Do ponto de vista jurídico a Lava Jato foi enterrada como grande vilã da história. Do ponto de vista político, decretar seu desaparecimento é um exercício fútil. É possível “criar” amnésia coletiva sobre algum acontecimento, algo que regimes totalitários conseguem durante algum tempo. Mas os processos sociais – os grandes “fatos” da realidade – se impõem.
É o caso da Lava Jato, que não pode ser entendida simplesmente como uma operação policial e jurídica. Ela é um fenômeno social e político com raízes profundas e enorme abrangência, ligada às expressões disruptivas de 2013 e 2018, das quais é causa e consequência.
A luta anticorrupção é a que melhor capturou o difuso sentimento de “temos de acabar com isto que está aí”. Como não há partidos políticos dignos de nome que canalizem esse tipo de força social num sentido e direção, e tampouco existem elites dirigentes com algum plano abrangente para mudar o que está aí, essas “borbulhas de indignação” acabam perdendo força e desaguam na praia.
Mas trazem consequências que impedem uma volta ao “status quo ante”. Uma das principais, e perigosa do ponto de vista da democracia brasileira, é a notável erosão da credibilidade do Judiciário (leia-se STF) como instância capaz de fazer prevalecer as leis e punir os culpados (corruptos).
Pode-se debater se há elementos “factuais” e “objetivos” que justifiquem essa percepção, ou de quem seria a “culpa”. Mas a deterioração da credibilidade da mais alta instância jurídica é um fato político do qual não se escapa. Portanto, há uma ameaça à “institucionalidade” à qual os integrantes do Supremo gostam de se referir.
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Seria mesmo difícil pensar que instituições funcionem desvinculadas da realidade política. No caso do STF, a evolução (no sentido da linha do tempo) do sistema político brasileiro o tornou um ator político central, e sem volta. O “excepcional” tornou-se o “novo normal”.
Especificamente em relação à Lava Jato ficou pairando sobre o STF – depois de 10 anos e monumentais turbulências – a noção, em vastas parcelas da população, que naquela instância desfrutam de “proteção” os que sabem defender seus privilégios (como setores do próprio Judiciário), e os poderosos da política e economia que cometeram malfeitos ou buscam decisões jurídicas em favor de seus interesses (não necessariamente ilícitos).
Nossos momentos disruptivos recentes têm sido cada vez mais perturbadores. Difícil imaginar como será o próximo.