Fazia sol e calor, um céu sem nuvens e mar calmo, muito calmo – “quase um lago”, diria depois um tripulante da corveta V34 Barroso. Nesse cenário a Marinha do Brasil lançou pela primeira vez o míssil nacional antinavio Mansup, de longo alcance. Foi há pouco menos de um mês, a 300 km do litoral sul do Rio de Janeiro. Um sucesso: disparado a partir da corveta, o míssil, que mede 5,7 metros e pesa 860 quilos, voou a 1000 km/hora bem próximo da superfície, acompanhando o movimento da água do mar. Caiu no ponto central das coordenadas programadas. Havia um alvo, o casco do G-27 Marajó, um navio-tanque de 13 mil toneladas, desativado há dois anos. Era só uma referência na operação. Não houve explosão. O Mansup do teste levava uma carga de sensores eletrônicos na cabeça de guerra, a ogiva, para fazer medições de telemetria. Em um ataque real, estaria recheado com até 180 quilos de explosivos de alto rendimento – o suficiente para afundar, por exemplo, uma fragata de 5 mil toneladas.
O Mansup é o primeiro modelo de uma família. A sequência prevê o Mansub, lançado por submarinos submersos a partir do mesmo tubo dos torpedos, e o Manaer, para aviões de combate e helicópteros pesados. O arranjo mais ambicioso, diz um especialista do Centro de Tecnologia da Marinha, é o Mansub. O míssil é acomodado dentro de uma cápsula, ejetada por uma carga de ar comprimido. Quando chega a superfície, um sensor digital reconhece essa condição e faz a ignição do motor. Os quatro novos submarinos diesel-elétricos brasileiros da classe do S-40 Riachuelo – recebido pela Força há duas semanas – e a também a variante nuclear, vão incorporar o sistema.
O programa de desenvolvimento começou há apenas dez anos. Até agora consumiu R$ 380 milhões. É um projeto gerenciado pela Diretoria de Sistemas de Armas da Marinha (DSAM) a respeito da qual a força naval mantém um bem cuidado sigilo – os técnicos envolvidos, mesmo os da área empresarial, devem manter comportamento discreto em relação ao trabalho; as manifestações são sempre impessoais. No dia do ensaio, uma terça-feira típica da primavera no Atlântico Sul subtropical, a corveta V-34 Barroso já estava com o casulo do Mansup acomodado na célula de lançamento dos Exocet MM-40 modernizados, os mísseis do mesmo tipo usados pela esquadra. Uma zona de exclusão com o dobro de extensão do alcance máximo do míssil fora declarada com vários dias de antecedência para garantir ausência de tráfego marítimo durante a prova. Motivo alegado: treinamento de tiro real. Era bom não estar por perto.
A bordo, na sala do controle de fogo, a tripulação seguiu os protocolos de uma situação real. Iluminação reduzida, proteção extra, times completos. No ‘zero’ da contagem de disparo, apenas uma palavra, Mansup!, seguida da abertura do tubo de lançamento e do rugido do motor primário. O Mansup funciona em duas fases: um acelerador, o ‘booster’, dinamiza a etapa do ganho inicial de velocidade por poucos e intensos segundos até que entre em ação o propulsor principal. A navegação e o direcionamento são estabelecidos por meio de uma caixa de guiagem inercial, com radar interno ativo na etapa final da trajetória para afinar a precisão em relação ao objetivo. O míssil não é de cruzeiro, busca um alvo marcado, ou seja, não faz navegação própria até o impacto. Todavia, há pesquisas em andamento nos EUA e na China para permitir alguma capacidade desse gênero aos modelos Harpoon e Dragão de Seda, expandindo as possibilidades de emprego.
A Marinha pretende liberar o Mansup para vendas internacionais. O empreendimento, sob a direção de agências oficiais, está sendo executado por quatro empresas do setor privado: a Fundação Ezute (gerenciamento complementar), Avibras Aeroespacial (propulsão, asas, calhas, montagem final), Omnisys (‘seeker’, o buscador digital do alvo) e a SIATT (guiagem, navegação & controle, telemetria). A expectativa é de que ao menos dez nações da América do Sul, África, Ásia e Oceania considerem a substituição dos antigos Exocet B1 e B2. O preço comercial do míssil ainda não foi definido.
O domínio do pacote de conhecimento sensível necessário à produção de mísseis antinavio coloca a indústria brasileira de equipamentos de defesa, de emprego militar, em meio a um clube formado por oito, talvez dez países. Os mais influentes estão lá, como os Estados Unidos, a Rússia e a China. França e Suécia, parceiros das Forças Armadas, também. O Mansup é inspirado nos modelos Exocet, da França, conhecidos em todo o mundo há 37 anos. No dia 4 de maio de 1982, durante a Guerra das Falklands/Malvinas, um caça bombardeiro Super Etendard, francês, da força aérea naval argentina atingiu o destroier HMS Sheffield com uma versão AM39 do míssil. Os danos foram irreparáveis. O navio naufragou. A façanha se repetiu outras vezes durante o conflito. O episódio transformou o Exocet, criado em 1967, em um sucesso comercial, com cópias e equivalentes aparecendo no mercado de armas. O produto original é fabricado atualmente pelo consórcio europeu MBDA.
Custa caro, o preço estimado fica na faixa entre US$ 1,8 milhão e US$ 2 milhões. É aí que o Mansup vai ter de encontrar espaço.