputado estadual, também ocupava uma vaga na Alesp na época em que Maluf tentou mudar a capital Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Em 23 de abril de 1980, o deputado Marco Aurélio Ribeiro (MDB), relator da PEC 60/1979 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, emitiu um extenso parecer pela rejeição da matéria. Em 29 laudas corridas, Aurélio Ribeiro dissecou, ponto a ponto, o mérito técnico, jurídico e sociopolítico do projeto. A inconstitucionalidade do texto, segundo o relator, era evidente por dois fatores: a Constituição vigente exigia a realização de plebiscito para a criação de novos municípios, não cabendo ao Executivo fazê-lo unilateralmente; além disso, existiam critérios constitucionais mínimos de renda e população para o surgimento de uma nova cidade.

Derrotado, Maluf retirou o projeto da pauta. Naquele mesmo ano, a PEC 10/1980, de autoria do ex-deputado Vicente Botta (MDB) e muito semelhante ao texto rejeitado, chegou a ser protocolada na Alesp, mas a tramitação não teve fôlego. A “emenda Botta”, última cartada do governo, foi recolhida em 3 de setembro de 1980.

Origem difusa

A transferência da capital paulista saiu de cena tão repentinamente quanto surgiu, em 1967. A origem primeira dessa ideia, no entanto, permanece incerta. Sete anos antes, em 1960, o deputado estadual Domingos Lot Neto (PDC) havia sugerido a mudança, possivelmente influenciado pelo início da construção de Brasília, a nova capital federal.

Para muito além disso, é documentado que o conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira havia sugerido, em 1810, a transferência da capital da província de São Paulo para a região de São Pedro. A título de curiosidade, no momento em que a Cepelca empreendia os estudos, foi ventilado na imprensa que a futura capital poderia ser batizada de “Anchieta”. Essa sugestão, no entanto, nunca chegou a ser consolidada nos relatórios da comissão. Nenhuma das iniciativas “mudancistas” foi para a frente e o assunto nunca mais esteve em voga.

Em 1969, no seu 415º aniversário, São Paulo era “quase ex-capital”; 55 anos depois, prestes a comemorar seu ano 470, São Paulo, sabemos, é mais capital do que nunca.

Em 1969, às vésperas do 415º aniversário paulistano, a manchete do Estadão era um tanto melancólica: São Paulo, ano 415, quase ex-capital. Em mais de 400 anos de existência, a cidade de São Paulo nunca havia sido tão subjugada quanto nos dois anteriores: naquele período, deputados, prefeitos, engenheiros e urbanistas encararam a sério a empreitada de transferir a capital paulista para algum município do interior do Estado.

Era o que determinava uma disposição transitória da Constituição Estadual de 1967. Mesmo depois de revogada, em 1969, os rumores de uma nova capital para o Estado rondaram a política paulista durante toda a década de 1970. A ideia só foi enterrada para valer em 1980, quando o ex-governador Paulo Maluf, o maior entusiasta da causa, a levou até o limite e terminou derrotado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Edição do Estadão em 22 de janeiro de 1969 falava sobre a possibilidade de mudança da capital Foto: Acervo/Estadão

Origem da ideia

A emenda que dispunha sobre a transferência de capital foi proposta pelo ex-deputado estadual Amaral Gurgel, da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Na justificativa apresentada, o parlamentar alegou que, instalado na cidade de São Paulo, “o governo se desgasta e pouco produz”. A transferência, segundo Gurgel, “permitiria à máquina pública funcionar com melhor rendimento”.

Ao longo dos anos em que a ideia esteve em debate, os defensores da mudança de capital se valiam, sobretudo, de dois argumentos: por um lado, a transferência poderia criar novos pólos de desenvolvimento social e econômico no Estado, distribuindo melhor a atividade econômica concentrada na cidade de São Paulo. De outro, a capital paulista estava crescendo muito rápido e além da conta, encarando problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.

Quem quer a capital?

Boa parte dos entusiastas da transferência, porém, simplesmente a queria na esperança de que a sua respectiva região fosse beneficiada com a medida. De início, não estava claro se a capital seria uma nova cidade, erguida do zero, ou se o status político de uma localidade já existente seria elevado.

Havia também uma confusão semântica. A Constituição previa que a mudança seria realizada “para a região central do estado”. Que centro, afinal: geográfico ou econômico? Aprovada a toque de caixa, a previsão de mudança da capital foi recebida entre líderes do interior com surpresa e entusiasmo. Não faltavam candidatos, dentre os quais despontaram Campinas, Araraquara, Bauru e São Carlos.

José Rosa da Silva conduziu uma pesquisa junto aos colegas que chegou a apontar tendência de apoio à transferência da capital Foto: Arquivo/Alesp

Sondagens internas entre os deputados da Alesp indicavam que a medida contava com o apoio da maior parte dos parlamentares. O então deputado José Rosa da Silva (Arena) alegou, na tribuna, que havia feito um levantamento entre os pares para avaliar a popularidade da mudança de capital.

A Casa contava, naquela ocasião, com 115 cadeiras. Rosa da Silva alegou ter ouvido 106 colegas, dos quais 59 eram favoráveis à mudança, 40 contrários, 4 indecisos e 3 indiferentes. Entre os que apoiavam a nova capital, 12 preferiam que uma nova cidade fosse construída; 11 optavam por Bauru, 5 queriam Araraquara e outros 5 queriam Ribeirão Preto; Campinas, por fim, recebeu 3 votos. O restante dos votos favoráveis, explicou José Rosa da Silva, ficou dividido entre escolhas solitárias de deputados que queriam transferir a capital para suas diminutas bases eleitorais.

Comissão de técnicos

Os parlamentares, como visto, jamais chegariam a um acordo. O governo do Estado, por outro lado, não queria se indispor com ninguém. É nesse contexto que surge, em 5 de julho de 1967, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Estado (Cepelca), instalada com o intuito de produzir um relatório técnico a respeito do tema. É dito que, no início dos trabalhos, não havia consenso a respeito da viabilidade e necessidade da mudança de capital nem mesmo entre os arquitetos e engenheiros da Cepelca.

Havia um trabalho duro pela frente, pois a comissão estava encarregada de entregar ao Poder Executivo, até o final do ano seguinte, um projeto de diretrizes para a localização da nova capital paulista. Em 26 de dezembro de 1968 - a cinco dias do prazo -, os técnicos da Cepelca entregaram ao vice-governador Hilário Torloni (Arena) o relatório final dos estudos em que cinco regiões foram elencadas como as ideais para a instalação da nova sede do poder executivo.

Região de Brotas, a escolhida

Uma delas, porém, era a preferida, muito por conta da localização geográfica, no coração do Estado, e das condições climáticas: a região favorita dos técnicos era denominada no relatório como “W1″ e compreendia as áreas do que hoje são os municípios de Brotas, São Pedro, Itirapina e Torrinha. 80% da área da nova capital seria desmembrada de Brotas, na região do distrito de São Sebastião da Serra, uma pacata área da cidade que, nessa época, contava com 70 casas e cerca de 300 habitantes.

A partir da entrega do relatório, no entanto, a proposta de mudança de capital caiu num limbo jurídico. Isso porque, nos estudos, foi previsto um gasto total de 680 milhões de cruzeiros com toda a empreitada, valor que afastou da causa o ex-governador Abreu Sodré (Arena). “Com esse dinheiro, eu acabaria com o analfabetismo”, costumava explicar à imprensa.

Sodré exercera uma mera atribuição constitucional ao nomear a Cepelca. Na Constituição Estadual, além disso, estava previsto que, ao fim dos estudos de uma comissão especializada, o governador deveria formalizar a transferência na forma de um Projeto de Lei Complementar (PLC). Sodré nunca o fez e, para além de tudo, retirou esse dispositivo do texto constitucional de 1969.

Os governadores que o sucederam, Laudo Natel e Paulo Egydio, ambos da Arena, também não se entusiasmaram com a empreitada de alto custo. Os rumores sobre a transferência, no entanto, rondaram a política paulista durante toda a década de 1970, gerando um certo folclore em torno do tema. Em São Sebastião da Serra, o pequeno distrito que receberia boa parte da nova sede do governo, foi aberto o Bar Nova Capital. Originou-se até mesmo a corrente política “mudancista”, em alusão aos parlamentares que se mantinham fiéis à causa da mudança. Durante os anos 70, alguns projetos dessa natureza tramitaram na Alesp, mas nenhum com a força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 60/1979, apresentada no apagar das luzes do ano de 1979 pelo então governador Paulo Maluf, o maior de todos os “mudancistas”.

Edição do Estadão de 9 de maio de 1968 anunciava a escolha da região de Brotas para receber a nova capital Foto: Acervo/Estadão

O anúncio bombástico de Maluf

Paulo Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo em abril de 1969, no momento em que se especulava que a cidade era “quase ex-capital”. Dez anos depois, como governador, empreenderia todos os esforços para, de fato, tornar a cidade a ex-capital do Estado. A homologação de Maluf como governador foi realizada na Alesp em 1º de setembro de 1978. Às vésperas da solenidade, ele vinha dizendo que tinha “uma bomba” para anunciar e, no discurso aos parlamentares, foi categórico: a mudança de capital seria o carro-chefe de seu programa de governo. O novo governador garantiu que a comissão para estudar a localização da nova capital retomaria os trabalhos. De acordo com Maluf, a PEC para consolidar a mudança não demoraria a chegar à Alesp, prevendo o envio da medida para o final de 1979.

Os custos do projeto, agora, estavam na casa dos 10 bilhões de cruzeiros, e o anúncio da mudança foi seguido por uma enxurrada de críticas da opinião pública. Maluf respondia às controvérsias com a irreverência característica. “Graças a Deus não havia estudo de viabilidade econômica na época do descobrimento do Brasil, pois, se houvesse, constatariam que dom Manoel não tinha condições para financiar as 13 naus que realizavam aquela viagem”, disse Paulo Maluf, em visita a Ribeirão Preto em 1978. Sempre que possível, reiterava aos jornalistas que a mudança era “um projeto autofinanciável”, garantindo que a transferência geraria renda por meio de novos empregos e turismo.

Edição do Estadão de 1 de abril de 1979 mostra a insistência do governador à época, Paulo Maluf, de mudar a capital para o interior. Foto: Acervo/Estadão

Partindo do zero, a Cepelca retomou os estudos e, por mera coincidência, apontou ao governador a mesma região indicada dez anos antes. Barra Bonita e Botucatu até despontaram bem na análise, mas a região de Brotas foi, pela segunda vez, eleita como local ideal para a nova capital.

Mandou rezar missa

Maluf estava irredutível e confiante, acreditando que poderia iniciar as obras já no ano de 1980. “Ainda este ano mando rezar a primeira missa no local escolhido para a construção da nova capital. Lanço a pedra fundamental e mando rezar a missa”, garantiu o ex-governador. E, como se não bastasse, pretendia terminar tudo em 1983.

Para iniciar as obras, ele precisava de jogo de cintura com a Assembleia Legislativa. O orçamento do ano seguinte estava previsto para ser votado em novembro e o governador teria que se adiantar a esse prazo. Era estimado que o início das obras demandaria 10% do total da dotação estadual.

Paulo Maluf colocou novamente em pauta o debate sobre a mudança da capital para o interior quando se tornou governador, em 1979, mas acabou derrotado Foto: Arquivo Agência Estado/AE

Mudancistas no MDB

À imprensa, interlocutores do governo garantiam que, mesmo sem a maioria, a mudança de capital poderia passar até com margem. Isso porque, segundo esses interlocutores, era calculado pelo governo que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, não estava tão fechado assim contra a transferência. 23 deputados do MDB, supostamente, votariam a favor da PEC da mudança. Somados à bancada de 26 deputados da Arena, a margem de aprovação do projeto, nesse cenário, seria altíssima.

Mais de 40 anos depois, o Estadão buscou o contato de Robson Marinho, então no MDB e presidente da Alesp na ocasião, para questioná-lo quanto ao episódio. “Sabia que o risco de ser aprovado em Plenário era grande”, afirmou Marinho à reportagem. Para o ex-deputado, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), a transferência de capital “se tratava de um projeto político e pessoal de Maluf”. Se a medida angariava certo apoio na classe política, o ex-deputado pontua que a proposta “não tinha apoio da maioria da população paulista, que não via benefícios na iniciativa”. Ele próprio, diz, era contrário à mudança, e o que mais lhe preocupava eram os deputados “cooptados” pelo governo para a votação.

Ex-deputado Robson Marinho era presidente da Alesp na época em que Maluf tentou levar adiante mudança da capital Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Eduardo Suplicy (PT) também estava presente na legislatura que apreciou a PEC 60/1979. Quatro décadas depois, retornou à Alesp e, questionado pela reportagem sobre a mudança de capital, garante que o MDB, seu partido na época, rapidamente fechou a questão. “Achávamos que não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança (da sede do governo) para o interior”, conta o deputado estadual. “Para promover a economia do interior e equilibrar o desenvolvimento social no Estado, teríamos outros instrumentos de política econômica”, completa.

Apresentada em 7 de dezembro de 1979, a “emenda Maluf”, como fora pejorativamente batizada, recebeu seis emendas legislativas, uma das quais apresentada por Eduardo Suplicy. O dispositivo proposto por ele previa maior transparência nos gastos com a eventual construção da cidade. A bancada do MDB, no pior dos casos, queria que a transferência fosse antecedida por consulta plebiscitária. “Nós defendemos que isso fosse objeto de plebiscito, e não somente uma decisão do governador. Mas ele nem conseguiu que fosse votada (em Plenário) a mudança para o interior”, disse Suplicy.

“Achávamos que (mudar a capital) não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança [da sede do governo] para o interior.”

Eduardo Suplicy

PEC rejeitada enterrou a ideia

Na PEC, havia até data para a transferência da capital: 15 de dezembro de 1982. Mas no ano seguinte ao anúncio, a pressão em torno da proposta só aumentava, tanto pelos apoiadores da medida quanto pelos seus detratores.

A maior parte do MDB rejeitava a ideia, mas não se sabia se todos os emedebistas votariam contra a mudança. Por isso, o presidente do Legislativo optou por manobras com o regimento interno da Alesp. “Resolvi protelar a tramitação, aplicando as normas regimentais, até que o projeto fosse arquivado”, disse Robson Marinho. Creio que atendi ao anseio da maioria do povo paulista. Não me arrependo”, completa o ex-parlamentar.

Eduardo Suplicy, deputado estadual, também ocupava uma vaga na Alesp na época em que Maluf tentou mudar a capital Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Em 23 de abril de 1980, o deputado Marco Aurélio Ribeiro (MDB), relator da PEC 60/1979 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, emitiu um extenso parecer pela rejeição da matéria. Em 29 laudas corridas, Aurélio Ribeiro dissecou, ponto a ponto, o mérito técnico, jurídico e sociopolítico do projeto. A inconstitucionalidade do texto, segundo o relator, era evidente por dois fatores: a Constituição vigente exigia a realização de plebiscito para a criação de novos municípios, não cabendo ao Executivo fazê-lo unilateralmente; além disso, existiam critérios constitucionais mínimos de renda e população para o surgimento de uma nova cidade.

Derrotado, Maluf retirou o projeto da pauta. Naquele mesmo ano, a PEC 10/1980, de autoria do ex-deputado Vicente Botta (MDB) e muito semelhante ao texto rejeitado, chegou a ser protocolada na Alesp, mas a tramitação não teve fôlego. A “emenda Botta”, última cartada do governo, foi recolhida em 3 de setembro de 1980.

Origem difusa

A transferência da capital paulista saiu de cena tão repentinamente quanto surgiu, em 1967. A origem primeira dessa ideia, no entanto, permanece incerta. Sete anos antes, em 1960, o deputado estadual Domingos Lot Neto (PDC) havia sugerido a mudança, possivelmente influenciado pelo início da construção de Brasília, a nova capital federal.

Para muito além disso, é documentado que o conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira havia sugerido, em 1810, a transferência da capital da província de São Paulo para a região de São Pedro. A título de curiosidade, no momento em que a Cepelca empreendia os estudos, foi ventilado na imprensa que a futura capital poderia ser batizada de “Anchieta”. Essa sugestão, no entanto, nunca chegou a ser consolidada nos relatórios da comissão. Nenhuma das iniciativas “mudancistas” foi para a frente e o assunto nunca mais esteve em voga.

Em 1969, no seu 415º aniversário, São Paulo era “quase ex-capital”; 55 anos depois, prestes a comemorar seu ano 470, São Paulo, sabemos, é mais capital do que nunca.

Em 1969, às vésperas do 415º aniversário paulistano, a manchete do Estadão era um tanto melancólica: São Paulo, ano 415, quase ex-capital. Em mais de 400 anos de existência, a cidade de São Paulo nunca havia sido tão subjugada quanto nos dois anteriores: naquele período, deputados, prefeitos, engenheiros e urbanistas encararam a sério a empreitada de transferir a capital paulista para algum município do interior do Estado.

Era o que determinava uma disposição transitória da Constituição Estadual de 1967. Mesmo depois de revogada, em 1969, os rumores de uma nova capital para o Estado rondaram a política paulista durante toda a década de 1970. A ideia só foi enterrada para valer em 1980, quando o ex-governador Paulo Maluf, o maior entusiasta da causa, a levou até o limite e terminou derrotado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Edição do Estadão em 22 de janeiro de 1969 falava sobre a possibilidade de mudança da capital Foto: Acervo/Estadão

Origem da ideia

A emenda que dispunha sobre a transferência de capital foi proposta pelo ex-deputado estadual Amaral Gurgel, da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Na justificativa apresentada, o parlamentar alegou que, instalado na cidade de São Paulo, “o governo se desgasta e pouco produz”. A transferência, segundo Gurgel, “permitiria à máquina pública funcionar com melhor rendimento”.

Ao longo dos anos em que a ideia esteve em debate, os defensores da mudança de capital se valiam, sobretudo, de dois argumentos: por um lado, a transferência poderia criar novos pólos de desenvolvimento social e econômico no Estado, distribuindo melhor a atividade econômica concentrada na cidade de São Paulo. De outro, a capital paulista estava crescendo muito rápido e além da conta, encarando problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.

Quem quer a capital?

Boa parte dos entusiastas da transferência, porém, simplesmente a queria na esperança de que a sua respectiva região fosse beneficiada com a medida. De início, não estava claro se a capital seria uma nova cidade, erguida do zero, ou se o status político de uma localidade já existente seria elevado.

Havia também uma confusão semântica. A Constituição previa que a mudança seria realizada “para a região central do estado”. Que centro, afinal: geográfico ou econômico? Aprovada a toque de caixa, a previsão de mudança da capital foi recebida entre líderes do interior com surpresa e entusiasmo. Não faltavam candidatos, dentre os quais despontaram Campinas, Araraquara, Bauru e São Carlos.

José Rosa da Silva conduziu uma pesquisa junto aos colegas que chegou a apontar tendência de apoio à transferência da capital Foto: Arquivo/Alesp

Sondagens internas entre os deputados da Alesp indicavam que a medida contava com o apoio da maior parte dos parlamentares. O então deputado José Rosa da Silva (Arena) alegou, na tribuna, que havia feito um levantamento entre os pares para avaliar a popularidade da mudança de capital.

A Casa contava, naquela ocasião, com 115 cadeiras. Rosa da Silva alegou ter ouvido 106 colegas, dos quais 59 eram favoráveis à mudança, 40 contrários, 4 indecisos e 3 indiferentes. Entre os que apoiavam a nova capital, 12 preferiam que uma nova cidade fosse construída; 11 optavam por Bauru, 5 queriam Araraquara e outros 5 queriam Ribeirão Preto; Campinas, por fim, recebeu 3 votos. O restante dos votos favoráveis, explicou José Rosa da Silva, ficou dividido entre escolhas solitárias de deputados que queriam transferir a capital para suas diminutas bases eleitorais.

Comissão de técnicos

Os parlamentares, como visto, jamais chegariam a um acordo. O governo do Estado, por outro lado, não queria se indispor com ninguém. É nesse contexto que surge, em 5 de julho de 1967, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Estado (Cepelca), instalada com o intuito de produzir um relatório técnico a respeito do tema. É dito que, no início dos trabalhos, não havia consenso a respeito da viabilidade e necessidade da mudança de capital nem mesmo entre os arquitetos e engenheiros da Cepelca.

Havia um trabalho duro pela frente, pois a comissão estava encarregada de entregar ao Poder Executivo, até o final do ano seguinte, um projeto de diretrizes para a localização da nova capital paulista. Em 26 de dezembro de 1968 - a cinco dias do prazo -, os técnicos da Cepelca entregaram ao vice-governador Hilário Torloni (Arena) o relatório final dos estudos em que cinco regiões foram elencadas como as ideais para a instalação da nova sede do poder executivo.

Região de Brotas, a escolhida

Uma delas, porém, era a preferida, muito por conta da localização geográfica, no coração do Estado, e das condições climáticas: a região favorita dos técnicos era denominada no relatório como “W1″ e compreendia as áreas do que hoje são os municípios de Brotas, São Pedro, Itirapina e Torrinha. 80% da área da nova capital seria desmembrada de Brotas, na região do distrito de São Sebastião da Serra, uma pacata área da cidade que, nessa época, contava com 70 casas e cerca de 300 habitantes.

A partir da entrega do relatório, no entanto, a proposta de mudança de capital caiu num limbo jurídico. Isso porque, nos estudos, foi previsto um gasto total de 680 milhões de cruzeiros com toda a empreitada, valor que afastou da causa o ex-governador Abreu Sodré (Arena). “Com esse dinheiro, eu acabaria com o analfabetismo”, costumava explicar à imprensa.

Sodré exercera uma mera atribuição constitucional ao nomear a Cepelca. Na Constituição Estadual, além disso, estava previsto que, ao fim dos estudos de uma comissão especializada, o governador deveria formalizar a transferência na forma de um Projeto de Lei Complementar (PLC). Sodré nunca o fez e, para além de tudo, retirou esse dispositivo do texto constitucional de 1969.

Os governadores que o sucederam, Laudo Natel e Paulo Egydio, ambos da Arena, também não se entusiasmaram com a empreitada de alto custo. Os rumores sobre a transferência, no entanto, rondaram a política paulista durante toda a década de 1970, gerando um certo folclore em torno do tema. Em São Sebastião da Serra, o pequeno distrito que receberia boa parte da nova sede do governo, foi aberto o Bar Nova Capital. Originou-se até mesmo a corrente política “mudancista”, em alusão aos parlamentares que se mantinham fiéis à causa da mudança. Durante os anos 70, alguns projetos dessa natureza tramitaram na Alesp, mas nenhum com a força da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 60/1979, apresentada no apagar das luzes do ano de 1979 pelo então governador Paulo Maluf, o maior de todos os “mudancistas”.

Edição do Estadão de 9 de maio de 1968 anunciava a escolha da região de Brotas para receber a nova capital Foto: Acervo/Estadão

O anúncio bombástico de Maluf

Paulo Maluf foi nomeado prefeito de São Paulo em abril de 1969, no momento em que se especulava que a cidade era “quase ex-capital”. Dez anos depois, como governador, empreenderia todos os esforços para, de fato, tornar a cidade a ex-capital do Estado. A homologação de Maluf como governador foi realizada na Alesp em 1º de setembro de 1978. Às vésperas da solenidade, ele vinha dizendo que tinha “uma bomba” para anunciar e, no discurso aos parlamentares, foi categórico: a mudança de capital seria o carro-chefe de seu programa de governo. O novo governador garantiu que a comissão para estudar a localização da nova capital retomaria os trabalhos. De acordo com Maluf, a PEC para consolidar a mudança não demoraria a chegar à Alesp, prevendo o envio da medida para o final de 1979.

Os custos do projeto, agora, estavam na casa dos 10 bilhões de cruzeiros, e o anúncio da mudança foi seguido por uma enxurrada de críticas da opinião pública. Maluf respondia às controvérsias com a irreverência característica. “Graças a Deus não havia estudo de viabilidade econômica na época do descobrimento do Brasil, pois, se houvesse, constatariam que dom Manoel não tinha condições para financiar as 13 naus que realizavam aquela viagem”, disse Paulo Maluf, em visita a Ribeirão Preto em 1978. Sempre que possível, reiterava aos jornalistas que a mudança era “um projeto autofinanciável”, garantindo que a transferência geraria renda por meio de novos empregos e turismo.

Edição do Estadão de 1 de abril de 1979 mostra a insistência do governador à época, Paulo Maluf, de mudar a capital para o interior. Foto: Acervo/Estadão

Partindo do zero, a Cepelca retomou os estudos e, por mera coincidência, apontou ao governador a mesma região indicada dez anos antes. Barra Bonita e Botucatu até despontaram bem na análise, mas a região de Brotas foi, pela segunda vez, eleita como local ideal para a nova capital.

Mandou rezar missa

Maluf estava irredutível e confiante, acreditando que poderia iniciar as obras já no ano de 1980. “Ainda este ano mando rezar a primeira missa no local escolhido para a construção da nova capital. Lanço a pedra fundamental e mando rezar a missa”, garantiu o ex-governador. E, como se não bastasse, pretendia terminar tudo em 1983.

Para iniciar as obras, ele precisava de jogo de cintura com a Assembleia Legislativa. O orçamento do ano seguinte estava previsto para ser votado em novembro e o governador teria que se adiantar a esse prazo. Era estimado que o início das obras demandaria 10% do total da dotação estadual.

Paulo Maluf colocou novamente em pauta o debate sobre a mudança da capital para o interior quando se tornou governador, em 1979, mas acabou derrotado Foto: Arquivo Agência Estado/AE

Mudancistas no MDB

À imprensa, interlocutores do governo garantiam que, mesmo sem a maioria, a mudança de capital poderia passar até com margem. Isso porque, segundo esses interlocutores, era calculado pelo governo que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição à ditadura militar, não estava tão fechado assim contra a transferência. 23 deputados do MDB, supostamente, votariam a favor da PEC da mudança. Somados à bancada de 26 deputados da Arena, a margem de aprovação do projeto, nesse cenário, seria altíssima.

Mais de 40 anos depois, o Estadão buscou o contato de Robson Marinho, então no MDB e presidente da Alesp na ocasião, para questioná-lo quanto ao episódio. “Sabia que o risco de ser aprovado em Plenário era grande”, afirmou Marinho à reportagem. Para o ex-deputado, que hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), a transferência de capital “se tratava de um projeto político e pessoal de Maluf”. Se a medida angariava certo apoio na classe política, o ex-deputado pontua que a proposta “não tinha apoio da maioria da população paulista, que não via benefícios na iniciativa”. Ele próprio, diz, era contrário à mudança, e o que mais lhe preocupava eram os deputados “cooptados” pelo governo para a votação.

Ex-deputado Robson Marinho era presidente da Alesp na época em que Maluf tentou levar adiante mudança da capital Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Eduardo Suplicy (PT) também estava presente na legislatura que apreciou a PEC 60/1979. Quatro décadas depois, retornou à Alesp e, questionado pela reportagem sobre a mudança de capital, garante que o MDB, seu partido na época, rapidamente fechou a questão. “Achávamos que não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança (da sede do governo) para o interior”, conta o deputado estadual. “Para promover a economia do interior e equilibrar o desenvolvimento social no Estado, teríamos outros instrumentos de política econômica”, completa.

Apresentada em 7 de dezembro de 1979, a “emenda Maluf”, como fora pejorativamente batizada, recebeu seis emendas legislativas, uma das quais apresentada por Eduardo Suplicy. O dispositivo proposto por ele previa maior transparência nos gastos com a eventual construção da cidade. A bancada do MDB, no pior dos casos, queria que a transferência fosse antecedida por consulta plebiscitária. “Nós defendemos que isso fosse objeto de plebiscito, e não somente uma decisão do governador. Mas ele nem conseguiu que fosse votada (em Plenário) a mudança para o interior”, disse Suplicy.

“Achávamos que (mudar a capital) não era o mais adequado, pois São Paulo, como principal cidade do Estado, exercia muito bem as funções de capital e não víamos razões suficientes para a mudança [da sede do governo] para o interior.”

Eduardo Suplicy

PEC rejeitada enterrou a ideia

Na PEC, havia até data para a transferência da capital: 15 de dezembro de 1982. Mas no ano seguinte ao anúncio, a pressão em torno da proposta só aumentava, tanto pelos apoiadores da medida quanto pelos seus detratores.

A maior parte do MDB rejeitava a ideia, mas não se sabia se todos os emedebistas votariam contra a mudança. Por isso, o presidente do Legislativo optou por manobras com o regimento interno da Alesp. “Resolvi protelar a tramitação, aplicando as normas regimentais, até que o projeto fosse arquivado”, disse Robson Marinho. Creio que atendi ao anseio da maioria do povo paulista. Não me arrependo”, completa o ex-parlamentar.

Eduardo Suplicy, deputado estadual, também ocupava uma vaga na Alesp na época em que Maluf tentou mudar a capital Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Em 23 de abril de 1980, o deputado Marco Aurélio Ribeiro (MDB), relator da PEC 60/1979 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, emitiu um extenso parecer pela rejeição da matéria. Em 29 laudas corridas, Aurélio Ribeiro dissecou, ponto a ponto, o mérito técnico, jurídico e sociopolítico do projeto. A inconstitucionalidade do texto, segundo o relator, era evidente por dois fatores: a Constituição vigente exigia a realização de plebiscito para a criação de novos municípios, não cabendo ao Executivo fazê-lo unilateralmente; além disso, existiam critérios constitucionais mínimos de renda e população para o surgimento de uma nova cidade.

Derrotado, Maluf retirou o projeto da pauta. Naquele mesmo ano, a PEC 10/1980, de autoria do ex-deputado Vicente Botta (MDB) e muito semelhante ao texto rejeitado, chegou a ser protocolada na Alesp, mas a tramitação não teve fôlego. A “emenda Botta”, última cartada do governo, foi recolhida em 3 de setembro de 1980.

Origem difusa

A transferência da capital paulista saiu de cena tão repentinamente quanto surgiu, em 1967. A origem primeira dessa ideia, no entanto, permanece incerta. Sete anos antes, em 1960, o deputado estadual Domingos Lot Neto (PDC) havia sugerido a mudança, possivelmente influenciado pelo início da construção de Brasília, a nova capital federal.

Para muito além disso, é documentado que o conselheiro Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira havia sugerido, em 1810, a transferência da capital da província de São Paulo para a região de São Pedro. A título de curiosidade, no momento em que a Cepelca empreendia os estudos, foi ventilado na imprensa que a futura capital poderia ser batizada de “Anchieta”. Essa sugestão, no entanto, nunca chegou a ser consolidada nos relatórios da comissão. Nenhuma das iniciativas “mudancistas” foi para a frente e o assunto nunca mais esteve em voga.

Em 1969, no seu 415º aniversário, São Paulo era “quase ex-capital”; 55 anos depois, prestes a comemorar seu ano 470, São Paulo, sabemos, é mais capital do que nunca.

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